A violência
da crise manifesta-se junto de nós, todos os dias e por todos os lados, gerando
espirais de decrescimento da produção e do investimento, desrespeitando
múltiplas dimensões da dignidade da pessoa humana, descredibilizando as
instituições, criando círculos de insegurança e, porventura mais importante, trazendo
a desesperança generalizada que tudo corrói.
Como o Papa
Francisco há dias recordou, não podemos ficar ausentes no campo da batalha
política. Que fazer? Que critérios de orientação, tomar para a ação? A Igreja, que
sempre foi mestra na compreensão da natureza humana, soube enunciar princípios
e diretrizes sobre a organização social e política das sociedades que, embora
desenvolvidos em diferentes contextos históricos, têm ganho validade atemporal.
Muitos
desses ensinamentos vêm-nos através do magistério papal das encíclicas. São
numerosas as encíclicas, declarações e outros documentos, em que os Papas
abordam temas fundamentais, como os "da pessoa humana, da sua dignidade, dos seus direitos e das suas liberdades;
da promoção da paz; do sistema económico e da iniciativa privada; do
papel do Estado; do trabalho humano; da comunidade política; do bem comum e sua promoção, no respeito dos
princípios da solidariedade e subsidiariedade; do destino universal dos bens da
natureza e do cuidado com a sua preservação e defesa do ambiente; do
desenvolvimento integral de cada pessoa e dos povos; do primado da justiça e da
caridade. Como se vê, o magistério é muito amplo e não nos deixa
descalços.
Encontramos
as grandes orientações da Doutrina Social da Igreja (DSI), sobre a organização
da sociedade, em algumas das principais Encíclicas dos Papas: como grande
inciadora da reflexão, a Rerum Novarum
e mais próximo de nós, a Pacem in Terris,
a Centesimus Annus, a Populorum Progressio e a muito mais
recente, a Caritas in Veritate. A Caritas in Veritate será a referência do
que vem a seguir.
O centro dos princípios
e diretrizes da DSI é a pessoa humana e a sua dignidade; a sua legitimidade
advém de que o homem foi criado «à imagem de Deus» (Gn 1,
27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa humana e também o
valor transcendente das normas morais naturais – (Caritas in Veritate, 45 ). - Violar
esta dignidade é, por isso, ferir entes que têm a imagem e semelhança de Deus.
Na atual
crise o homem foi e é considerado como uma simples variável de ajustamento e
não, como deveria ser, o fim e a razão de ser de toda a organização da economia
e da vida em sociedade; é a consequência e não o princípio de toda a iniciativa.
A crise é um
resultado da globalização do mercado de capitais e da incapacidade, ou falta de
vontade política, dos estados nacionais, para procederem à regulação do seu
funcionamento.
Os investimentos
em produtos financeiros surgiram como possuindo maior rentabilidade do que as
aplicações na economia real, que até aí eram maioritárias. Contudo, estes
produtos vieram a revelar-se como tendo pés de barro; quando os pés quebraram foi
todo o edifício que de desmoronou (toxidade). Tal não teria acontecido se os
Estados tivessem tido a capacidade e a vontade de regular o funcionamento do
mercado de capitais. Muito se falou disso mas, rapidamente, os responsáveis
políticos dos países mais poderosos se calaram.
Quem tinha maior capacidade de regulação depressa se apercebeu que era,
também, quem tinha menos interesse em que isso acontecesse, dados os proveitos
dos montantes avultados de aplicações que esses estados e as suas instituições
financeiras, ou outras, neles tinham feito.
O que se
invocava como imprescindível necessidade de garantir a - liberdade para os
movimentos de capitais dos credores tornou-se na escravização para quem era devedor.
O mecanismo da escravização rapidamente conduziu à espoliação da riqueza, dos
recursos e de todo o tipo de iniciativa nos países envolvidos. Com
certeza que deveremos pagar aquilo que devemos, a questão é a de saber se
devemos tudo aquilo que dizem que temos que pagar.
Às encíclicas referidas eu juntaria a "Laborem exercens" de João Paulo II, pois põe em destaque o primado do trabalho sobre o capital.É certo que alguma actualização se teria que fazer do seu contexto económico, social e político.Mas é um desafio conceptual e até político quando nela se diz (não tenho presentes as palavras exactas) que deve ser questionado o "dogma" do primado dos direitos de propriedade. Ora aqui cabem os do capital, e hoje em dia -como se refere no "post" - este é sobretudo o financeiro e não o "capitalo fixo": este último anda ou desloca-se ao sabor e humores daquele. E, claro,o trabalho humano sofre os tratos de polé que estão à vista.
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