25 novembro 2018

A tragédia de Borba, a responsabilidade do Sr. Primeiro Ministro e a qualidade da democracia


“Aqui-d’el-rei” que nunca mais encontram os responsáveis! Já passaram tantos dias e ninguém se acusa. Até o Sr. Primeiro Ministro finge que não é nada com ele. É a falência do Estado que deveria ser, por excelência, o garante da nossa segurança. É como se o Estado não existisse!

A grande maioria dos meios de comunicação social e dos responsáveis políticos, que se intitulam de direita, muito têm contribuído para o desenvolvimento e empolamento deste clima social impeditivo de uma análise serena dos acontecimentos.

É ele justificado? Não. Naturalmente, que é importante que se encontrem os responsáveis. Só que os responsáveis não são, apenas, os atores políticos atuais. Muitos dos que, hoje, inflamadamente clamam por justiça seriam mais avisados se realizassem uma introspeção a alguns dos seus comportamentos do passado. Então porquê? Vamos ver. Já em outra ocasião aqui abordei esta questão. Mantendo-se a substância do já anteriormente referido, os novos contornos dos acontecimentos justificam que aqui volte ao assunto.

Deverá o Estado ser responsabilizado quando se verificam estes desastres e dar resposta aos sentimentos de orfandade em que se vêm a encontrar os mais diretamente afetados pelos acontecimentos?

Deverá ser responsabilizado pelas catástrofes evitáveis, mas pouco poderá fazer contra as que não podem ser previsíveis e são consequência dos maus humores da natureza. Tanto nestes casos, em que a responsabilização não é imputável, como nos casos em que ela é possível, existe uma obrigação indeclinável do Estado em ir ao encontro dos que vêm a ficar em situação de precariedade, confortando-os, dando resposta célere às suas necessidades básicas e encontrando o enquadramento e os apoios indispensáveis a um novo início de vida, quando tal se justificar.

Estaremos de acordo com quase tudo o que acaba de ser dito. No entanto, esse acordo pressupõe que tenhamos um entendimento mínimo sobre o que é o Estado e sobre as razões do seu comportamento ao longo do tempo. Vejamos.

O Estado pode ser olhado como sendo constituído pelos poderes, executivo, legislativo, judicial e pelas instituições através das quais cada um destes poderes se organiza. Eles existem para dar respostas de natureza política, económica e social a necessidades dos cidadãos. No entanto, os atos do Estado não aparecem, nem se esgotam num único instante. Uma vez tomada uma decisão, os seus resultados e repercussões vão-se desenvolver ao longo de vários momentos do tempo. Existe alguma tendência para incluir no Estado apenas as instituições do Estado Central, o que é errado porque nele devem ser consideradas, também, as instituições do Estado Local ou Regional, caso existam as Regiões.

As instituições do Estado não podem ser tomadas como simples componentes de um organograma. São corpos vivos, dotados de pessoas, equipamentos, instalações e capacidades. O seu comportamento visa a realização de objetivos com o máximo de eficiência e de eficácia. Eficiência, com vista a atingir os objetivos com a menor utilização de meios; eficácia, de modo a que os objetivos realizados se aproximem o mais possível dos objetivos programados.

Se as instituições são dotadas de pessoas, equipamentos, instalações e capacidades, as decisões que alterem o seu número ou a sua qualidade, podem ter ou têm efeitos imediatos, mas também consequências a médio e longo prazo. É o comportamento das instituições ao longo do tempo que vai determinar a maior ou menor qualidade das funções que são exercidas pelo Estado.

Aqui chegados, voltemos à questão da responsabilização. Perante uma tragédia, o comportamento do Estado face aos cidadãos é, assim, determinado pelas decisões tomadas em cima dos acontecimentos, mas também por decisões tomadas em momentos anteriores e pelas espectativas valorizadas quanto à evolução futura dos acontecimentos.

Os responsáveis terão de ser encontrados não apenas entre os que tomam as decisões atuais, mas também entre os que tomaram decisões no passado ou contribuem para formular cenários de futuro e que, direta ou indiretamente condicionam as decisões possíveis, no momento presente.

É curioso verificar que entre as pessoas e instituições mais aguerridas na descoberta dos responsáveis vamos encontrar muitos dos que são autores, no passado recente, de decisões de fragilização do funcionamento das instituições do Estado. Por exemplo: promovendo a privatização de funções e instituições de que o Estado, agora, não se pode socorrer para tomar respostas que sejam eficazes. Têm efeitos equivalentes a eliminação de órgão essenciais da administração do Estado (gabinetes técnicos e de planeamento, órgãos de consultoria, etc), a não renovação e qualificação dos agentes do Estado e a ausência de melhoria dos seus equipamentos e instalações.

Frequentemente esquecido, mas não menos importantes são os vícios de funcionamento das instituições, herdados do Estado Novo, caracterizados pela não assunção ou retirada de responsabilidade dos agentes do Estado nos vários níveis hierárquicos em que se encontrem. Igualmente surpreendente é o facto de os responsáveis dos níveis superiores da hierarquia e da governação terem como que uma aversão mortal em pedir responsabilidades aos titulares de níveis inferiores ou, em revelá-lo publicamente.

Portanto, no que diz respeito ao apuramento de responsabilidades, elas podem encontrar-se no governo e nas oposições, nos sindicatos, nos dirigentes e nos funcionários preguiçosos ou pouco diligentes, tanto no que diz respeito aos seus comportamentos ativos, como no que se refere à ausência de ação.

Como estamos com um outono chuvoso que ninguém pense que poderá chegar a casa sem uma valente molhada ou sem ter apanhado alguns pingos de chuva.


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