Este post é escrito na sequência e por causa
da promulgação, pelo Sr. Presidente da República, de um diploma
que permite que alguns engenheiros possam continuar a assinar projetos de
arquitetura. É, também, conhecido o debate intenso que, neste momento,
existe na sociedade portuguesa a propósito do ordenamento do território,
nomeadamente, depois dos incêndios de 2017 e com a importante discussão em
curso em torno do Programa
Nacional de Política de Ordenamento do Território (PNPOT). Ora, a admissão
daquela possibilidade tem consequências importantes sobre o ordenamento do
território, como o procurarei mostrar a seguir.
Um pouco de história
De que se
trata? Estamos a falar de projetos de obras a apresentar para aprovação, junto das câmaras municipais, pelos "donos da obra", e cujos projetos de arquitetura
deveriam ser da responsabilidade de arquitetos. Esta obrigatoriedade de
aprovação pelas câmaras municipais não existia há algumas décadas atrás e, por
isso, cada um fazia a casa que entendia, independentemente das consequências
que daí pudessem resultar para o seu enquadramento paisagístico e para o
ambiente.
A obrigatoriedade
desta aprovação foi uma boa iniciativa, só que surgiu num tempo em que os
arquitetos existentes não eram em número suficiente e não tinham capacidade
para dar resposta a toda a procura por ela gerada. Pensou-se, então, que os engenheiros
civis, que já tinham responsabilidades sobre componentes importantes da obra, poderiam
ser autorizados a assinar, também, os projetos de arquitetura. Não se esqueça,
ainda, que os honorários com que os arquitetos se faziam remunerar constituíam
uma parte não desprezível nos custos da obra, o que levava a que os seus donos procurassem outras alternativas.
Os engenheiros
e os gabinetes de engenharia rodearam-se de equipes que apoiassem a elaboração
dos projetos de arquitetura, onde os desenhadores passaram a ter uma importância
determinante. Também, sobretudo em meios de pequena dimensão, os desenhadores
ganharam autonomia, em relação aos engenheiros, para conceber os projetos de
arquitetura. Como, no entanto, não os podiam assinar, para apresentação junto
das câmaras municipais, estabeleciam acordos com engenheiros civis que se
disponibilizaram a assiná-los.
Recordemos que
os engenheiros civis obtinham, nessa altura, a sua graduação, apenas através da
Faculdade de Engenharia do Porto e do Instituto Superior Técnico, o que levava
a que ninguém colocasse questões sobre a qualidade da sua formação.
Sobretudo, a
partir da década de 60 a construção de imobiliário, em meio rural, sofreu um
impulso nunca conhecido antes, graças às facilidades de crédito à construção
entretanto criadas e à iniciativa dos emigrantes desejosos de terem “uma casa
na terra”. Foram os engenheiros (os desenhadores) que deram resposta a grande
parte deste acréscimo de procura.
A formação e qualificação
de arquitetos e engenheiros e a assinatura de projetos
Entretanto, o
mercado de formação de arquitetos e engenheiros sofreu profundas alterações com
o aparecimento da iniciativa privada na formação de arquitetos e engenheiros
(eram as designadas licenciaturas de papel e lápis). Mas tratava-se de
licenciaturas reconhecidas pelo Ministério da Educação e, por isso, os
graus qualquer que fosse a escola de origem, possuíam igual valor. Sabemos que o mercado não tardou a fazer
a diferenciação que entendeu que deveria ser feita. E começou-se a tomar
conhecimento de que havia situações de desemprego, quer entre arquitetos, quer
entre engenheiros.
A discussão acerca
do problema de saber quem deveria ter capacidade para assinar projetos de
arquitetura foi, então, intensa na sociedade portuguesa. Culminou com a
aprovação, em 2009, de uma lei (Lei
nº 31/2009) que determinou que apenas os arquitetos podiam assinar projetos
de arquitetura. Os engenheiros, no entanto, não foram colocados no “olho da rua”. Foi criado um mecanismo transitório que ganhou validade até 2018,
segundo o qual os engenheiros poderiam continuar a assinar projetos de
arquitetura, até essa data.
Findo o período
transitório as nossas “forças vivas” entenderam que havia que encontrar uma
solução, pelo menos para os engenheiros que tinham os seus negócios e atividade
estabilizados. E assim surgiu a lei agora promulgada pelo Sr. Presidente da
República. Para além de outras tem uma consequência importante, que é a de vir a
estabelecer que o regime só é aplicável aos engenheiros licenciados pela
Faculdade de Engenharia do Porto, Instituto Superior Técnico, pela Universidade
do Minho e pela Universidade de Coimbra. Isto é, a diferenciação que o mercado
já tinha estabelecido passou, agora, a ter o Estatuto de Lei.
A assinatura de projetos e o ordenamento do território
Isto já vai longo
e, por isso, a ponte entre a assinatura de projetos de arquitetura e o
ordenamento do território vai ser estreita. Antes de mais, o que deveremos
entender por “ordenamento do território”? Os próprios termos delimitam o seu
objeto: trata-se de ordenar o território. Ora o território, ordena-se, ganha
ordem, através da forma como nele se inserem áreas rurais, florestas, áreas
urbanas, edifícios industriais, zonas residências, como se cuida do ambiente,
da paisagem etc. A ordem que se quer, terá que ser objeto de consenso societário
e deverá ter em conta todas estas componentes.
Está claro que
também lá estão os edifícios, residenciais ou não. E aqui coloca-se a questão
de saber quem deverá ou pode ter capacitação para conceber a arquitetura dos
edifícios e a sua integração com as restantes componentes do ordenamento do
território.
Por vezes
diz-se que o nosso país é muito bonito e nada é mais apreciável do que as
pessoas gostarem da sua terra. No entanto, gostar da sua terra não é o mesmo
que gostar da forma como como a generalidade dos edifícios se têm implantado na
paisagem, nomeadamente nas zonas rurais, embora se deva reconhecer a existência de relações entre ambas. Deste ponto de vista, a grande maioria
do nosso país é muito feio. Salvam-se alguns centros de cidade e aldeias
históricas e tradicionais.
Como é que aqui
chegamos? Grande parte da situação é explicada pelo atraso e pobreza das nossas
aldeias e das nossas gentes, antes da década de 70. Mas uma parte não despicienda,
sobretudo em relação às construções dos últimos 40 anos, resulta do fato de que
ninguém poderá exigir que sejam concebidos bons projetos de arquitetura por
quem não tem formação em arquitetura. Isto não quer dizer que os engenheiros
não a possam ter ou vir a ter.
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