03 junho 2018

Quem decide o que é Economia?

Quem decide o que se ensina e o que deveria ensinar-se de Economia nas escolas e universidades?

Até aqui o processo de decisão pouco tem tido de democrático. Tal como noutros ramos da Ciência, o ensino desta disciplina esteve por demasiados anos fechado sobre si próprio, circunscrito nas suas fontes, métodos e dinâmica aos muros das universidades e institutos de Economia. Numa altura de evolução sem grandes sobressaltos, como foram as três “décadas gloriosas” após a segunda grande guerra, as receitas transmitidas eram em geral suficientes para fazer face aos desafios do crescimento económico. Honra seja feita a muitos professores deste período, as inovações que iam surgindo no campo teórico da disciplina eram então quase sempre objecto de ensino, quando não mesmo de análise crítica.

As crises ressurgidas com as últimas décadas do século XX e com a transição para o novo milénio vieram a desencadear dúvidas e inquietação sobre os limites e adequabilidade da Economia, tal como se concebia e ensinava, para fazer face às novas condições de evolução. Insistia-se, sobretudo, na necessidade de se ensinarem e aprenderem outras escolas e correntes, eventualmente capazes de uma abordagem mais adequada aos novos problemas. Em França, com o ministro Jacques Lang e com o economista crítico e professor de Economia Jean Paul Fitoussi, deram-se nas décadas de 80 e 90 passos importantes para uma reflexão crítica sobre o ensino da disciplina.

Bem conhecemos a fase de evolução subsequente: a globalização sem freios, apercebendo-se do valor do conhecimento como principal factor de produção – e de competitividade – cedo procedeu à tentativa da sua homogeneização e “normalização”, de modo a que mais facilmente aquele factor pudesse ser codificado e colocado ao serviço da grande concorrência internacional. Uma teia de pensamento dominante e tido como oficial começou então a ser tecida, velando por completo o conhecimento considerado não útil, porque crítico. Ao mesmo tempo, começaram a proliferar em universidades inglesas movimentos estudantis de crítica ao ensino do modelo dominante em Economia, único paradigma que era então transmitido, movimentos que em breve se generalizaram e passaram a contar com o apoio de muitos professores e economistas críticos daquele modelo único.

No entanto, não ultrapassámos ainda nesta breve descrição as portas das universidades, ordens profissionais e associações de economistas. Nem mesmo quando estamos a considerar o contributo inalienável que tem sido trazido para este domínio pelas associações de Economia Política, designadamente. E voltamos à questão de partida:
- deverão ser apenas os professores e alunos de Economia, a par dos economistas críticos em sintonia com aqueles, a decidir o que se deverá ensinar e aprender em Economia?
- que classe profissional – a dos economistas – será esta que aparece geralmente alcandorada em níveis elevados da hierarquia das profissões, quando não mesmo do estatuto social, e à qual parece estranha a inquietação da opinião pública, mesmo que informada, sobre as insuficiências e desacertos da sua actividade?
- não será imperioso que repensemos a responsabilidade social do economista, enquanto classe profissional, face aos erros cometidos perante a economia e a sociedade?

Ouvimos dizer, cada vez mais frequentemente, que o que se aprende em Economia está desajustado das necessidades do contexto real em que a profissão deve intervir. No limite, essa desadequação levará à dificuldade crescente de obtenção de emprego também por parte dos que escolheram formar-se em Economia. No site da insuspeita Forbes, Steve Denning, gestor, escrevia já em 2013 que …
…embora haja actualmente amplo consenso de que o foco predominante no interesse de curto prazo do acionista é não só mau para a sociedade como também conducente a maus resultados nos negócios, muito do ensino em MBA’s continua a ser formatado por aquele modelo. [1]

Então, também os empresários e gestores de empresas privadas, organismos públicos, organizações não-governamentais, entre outros, deverão ser chamados a pronunciar-se sobre as reais necessidades em competências e conhecimentos práticos que os estudantes de Economia deverão constituir. É um caminho que começa a ser percorrido mas onde haverá ainda muito a fazer.

E o cidadão comum? Aquele que paga impostos e vê como é desajustada a qualidade da educação (também em Economia) dos seus filhos, tal como se revolta contra as opções económicas que impõem fortes restrições em matéria de saúde pública, por exemplo? Não terá o ensino da Economia de responder também perante as suas inquietações?

Numa sociedade democrática, entendemos que não só o decisor público mas também o economista e o professor de Economia terão de exercer uma responsabilidade social ainda mais ampliada. A de abandonar o seu quase inexpugnável estatuto social, por vezes também económico, ter consciência dos limites e insuficiências do que aprendeu e do que ensina e colaborar para tornar muito mais acessível, junto da opinião pública, o conhecimento da Economia, até agora quase só vedado a iniciados. O que deveria passar, também, por uma maior abertura, se não mesmo envolvimento, na promoção de níveis mais elevados de literacia económica, e financeira, de modo a que o cidadão melhor pudesse escrutinar o que tem até agora permanecido largamente no “segredo dos deuses”. Assim se entenderia a responsabilidade social e democrática do profissional da Economia.

Parece-nos por isso que seria importante que o debate que actualmente tem lugar sobre o ensino da Economia se desenvolvesse também, e de forma bastante ampla, neste sentido.

[1] Denning, S. (2013). How Modern Economics is built on the “World’s Dumpest Idea”. Forbes (https://www.forbes.com/sites/stevedenning/2013/07/22/how-modern-economics-is-built-on-the-worlds-dumbest-idea/#7280f16f7e6f), tradução nossa. Para maior desenvolvimento e diversidade de perspectivas ver também, e por exemplo, Journal of Environmental Education Research (2015, vol. 21, https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13504622.2015.1018141) e The Education Debate (3ª. edição, 2017), por S. Ball, on line em https://books.google.pt/books?hl=pt-PT&lr=&id=T-IqDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PR6&dq=Entrepreneurs+against++Economics+teaching+neoliberal+models&ots=WsGiQuZFzT&sig=fwN_8mJbYnXJf5S7IynCmDJcuow&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false .

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