Entre as questões mais
sérias com que nos confrontamos desde há mais de duas décadas está a da enorme
e crescente desigualdade nas condições de vida, atingindo por vezes grupos
maioritários em países com níveis médios de riqueza comparativamente elevados à
escala mundial.
Dispomos já de um número
considerável de estudos que retratam as situações mais críticas, procuram
evidenciar alguns factores explicativos e apontar caminhos possíveis de
superação, em harmonia com as correntes ideológicas que são as dos seus
autores.
Deixemos de lado, por
indefensável tanto no plano ético como no da racionalidade económica, uma
corrente que defende ser suficiente estimular o crescimento económico, pois deste
todos aproveitariam igualmente.
Também preocupante é uma
atitude meramente defensiva perante as principais ameaças a uma sociedade
equilibrada e pacífica, como por exemplo a globalização desregulada ou o avanço
acrítico de novas tecnologias, descurando a proposta de um modelo alternativo
de desenvolvimento.
O que não é possível é
deixar de questionar a muito injusta repartição do poder que tem permitido a
perpetuação da pobreza e o acentuar das desigualdades na repartição da riqueza,
mesmo quando os recursos disponíveis são mais do que suficientes.
Porquê a dificuldade de
transformação social, quando nos pareceria que temos elites esclarecidas e
motivadas?
Reflectir sobre as nossas “certezas” é o desafio que
Robert Reich, Professor na Universidade da Califórnia, Berkeley, nos lança,
como aos seus alunos, através do convite a assistir a uma série de gravações de
aulas, pois que a elas podemos aceder através da net[1].
Da primeira aula, que
ocorreu a 28 de fevereiro, dedicada ao tema da Transformação Social (How to Ignite Social
Change),seguindo uma metodologia que faz apelo a permanente interpelação aos alunos,
partilho estas breves notas.
Num primeiro passo, os
alunos são convidados a manifestar qual a sua preferência entre dois gráficos
distintos no tocante a uma hipotética e ideal distribuição de riqueza, entre 5
grupos de população americana, desde os 20% mais afluentes até aos 20% mais
pobres.
No gráfico A, os 20% do topo
detém mais de metade de toda a riqueza disponível no país, enquanto essa
parcela vai decrescendo constantemente nos grupos seguintes.
O Gráfico B ilustra uma
distribuição menos desigual, mas não igualitária.
86% dos alunos votaram em B,
e 13% em A, mostrando assim uma preferência por menor grau de desigualdade.
A segunda questão foi a
seguinte: o que julgam os alunos que será a distribuição das opiniões dos
americanos sobre aqueles dois cenários? O resultado deu também o maior peso ao cenário B , mas com menor
expressão (32% para A e 68% para B).
Um outro gráfico, construído
com base num inquérito à opinião americana, conduzido de forma cientificamente
válida, confirma a preferência por uma distribuição da riqueza próxima daquela
que foi a opção maioritária dos alunos (opção B). Ou seja, estes pensavam,
erradamente, que os seus concidadãos seriam favoráveis a uma ainda maior
desigualdade.
Finalmente, perante um outro
gráfico que espelhava o que é, de facto, a extrema desigualdade da distribuição
da riqueza na sociedade americana, foi bem audível a reacção de espanto dos
alunos. Sinal este que Reich designou como o “ factor AAAHH!”, exclamação que
mede o sentimento de surpresa, revolta, ultraje, desilusão (expressões estas
usadas pelos estudantes) perante a tomada de consciência da disparidade entre o
que é tido como ideal e o que é o real observado.
Sem este afastamento (gap)
entre o ideal e a realidade não existem políticas públicas, é “ como estar na
lua”, afirma Reich.
Assim, o primeiro elemento
para desencadear uma mudança social será esse mesmo distanciamento entre o
ideal e a realidade.
Neste ponto, a dúvida que
nos pode assaltar é a de sabermos se, na nossa Academia e, mais geralmente, na
sociedade portuguesa, teremos chegado a um grau de rejeição crítico do que é a
repartição da riqueza em Portugal, que se julga ser ainda mais desigual do que
a repartição dos rendimentos.
Os outros dois elementos de
mudança social que o Professor Reich enunciou e desenvolverá em lições seguintes:
- O conhecimento público
generalizado sobre o que é a distância (gap) entre o ideal e a realidade;
- o sentimento generalizado
de eficácia, isto é, de que existe capacidade para reduzir aquele ”gap.”
Acreditamos que muito
caminho há a percorrer para que o conhecimento público sobre as desigualdades
atinja o nível suficiente: que respostas se obteriam nas universidades
portuguesas com Faculdades de Economia e de outras Ciências Sociais para as
perguntas colocadas aos estudantes de Berkeley? O que sabem sobre o grau de
desigualdade realmente existente na nossa sociedade? E se as perguntas fossem
feitas a não académicos?
E no tocante ao sentimento generalizado
de que existe margem para actuar, quanto derrotismo à partida… A tendência para
sobrevalorizar causas exógenas e minimizar a nossa capacidade de intervenção,
leva-nos a tomar como imutáveis muitas situações, apesar de as julgarmos
injustas.
Ao longo de seis semanas,
Reich irá abordar o sistema político económico e social, realidades que, como
nos recorda, não podem ser vistas isoladamente.
Sistema que é ordenado por
um conjunto de regras feitas por nós, na sociedade e com a sociedade.
Razões de sobra para nos
propormos seguir este “mini-curso” que generosamente nos é oferecido por Robert
Reich.
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