06 dezembro 2020

Para que haja planeamento não basta um conjunto de boas ideias

 

Como foi possível verificar através dos post anteriormente publicados, tanto o documento intitulado “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica”, como o “Plano de Recuperação e Resiliência - 2021-2026 (PRR),”, constituem textos de muita valia, tanto de diagnóstico, como de propósitos para de decisões que se crê poderem mudar, nos próximos anos, o rumo do comportamento estrutural da economia e da sociedade portuguesa, bem como os resultados que daí se podem esperar.

Importa, no entanto, saber se os propósitos neles contidos serão elementos suficientes para conduzirem àquela mudança estrutural. No meu entender não. Apesar de um dos documentos pretender apresentar uma visão estratégica para um plano e de o outro se intitular mesmo como plano, a verdade é que ambos, embora, contenham elementos essenciais para a elaboração de um plano estão longe de se poderem designar como tal. Possuem muitas boas ideias, condição prévia à elaboração de um plano, mas não são muito mais que isso, isto é, boas ideias.

O que lhes falta então? Qualquer plano, para que possa ser suporte de um compromisso societário de construção do futuro, para além das boas ideias, que permitem fazer o esboço do futuro, que se quer ou se adivinha,  o que constitui o ponto de partida para a elaboração do plano, não é mais que isso, um ponto de partida. Terá que se desenvolver, seguidamente, de forma rigorosa e precisa, com a explicitação de múltiplas outras componentes:

Os objectivos do plano, com a sua decomposição temporal e territorial; as interdependências e autonomias de cada um dos objectivos; as interdependências no tempo e no espaço;

Os instrumentos humanos, físicos e financeiros que devem ser reunidos e mobilizados para que os objectivos sejam realizados;

Os mecanismos de controle de execução e de ajustamento face a circunstâncias não previsíveis;

Os graus de flexibilidade que podem e devem ser adoptados, com vista a superar o efeito que circunstâncias não previsíveis podem ter, sobre os objectivos anteriormente fixados, os instrumentos que se previa reunir e os agentes que se queria mobilizar.

Para além disso, o sistema de planeamento terá que possuir horizontes de curto, médio e longo prazos, considerados não como partições autónomas do tempo no sistema de planeamento, mas como tempos interligados que têm que ser valorizados e explicitados. Não há nada de mais perverso, do que considerar que o longo prazo é algo que se cumprirá nos tempos que hão-de vir, ou de que o quadro financeiro do horizonte de curto prazo (o orçamento) é, só por si, suficiente como plano anual. O longo prazo esgota todos os seus efeitos num horizonte longo, mas é já hoje que deve começar por ser construído. A valorização da interdependência existente entre os conteúdos de planos com diferentes horizontes temporais é condição imprescindível à boa execução de cada um e do conjunto dos planos.

Quando falamos de longo prazo importa contrastar os seus objectivos com o que habitualmente tem vindo a ser designado como estratégia. Correntemente a noção de estratégia é assimilada à de objectivos de longo prazo, o que significaria que os planos de curto e médio prazo não precisariam de estratégia. Ora, assim, não é. A noção de estratégia deve ser uma componente essencial dos planos de todos os horizontes temporais.

Acontece que à noção de estratégia pode ser dado um outro significado, isto é, em cada plano a estratégia é a forma que se considera que melhor afecta recursos a objectivos, de modo a que o seu uso seja considerado o mais eficiente. Sobre isto, as duas figuras de plano objecto de análise, pouco ou nada dizem.

 

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