Está lançado o debate na sociedade portuguesa
acerca da revisão da actual Lei de Bases da Saúde, de 1990, que alterou a lei
inicial, de 1979, ano da criação do SNS.
É importante referir que a nossa actual Lei
nasceu num contexto internacional liberalizante, com impacto sobre os sistemas
de saúde de vários países onde vigoravam sistemas integradores, entre os quais
o destaque é devido ao Reino Unido.
Naturalmente, o SNS não ficou imune aquela tendência
e, ao longo dos anos, sofreu a influência nefasta de sucessivas mudanças quanto
a orientações e prioridades.
Como referiu, em 2003, o Observatório Português
dos Sistemas de Saúde (OPSS), eram então identificadas três períodos bem
distintos: um primeiro em que a ênfase era colocada na separação entre o sector
público e o privado, um segundo advogava um seguro alternativo de saúde e um
terceiro colocava a tónica no maior financiamento privado no sistema de saúde e
na gestão privada das unidades públicas de saúde.
As fortes restrições financeiras na sequência
da crise de 2007/2008 acentuaram sobremaneira as dificuldades de operação do
SNS, descontinuando ou enfraquecendo a aposta em orientações muito promissoras
como a de reforço e modernização dos cuidados de saúde primários, e, ao
desvalorizarem a atenção que é devida aos seus recursos profissionais criaram
problemas de muito difícil solução.
Ao mesmo tempo, tem aumentado a presença do
sector mercantil, particularmente no sector hospitalar, através de parcerias
público privadas (PPP), em quatro casos abrangendo a própria com gestão (política
que tinha sido interrompida durante alguns anos na sequência de uma experiência
mal sucedida) e não apenas suprindo o financiamento da construção.
Como é fácil concluir, todo este processo
alterou de forma não planeada a arquitectura de modelo fundador do SNS, de tal
forma que se terão multiplicado ineficiências em vez de se terem centrado as
atenções no que poderia ser a sua modernização e no combate ao desperdício.
Uma questão específica merece desde já ser
colocada: para se manterem bons indicadores de saúde, numa população com baixo
poder de compra e múltiplas carências no domínio da literacia, não pode
continuar a ser crescente a parcela dos gastos de saúde a cargo dos utentes.
Não é assim defensável um menor financiamento público da saúde, sendo o nacional
um dos mais baixos da OCDE. Nem pode a lógica dos mecanismos de mercado ser
compatível com a satisfação das necessidades em saúde.
Sem advogar uma visão catastrofista,
entendemos que deve ser dada muita atenção a alguns dos nossos indicadores que
apontam para um estado de saúde insatisfatório ou mesmo em regressão.
A título de exemplo, é preocupante que a
esperança de vida saudável aos 65 anos não só esteja aquém do que se regista na
EUa28 (7.0 contra 9,4 em 2015) como, sobretudo, tenha vindo a diminuir. Com
efeito, entre 1995 e 2015, o número de anos de vida saudável dos idosos
portugueses, passou de 8,3 para 7,0, na média masculina, descendo ainda mais
para as mulheres, de 9,9 para 5,4 (Pordata).
Esperamos que o processo de revisão da Lei de
Bases da Saúde suscite um amplo debate e, no final, se possa consolidar uma
visão estratégica para o sector que responda às necessidades de saúde da
população portuguesa, num horizonte alargado: não mais deveria ser permitido
que uma qualquer crise financeira possa vir a afectar negativamente o acesso e
a qualidade dos cuidados de saúde, cuja responsabilidade se deve manter nas
mãos do Estado como prestador nuclear. Os portugueses valorizam e defendem o SNS
- uma rede de serviços de saúde, articulados e complementares, apoiados
solidariamente por todos através dos impostos que pagam - como uma conquista da
democracia.
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