23 novembro 2016

E de Educação, como vamos? Algumas questões para um ponto da situação

Ultrapassado um ano de mandato do actual Governo, parece oportuno que reflictamos, mesmo que brevemente, sobre o andamento e o estado da educação em Portugal nos dias de hoje.

Relembrando as grandes opções deste executivo, de acordo com a base de referência dada pelo programa eleitoral do PS, salientam-se como principais objectivos e prioridades: a redução do insucesso escolar; a universalização, até ao fim do mandato, da educação pré-escolar; a valorização do ensino secundário e a melhoria da qualidade do ensino através, designadamente, da sua diversificação; a criação e desenvolvimento de um programa para educação e formação da população adulta; a melhoria do sucesso educativo no ensino superior; e, ainda, de primeira importância, a valorização da função docente. Embora estes aspectos se entrecruzem e se torne difícil considerá-los um a um, iremos proceder desse modo por simplificação e restrições de espaço.

Detenhamo-nos por hoje no primeiro daqueles objectivos prioritários.

Considerando o combate ao insucesso escolar, “combate sem tréguas (…) para o qual se promoverá a mobilização da sociedade portuguesa”, preconizaram-se diversas medidas cujo andamento convém questionar:
- a garantia da estabilidade do trabalho nas escolas e a forte aposta na formação de professores;
- o incentivo à flexibilidade curricular, suportada por diferentes modalidades e soluções pedagógicas adaptadas, tanto quanto possível, aos vários contextos;
- o desenvolvimento das actividades de enriquecimento curricular, integrando-as pedagogicamente de molde a contribuir para o reforço da “escola a tempo inteiro”;
- …

Neste domínio deverão colocar-se questões como as seguintes:

- quais os ganhos efectivos em estabilidade e valorização do estatuto dos professores, incluindo a sua formação?

- o que há de concreto sobre alterações sustentáveis no modelo de recrutamento de professores? Convém lembrar, neste âmbito, que a dimensão média das turmas no ensino primário, público e privado, aumentou em Portugal cerca de 14 pontos percentuais (p.p.) entre 2005 e 2014, sendo o correspondente aumento nos 2º e 3º ciclos do ensino público igual a 2 p.p. (OECD 2016, Education at a Glance, consultável aqui). É verdade que um projecto realizado em parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, o projecto Aqueduto (aqui), conclui que a dimensão média das turmas … não tem influência no insucesso escolar mas apenas na indisciplina (apresentação pública na Torre do Tombo, a 27 de Outubro, p.p.)…, como se aqueles dois aspectos pudessem ser dissociados, conclusão de que discordamos abertamente;

- que avanços se verificam no sentido da flexibilidade curricular? E que medidas foram, entretanto, introduzidas naquele sentido? O mesmo estudo da OCDE que vimos referindo mostra à evidência como é negligenciável em Portugal o peso da componente flexível do currículo, em confronto com outros países europeus ou mesmo da OCDE;

- que medidas têm sido tomadas para motivar uma classe docente cada vez mais envelhecida[1] e cujo número médio de horas de ensino, no ensino básico, é dos mais elevados no conjunto dos países do centro e sul da Europa (cf. OCDE 2016, op. cit,, Quadro D.1.1)?

- como compaginar os aspectos anteriores com o objectivo da “escola a tempo inteiro”? E acima de tudo, qual a valia social deste objectivo: não terão as nossas crianças direito a brincar, aos tempos de família e de outras formas de socialização?

A concluir esta reflexão, uma nota sobre questões de financiamento e acção social escolar. Antes de mais, para “justificar” eventuais aumentos de dotação não é legítimo confrontar orçamentos executados com orçamentos previstos: em 2016, o Ministério da Educação gastou mais 349 milhões de euros do que o previsto, pelo que a não haver reforço orçamental para educação para 2017, o aumento anunciado se traduzirá, de facto, numa quebra de financiamento público de cerca de 170 milhões de euros. A ser assim, será a verba orçamentada suficiente para compensar (pelo menos) a quebra registada nos gastos públicos globais com estabelecimentos de ensino que, entre 2010 e 2013, e em percentagem do PIB, se cifrou nos -9 p.p.? (OCDE 2016, op. cit)? E chegar, ainda por cima, para financiar as importantes reformas anunciadas?

Ainda com importância decisiva no combate ao insucesso, merece-nos reflexão o que é proposto em termos de acção social escolar. Para além da política de recuperação e partilha de manuais escolares, sem dúvida importante mas envolta ainda em polémica, esperar-se-ia o anúncio de medidas relativas ao reforço de políticas de intervenção financeira directa, como as que têm a ver com concessão de bolsas e outros meios de apoio – cantinas, residências, etc. Tanto mais que constituem áreas de forte desinvestimento por parte do anterior executivo. Ora sobre estes últimos aspectos nada é dito, desde logo no programa eleitoral do PS, e, tanto quanto se sabe, pouco ou nada tem sido feito neste domínio. Como é então possível atenuar os efeitos, reconhecidos, da influência do estatuto socio-económico das famílias de origem sobre o insucesso escolar? Confirmando anteriores resultados da OCDE, o projecto Aqueduto veio concluir  pela grande resiliência das crianças e escolas portuguesas ao aumentarem o bom desempenho mesmo quando inseridas em contextos económica e culturalmente desfavorecidos. 

É então com essa resiliência que se conta, exigindo ainda mais esforço às famílias, alunos e docentes? Não entende o Estado dever ter um papel activo neste importante domínio?





[1] A taxa média anual de crescimento do número de professores do ensino secundário com idade superior a 50 anos era em Portugal, em 2014, igual a 6%, a segunda mais elevada no conjunto dos países da OCDE analisados (OCDE 2016, op. cit). 

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