Como tantas vezes tem sucedido, a
crise está de novo a ajudar a esconder o reforço da desigualdade em relação às
mulheres, desde logo em termos remuneratórios.
Tem-se dito e escrito que as
crises – como a estatística – têm sido inimigas dos direitos das mulheres por contribuírem
para a não visibilidade dos seus problemas. É certo que as consequências do
afundamento das economias e das políticas de austeridade que o têm acompanhado
têm vindo a provocar efeitos sociais de intensidade dramática e grande
abrangência, especialmente em termos de desemprego, efeitos esses que se
observa estarem ainda longe de começar a retroceder. Mas não é menos verdade
que, ao mesmo tempo, se tem vindo a deteriorar significativamente a posição das
mulheres em diversos domínios e, ao não se por a claro algumas destas evidências,
corre-se o risco de perder anos de ganhos na luta pela igualdade de género.
A abordagem da desigualdade de
remunerações entre mulheres e homens para trabalho equivalente[1]
tem passado, normalmente, pela consideração dos ganhos de escolaridade de umas
e outros, constatando-se que, embora geralmente mais escolarizadas e com mais
formação, as mulheres recebem menos do que os homens nos mesmos sectores de
actividade e em ocupações comparáveis. Complementarmente, faz-se em seguida a
triagem pelos níveis de qualificação nos quais as empresas e organizações
empregadoras classificam mulheres e homens em igualdade de “capital humano”,
para se constatar que, muito frequentemente, a probabilidade de as mulheres
receberem uma classificação igual à dos homens em situação equivalente é bastante
baixa.
A literatura da especialidade,
muito abundante como se sabe, usa a expressão tecto de vidro (ceiling glass) para referir a menor
possibilidade de mobilidade vertical das mulheres. E convém sempre sublinhar
este facto complementar: a razão de ser desta “viscosidade“ que tanto tem
penalizado as mulheres, tem a ver com processos que estão fora do seu controlo
e decisão; se é um facto que, habitualmente e em média, se têm vindo a esforçar
por progredir mais nos estudos e por fazer mais formação, muitas vezes em
dificuldade extrema de compatibilização entre trabalho, estudo e família, a
verdade é que tal empenhamento não consegue protegê-las da discriminação
remuneratória a que a relação laboral tantas vezes as condena. Muito ao
contrário do que o pensamento dominante, agarrado ainda às teorias do
investimento em capital humano, quer fazer passar.
Como nos mostra o Gráfico nº 1, a
desigualdade remuneratória entre mulheres e homens
tem vindo a agravar-se muito em Portugal ao longo dos anos da crise, seguindo
uma tendência contrária à da média da União Europeia:
Esta desigualdade remuneratória, que em inglês se designa por gender pay gap, obtém-se através de:
g = (whH - whM)/whH,
em que whH e whM representam os ganhos brutos horários médios dos homens e das mulheres, respectivamente.
Afinando um pouco mais esta breve
análise no sentido anteriormente descrito, podemos agora desagregar aquela
tendência por Níveis de Qualificação:
Constata-se, assim, não só que a
diferença salarial relativa entre mulheres e homens é particularmente acentuada,
em 2011, nos Quadros Superiores (QSUP), no Pessoal Altamente Qualificado (PAQ) e
nos Quadros Médios (QMED) – categorias a que correspondem, em geral, níveis
médios de qualificação mais elevados – mas também que nestes dois últimos níveis,
assim como no de Pessoal Não Qualificado (PNQ), a situação se veio a deteriorar
desde 2002.
Ora, ao contrário do que sucedeu
ao longo de décadas, nota-se de 2012 para 2013 um aumento, se bem que ligeiro, na taxa feminina de abandono precoce da escolaridade, ao mesmo tempo que o peso relativo das mulheres portuguesas matriculadas no
Ensino Superior tem vindo a diminuir desde o início do milénio: se em 2001
respondiam por perto de 2/3 do total (60,9% contra 39,1% de homens), os dados
da base PORDATA mostram-nos que, em 2014, embora ainda em maior número do que
os homens, lhes corresponde agora apenas uma parcela de 55,5%. Significa isto só
por si que as mulheres portuguesas estão a ver diminuídos os poucos recursos
que poderiam brandir – e mesmo assim com limitada eficácia, como vimos – contra
a desigualdade de remunerações de que cada vez mais estão a ser alvo. Trata-se
de um resultado que, a nosso ver, muito ganharia em ver aprofundadas as suas
circunstâncias e principais determinantes.
(*) Adaptado e actualizado a partir da apresentação "Segregação e Discriminação das Mulheres no Mercado de Trabalho: Metodologias de Medida e Articulação com Educação e Formação", Seminário na Universidade Feminista, UMAR, Lisboa 14 de Maio de 2014.
Margarida Chagas Lopes
Const
[1] Conceito
que, por simplificação, aqui faz intervir apenas os parâmetros “mesmo nível de escolaridade”, “horário
equivalente” e “mesmo sector de actividade”.
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