No seu Destaque de 30
de Junho último, o INE apresenta os resultados definitivos do Inquérito à
Fecundidade de 2013 (*). Este Inquérito, dirigido às portuguesas e portugueses
em idade fértil – 18 a 49 anos e 18 a 54 anos, respectivamente – retrata não só
a situação sincrónica do país em comparação com a dos restantes Estados Membros
da Europa a 28 (EU 28) como também aponta para as intenções e expectativas de
umas e outros tendo por âmbito os seus ciclos de vida.
Considerando o Índice
Sintético de Fecundidade (ISF) – número de filhos/as tidos por mulher em idade
fértil – começa aquele Destaque por mostrar como em Portugal o Índice conhecia
em 2012 o valor mais diminuto no contexto da EU 28: 1,28 contra uma média de
1,58:
Fonte: EUROSTAT, in INE
& FFMS
Este facto assume
contornos de ainda maior gravidade quando sabemos que o valor do ISF necessário
para assegurar a substituição de gerações era, também em 2012, igual a 2,1; e
quando se sabe que o valor efectivo do ISF para 2013 desceu para 1,21.
Outro aspecto de grande
interesse que os resultados daquele Inquérito nos revelam é o da diminuição sistemática
dos valores quando caminhamos dos índices da “fecundidade desejada” para os da “fecundidade
esperada” e, daqui, para a “fecundidade realizada” (2,31; 1,78 e 1,03,
respectivamente), não se verificando diferenças significativas entre mulheres e
homens nestes três aspectos. Ou seja, podemos constatar que tanto as mulheres
como os homens portugueses em idade fértil acabam por ter, ao longo da vida,
menos filhos do que esperariam e menos ainda do que considerariam ideal. Quando
o nível de qualificações aumenta, sobretudo no caso das mulheres, o desvio
entre o número de filhos desejado e o número de filhos efectivo torna-se ainda
maior, assim como aumenta também das regiões do interior, especialmente
Alentejo, e da R. A. Açores para as grandes metrópoles do Porto e Lisboa. Quais
as principais razões deste comportamento?
Questionadas/os umas e
outros, respondem que a principal razão para não ter ou não ter tido mais
filhos são os custos financeiros, apontando o “aumento de rendimentos para as
famílias com filhos” como a principal medida de apoio à fecundidade, referida por
bem mais de 50% das/os inquiridas/os. De entre os restantes incentivos destaca-se
o “facilitar as condições de trabalho para quem tem filhos, sem perda de
regalias”, embora com percentagens de concordância inferiores (valores da ordem
dos 27% a 36% de respostas).
Ora, o que vimos
assistindo é a uma política de contracção geral dos rendimentos associados à
situação de famílias com filhos a cargo (diminuição dos valores de abono de família,
cessação das prestações para cuidados de saúde básicos como o cheque dentista,
aumento de propinas e de outros custos directos e indirectos com educação…), a
par da diminuição da oferta e/ou acessibilidade a serviços sociais básicos como
os de saúde e educação de crianças e jovens (além de adultos). E, também, ao
reforço de situações de discriminação laboral, absolutamente ilegais, como as
recentemente denunciadas sobre a condição de não virem a engravidar imposta por
certas empresas a mulheres candidatas a emprego.
Numa situação
conjuntural particularmente difícil, em que o desemprego e a falta de
perspectivas levam as e os jovens a adiar as decisões de constituir família e
ter filhos, as políticas públicas neste domínio funcionam também pró
ciclicamente, ao contrário do que deveriam, em nome do sempiterno desígnio de
redução do déficit…
Mas, mesmo admitindo
que tal objectivo, a ser socialmente legitimado, seria conseguido – o que está
longe de verificar-se, como sabemos – e que isso traria à economia portuguesa
importantes ganhos de curto prazo, as perdas económicas e sociais associadas a
uma política que é, de facto, contra a natalidade, só iriam/irão avolumar-se a
médio e longo prazo. Face às recentes tendências migratórias no nosso País, estamos
cada vez mais longe de esperar poder compensar com o aumento do saldo
migratório a diminuição drástica da fecundidade “endógena”, tanto mais que a tendência
conhecida é a de que as comunidades de imigrantes adoptem progressivamente os
modelos de natalidade dos países de acolhimento. Os efeitos a longo prazo sobre
o envelhecimento da população residente só terão, portanto, razões para se reforçar.
Mas a falta de crianças
e jovens tem importantes efeitos de natureza irreversível e estrutural. Por um
lado, à medida que vão diminuindo as novas gerações aprendentes cavam-se as
bases para o atraso e falta de dinamismo no processo de conhecimento, para a
imobilidade e obsolescência crescente das qualificações e competências; mas
também para a inércia das ideologias, a falta de sentido analítico e crítico, a
anomia social. Por outro, também se altera drasticamente a morfologia da saúde
pública, conduzindo à diminuição das doenças infantis e ao aumento drástico das
doenças ditas do envelhecimento, mas também à perda do capital de saúde,
energia, dinamismo… que as gerações mais novas trazem consigo. Para não falar
nas repercussões, bastante debatidas, sobre as condições e sistemas de reforma,
mais imediatas nos regimes de repartição mas não menos graves nos restantes.
As consequências em termos de desertificação
de importantes zonas do País têm sido, também, sobejamente referidas. Assim
como as manifestações mais óbvias, e imediatas, expressas pelo desemprego e “redundância”
de professoras e professores e de algumas especialidades médicas, pelo
importante desinvestimento físico em infraestruturas escolares, de saúde, de
justiça e pelo ainda mais grave desinvestimento social que tudo isto implica.
Por todas estas razões,
somos de opinião de que este tema deveria merecer uma atenção mais dedicada por
parte de grupos de reflexão comprometidos com a alternativa económica e social.
Margarida Chagas Lopes
(*) INE e Fundação Francisco Manuel dos Santos
(FFMS), 30 de Junho de 2014, Destaque – Inquérito
à Fecundidade de 2013 (http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=211350998&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.