08 outubro 2013

Angola e as desculpas portuguesas

Luanda, 2013. O musseque começa mal acaba a pista do aeroporto. Estende-se por quilómetros e desvanece-se pouco a pouco ao encontro do centro da cidade, onde não desaparece. Aqui, ombreia com casas antigas, há décadas precisadas de recuperação e arranha céus onde se instalam os grandes negócios do petróleo, do hotel de luxo, da banca internacional, portuguesa sobretudo. Raramente há passeios transitáveis, seguros e limpos, que não obriguem o transeunte a disputar ao trânsito insano uma tira de espaço para conseguir passar.
A rua é, com efeito, o grande palco da vida, o grande espelho da desigualdade e da miséria. A kitanda de tudo vende, desde legumes e hortaliças, a caixas de plástico, ovo cozido e panos do Congo. A diversidade de "serviços" prestados é inumerável. Particularmente apetecida pelos adolescentes, a lavagem e guarda de carros, muitas vezes em "avença" mensal, rende o suficiente para viver e, obviamente, concorre com a escola. A segurança privada floresce: guarda de prédios, lojas, serviços públicos, livrarias, bombas de gasolina... é uma constante, única via semi formal de absorver a multidão de desmobilizados. O policiamento, desdobrado por três corpos distintos, fiscaliza e empurra, de G-3 em punho, o vendedor ambulante, pára a cidade e abre alas, agora enquanto corpo "especial", para a passagem dos extensíssimos cortejos presidenciais e das altas individualidades. A corrupção aborda-nos a todo o instante, mesmo no mais simples incidente: porque há multa para quem fotografe equipamentos públicos, a polícia sugere "uma gasosa" inferior ao eventual valor daquela...No aeroporto, o segurança da entrada ameaça com uma revista, que não pode fazer, ao viajante instado a declarar valores que não transporta.
Esta é a rua, são os factos.
E os números:
Em 2013, a taxa de desemprego de Angola é de 25,6%, segundo os dados oficiais (INE-Angola). A taxa de iliteracia de jovens e adultos (cerca de 25% e de 34%, respetivamente, segundo estimativa da OIT) é das mais elevadas da África ao Sul do Sahara.  O nível de desigualdade é tal que o Indicador de Desenvolvimento Humano (IDH), atualmente igual a 0,729, se situa em apenas 0,285 uma vez feita a correção do desnível. Apesar do crescimento aberto da economia angolana, mesmo assim vulnerável à crise internacional e, sobretudo, à instabilidade da cotação do petróleo, o aumento de 80% na produtividade média do trabalho, verificado na última década, não impediu que o peso dos salários no Rendimento Nacional descesse  de 11,1%, em 2009, para 8,3% em 2013, prevendo a OCDE (2013, Country Report - Angola) que a tendência continue a acentuar-se...
É ao governo que tudo isto permite, protege e mantêm, que desta situação se alimenta faustosa e despudoradamente, que o ministro português dos Negócios Estrangeiros entendeu pedir desculpas... pelo fato de a justiça portuguesa se ter atrevido, em sua sede própria e exercício independente, a julgar um pedaço daquele nepotismo e, eventual corrupção, com que, entretanto, a sociedade portuguesa se veio a envolver.
É, como já foi dito, uma afronta ao povo angolano. Como tal, há que denunciá-lo veementemente.

Margarida Chagas Lopes
Outubro de 2013

1 comentário:

  1. Obrigada Margarida por este elucidativo e testemunhado quadro da situação em Luanda a ilustrar como se pode ser pobre no meio da riqueza quando esta não é equitativamente repartida e posta ao serviço das pessoas e do bem comum.

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