03 julho 2012

É não perder! É não perder! Senhoras e senhores

Este é o slogan que é costume ouvir pregoar em época de saldos. Estamos no tempo deles mas, neste caso, não se trata de saldo, mas de produto de primeiríssima qualidade. Estou a referir-me à entrevista que o Prof. Anthony Atkinson concedeu ontem (02-07-12) ao Jornal Público (ver aqui).

A notabilidade que já possui o Prof. Atkinson pouco vai aumentar com mais um doutoramento honoris causa, neste caso atribuído pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL), através do ISEG, no passado dia 29 de Junho (ler mais). Neste caso poder-se-á dizer que, mais do que o laureado, quem fica honorado é a UTL.

O Prof. Atkinson, juntamente com o Prof. Amartia Sen são, certamente, os académicos que, desde fins dos anos 60, do séc. passado, mais contribuíram para a reflexão sobre a economia pública, a pobreza, a repartição dos rendimentos e as situações de desigualdade. No caso do Prof. Atkinson, refira-se a sua importante contribuição para a ciência económica, através da construção de um indicador de desigualdade, que veio a ficar conhecido como “Índice de Atkinson”. Quem for mais curioso pode ver aqui.

Igualmente, pode ser considerado como seminal o trabalho que, conjuntamente com o Prof. Stiglitz, publicou em 1980, intitulado “Lectures on Public Economics”. Para uma maior aproximação à mais-valia da sua obra vale a pena consultar o seu currículo (ver aqui)

O mais importante, agora é, no entanto, ver a mensagem que o Prof. Atkinson, muito oportunamente, nos deixa através da sua entrevista (ver aqui)

De entre as componentes dessa mensagem permito-me destacar:

- Há três ou quatro anos o país em que a pobreza se tornou mais importante foi a Alemanha, diminuindo os subsídios de desemprego, pactuando com a descida dos salários, criando empregos mal pagos, enfraquecendo a negociação coletiva e privatizando um número considerável de setores;

- Parece que a Alemanha se saiu bem disso, mas o sucesso é apenas aparente, porque não estão a ser tidos devidamente em conta os todos os custos envolvidos, nomeadamente, os que só se manifestarão no longo prazo;

- É desonesto reduzir a dívida nacional para ajudar os nossos filhos e netos e, ao mesmo tempo, passar-lhes um país sem bons hospitais, escolas ou estradas e onde não lhes são dadas oportunidades para trabalhar; a preocupação não deve ser, apenas, a de introduzir austeridade mas, igualmente, quem a paga;

- Temos de lidar com finanças públicas, sim; mas isso significa aumento de impostos, mais do que cortes orçamentais; temos de mudar a forma como a austeridade está a ser feita, tendo em conta quem é que a está a pagar.

Bem andávamos precisados desta lufada de ar fresco, para nos dar um pouco mais de alento, vinda de alguém que, com o currículo que já tem, se poderia dizer que já não tem nada mais que provar.

Nada disto é contraditório com a necessidade permanente de corrigir a presença de ineficiências que, com grande facilidade, se podem associar à produção de bens públicos.

2 comentários:

  1. Também li e guardei a entrevista ao Prof.Atkinson. É importante que os quatro aspectos destacados (sintetizam tão bem a mensagem da entrevista!)sejam divulgados. Já várias vezes, em discussão com familiares e amigos, me tenho insurgido contra a ideia propagandeada de legitimação da austeridade que consiste em dizer que não podemos deixar a dívida para filhos e netos, quando isso leva a esquecer que não podemos é deixar-lhes um país sem as infraestruturas de saúde, conhecimento, mobilidade, comunicação, oportunidades de trabalho para que o futuro deles não seja um triste retrocesso

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  2. A expressão “não deixar dívidas para os nossos filhos e netos” é uma expressão cujo significado depende do contexto em que é proferida ou pelo menos da mentalidade subjacente, o que significa que deve haver algum cuidado na sua utilização.
    Também li a entrevista do prof. Atkinson e pareceu-me muito interessante a maneira nova como aborda questões velhas e novas a surgirem outros caminhos na sua solução. Dos vários temas analisados, também fala desta expressão.
    Parece-me claro que se trata não só de uma desonestidade, e mais até de uma imoralidade, deixarmos dívidas aos filhos apenas porque queremos plena satisfação dos nossos interesses egoístas. Mas também me parece imoral que para não deixarmos dívidas que contraímos para eles terem melhores hospitais, escolas ou estradas, passemos fome ou sejamos obrigados a viver na miséria. O que é importante é deixar-lhes um mundo não só habitável mas com condições para uma boa qualidade de vida, mesmo que isso implique deixar-lhes também algumas dívidas.
    Penso que estamos a falar da solidariedade intergeracional ou como lhe chamam alguns “solidariedade vertical”. A solidariedade não implica os sacrifícios unicamente de uma das partes, mas uma distribuição justa. A solidariedade implica dois sentidos e não um só. Não é moral é deixar-lhes dívidas só porque esbanjámos e destruímos recursos para satisfazer as nossas “necessidades” supérfluas. Mas é justo que todos paguemos para que todos disponhamos de bens essenciais. Se assim for, tal como certamente estamos a pagar ainda alguns dos benefícios que as gerações passadas nos deixaram, “deixar dívidas aos filhos e netos” pode ser “apenas” o exercício de uma “solidariedade vertical” num mundo marcado por dificuldades novas e constantes desafios para os quais as soluções nem sempre são as melhores (até porque nunca há soluções melhores!). Mas desde que sejam as mais “honestas” que é possível tomar com os dados em cada momento disponíveis, os seus custos poderão ter de ser partilhados pelas gerações presentes e futuras sem que isso viole algum direito inato ou adquirido ou ponha em causa a solidariedade.

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