03 julho 2012

O “misticismo” à volta dos modelos económicos

Uma das facetas da crise é que, à medida que se sucedem tentativas para a debelar, cresce a sensação de que são ineficazes os remédios que vão sendo tentados, como se estivesse em marcha uma doença desconhecida: “um caso interessante”, poderia dizer um médico que talvez visse ali matéria para um projecto de investigação.

Para os economistas o desafio é enorme: perante a inoperância das teorias em que foram formados, qual o caminho certo? Tentar alguns ajustamentos para corrigir a trajectória - e, assim, domar a crise - será para muitos o mais apelativo, pois tal lhes permite manter o conforto dado pelos conhecimentos adquiridos, mesmo quando a realidade lhes diz que estes são errados ou incompletos. Seriam então como um médico preguiçoso que se limitasse a usar remédios sem efeito terapêutico numa doença desconhecida.

E, depois, têm os modelos matemáticos, essa maravilha que ao longo das últimas décadas tem alimentado a ilusão de que tudo podem prever…até que os factos vêm demonstrar como são simplificadores em extremo.

De facto, a constatação recorrente de grandes desvios entre as previsões e os dados reais deveria levar a questionar o uso (e abuso) dos modelos económicos que assumem hipóteses de comportamento como se fossem infalivelmente verificadas .

É muito curiosa a expressão “ misticismo” aplicada aos modelos por James K. Galbraith que os define de duas formas: “ (1) modelos que utilizam conceitos sem significado operacional - abstracções que nunca serão observadas nem medidas - e (2) modelos que enquadram (mal) problemas de forma a conduzir a conclusões de política extremas e nâo razoáveis”.

A falta de preparação em História Económica e em História do Pensamento Económico é um problema sério nos Estados Unidos, acrescenta Galbraith, citado por Brendan Greeley, em Bloomberg Business Week on-line de 1 de junho 2012.

Trata-se de uma questão da maior actualidade e de âmbito mundial, que deveria obrigar a pôr em causa a forma como têm sido conduzidas as políticas anti - crise e também o tipo de ensino de Economia ministrado nas universidades, o qual parece estar ainda refém de conceitos ultrapassados.

De facto, seria bom ter consciencia das limitações do uso dos modelos matemáticos e aceitar, com humildade, que eles nunca podem explicar a complexidade da vida económica.

Por outro lado, há que reconhecer a não neutralidade da forma como se olham as questões da Economia, sendo certo que esta deve estar sempre ao serviço do bem estar das pessoas: as políticas económicas, em particular neste tempo de crise, carecem de revisão profunda, sendo urgente rever o quadro conceptual hegemónico em que se têm inspirado.

O que se espera dos economistas é que não sigam o caminho fácil de confiar cegamente em modelos para formular soluções para a crise e se lancem, antes, num trabalho sério de investigação, procurando chegar a formulações credíveis de políticas económicas alternativas, sem o dogmatismo que tem caracterizado o pensamento dominante.

Políticas alternativas que se espera possam, mais tarde ou mais cedo, influenciar os centros de poder.

1 comentário:

  1. Obrigada pelo post, Isabel!
    Repensar o modelo económico e financeiro é indispensável.
    O caminho já começou e o Blog Capital Institute, entre outros, representa ideias novas. John Fullerton, que tinha passado muitos anos no JP Morgan, apelou a um novo "stateman" entre os banqueiros.
    http://www.capitalinstitute.org/blog/will-barclays-ceo-surprise-us
    Respondi ao post dele com estas palavras:
    "How true, John!
    We need a statesman among bankers.
    John Maynard Keynes said that an economist must be “mathematician, historian, statesman and philosopher,” in other words, an integrated, reflective and responsible person, capable of leading society for the common good.
    Most economists today are mainly mathematicians, and many bankers today preoccupy themselves only with numbers and immediate profits.
    I like your quote: “Abstraction without the particular becomes the demonic.”
    We appear to live in a demonic world.
    Let us recover the human dimension."

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