28 dezembro 2011
Ainda a "democratização da economia"
O aumento das listas de espera nos hospitais públicos
Tecnicamente, os que não podem pagar têm direito a cuidados gratuitos, … mas a burocracia é um obstáculo.
Perante este estado de coisas, os governantes admitem a existência de alguns problemas mas dizem que o sistema era insustentável e podem fazer ajustamentos no próximo ano. Disse o Secretário-geral do Ministério da Saúde: “tivemos dois anos focados na questão financeira, agora vamos passar à avaliação”.
Sabemos bem que a situação da Grécia é, em muitos aspectos, diferente da portuguesa, nomeadamente não temos a corrupção na saúde que tem sido referida no caso grego.
Mas começam a tornar-se bem visíveis em Portugal, os resultados de uma politica essencialmente virada para a questão financeira, sem que se salvaguarde o acesso e a qualidade do SNS.
Um exemplo é o que se passa com o aumento dos tempos de espera para a realização de exames em hospitais públicos, na sequência de normas que restringem o recurso a prestadores privados convencionados pelo Estado.
Sendo esta uma orientação que faz sentido para utilizar plenamente os meios disponíveis do SNS, já é incompreensível que não se tenham estudado formas de a concretizar sem prejudicar os doentes, que podem assim, em muitos casos, sofrer danos irreparáveis na sua saúde pela demora de exames médicos.
O que não se pode de todo aceitar, por desumano, é seguir, como na Grécia, a politica de contenção orçamental e só depois avaliar os resultados sobre a saúde das pessoas.
[1]
Fiscal Crisis Takes Toll on Health of Greeks por Suzanne Daley, The New York Times December 26, 2011
[Consultar aqui]
26 dezembro 2011
democratização da economia?!
21 dezembro 2011
Auditoria Cidadã à Dívida Pública Portuguesa
14 dezembro 2011
Não há alternativas?
10 dezembro 2011
I - O Palácio reuniu-se em Assembleia Geral e os Marqueses continuaram na sua
Terminou a Cimeira Europeia e, apesar dos poderosos meios mobilizados para que pudesse ter êxito, o mais que se pode dizer é que, face à amplitude e complexidade dos problemas com que se debate a Europa, os resultados alcançados se traduziram por um estrondoso fracasso.
Por isso, passado o momento da euforia (com alguma precária evolução positiva no mercado financeiro!), vamos continuar a ouvir falar, de crise de dívidas soberanas, de ataques ao euro, de recessão, de aumento da taxa de desemprego, de empobrecimento, de ameaças à economia italiana e, muito provavelmente, se nada for feito, de instabilidade, primeiro na economia francesa e depois na economia alemã. Pelo caminho, irão ficando países considerados, no conjunto europeu, de menor importância, económica e financeira.
No essencial, a reunião no Palácio traduziu-se pelas seguintes decisões:
1. Fixação em 0,5 % do PIB o valor máximo do deficite público;
2. Introdução desta regra na Constituição dos países, ou em outro documento equivalente;
3. Penalizações automáticas sobre os países que violarem a regra;
4. Supervisão do comportamento dos países pelo Tribunal de Justiça Europeu;
5. Antecipação em um ano (Julho de 2012) da entrada em funcionamento do novo Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, que poderá emprestar até 500 mil milhões de euros aos países em risco de entrar numa situação de incumprimento;
6. Empréstimo de 200 mil milhões de euros pelo BCE ao FMI, para que este possa emprestar à Itália (para quê este détournement?).
Apesar de toda a parafernália de comunicação com que temos sido bombardeados, como se algo disto pudesse a dar solução aos problemas com que nos debatemos e com que se debate a Europa, a verdade é que, com exclusão de algumas regras de comportamento de secretaria, nada foi decidido que possa ser considerado substancialmente diferente do que já anteriormente foi adotado: o limite do deficit passou de 0,3% para 0,5 do PIB e o fundo de estabilização financeira mudou de nome, com um acréscimo da sua capacidade financeira de intervenção. Ver aqui uma muito lúcida análise do Nuno Serra sobre o significado das decisões tomadas.
Pergunta-se, se assim é, porque é que o que não deu resultados no passado, irá dar resultados no futuro?
Num post aqui colocado no passado dia 8 de Dezembro, eu terminava dizendo: “mas então o que é que se propõe ou deveria ser proposto para que o futuro da Europa se tornasse sustentável?”
Dar resposta a esta questão e fornecer-lhe elementos de natureza operacional é, certamente, uma grande e complexa tarefa. No entanto, mais do que dar respostas “prontas a servir” o importante é compreender a verdadeira raiz dos problemas e é disso que pretendo falar a seguir (ver aqui).
I I - O Palácio reuniu-se em Assembleia Geral e os Marqueses continuaram na sua
Começarei por referir algo que já aqui tem sido abordado em posts anteriores. A crise na Europa desencadeou-se na sequência dos desmandos financeiros de 2008 e da incapacidade que tiveram os seus países para regular a “livre circulação” (ver post de 8 de Dezembro) do capital financeiro e da sua vontade em, apesar das suas responsabilidades na produção dos desmandos, continuar a atacar as suas presas, de modo a manter e, porventura, aumentar os níveis de rentabilidade que vinham obtendo.
O facto de a crise financeira se ter desencadeado na Europa, nas circunstâncias acima referidas, não quer dizer que a Europa e alguns dos seus países (PIGS) não se “tivessem posto a jeito”, criando, ou permitindo que se criassem, condições de fragilidade que tornaram possível que a raposa entrasse com mais facilidade no galinheiro. O que é verdade é que, com maior ou menor dificuldade em entrar, a raposa permanece nas suas imediações.
Ora estas condições de fragilidade, se bem que possam ter raízes no interior de cada um dos países, não podem deixar de ser encontradas, sobretudo, nas insuficiências que, no processo de construção europeia (pela tomada de decisões ou pela sua ausência) têm vindo a ser permitidas, ou conscientemente procuradas, nas últimas décadas.
A grande ambição da construção europeia (e a única em que vale a pena empenharmo-nos é a da construção da “Grande Casa Comum”. O projeto é enorme e, por isso, a Casa não pode ser construída se não assentar em fundações sólidas que é tudo menos o que tem estado a acontecer.
Desde há muito que a ciência económica baseia o objetivo do progresso económico e social (e também o da Europa), na interdependência dos mercados. Mas quais mercados?
Os mercados são múltiplos, mas são interdependentes, o que quer dizer que o que se verificar num não deixa de ter consequências sobre os restantes: mercado da mão-de-obra, de capitais, dos bens e serviços, da inovação, das exportações, das importações, etc.
Para que os mercados funcionem, de modo a produzir progresso económico, os países, ou os espaços supranacionais, devem dotar-se de instrumentos de regulação (políticas): da mão-de-obra, das remunerações, fiscais, orçamentais, monetárias, financeiras, saúde, educação, etc. Do mesmo modo que nos mercados, também, nada do que se passa com um instrumento de política pode ser pensado sem ter em conta as consequências sobre as restantes.
Não é a uma evolução fundada nestes pressupostos o que temos vindo a assistir na Europa e nos vários países que a integram. Não fora assim, porque é que tanto se insiste na fixação da percentagem do deficit público e se descura a necessidade de fixar, por ex. a taxa máxima de desemprego?
A razão é simples e o seu fundamento reside na circunstância de que o objetivo que se procura alcançar é o de facilitar a vida ao mercado financeiro (será que existe mercado?), considerando que tudo o que se passa nos restantes deve ser considerado como instância de ajustamento.
Mas põe-se a questão de saber porque é que o trabalho deve estar sujeito aos apetites do capital e não o inverso? Eu até poderia aceitar que a percentagem do deficit pudesse ser fixada na Constituição se, simultaneamente, também, aí se fixasse a taxa máxima de desemprego, o nível de desequilíbrio na repartição dos rendimentos, os conteúdos dos serviços públicos de saúde e de educação, etc. Como tal é impossível deduz-se, com merediana evidência, a idiotice da iniciativa, quer em relação deficit, quer em relação aos restantes indicadores.
Em alternativa, o que temos é de construir uma Europa em que a economia esteja ao serviço do Homem e não o Homem ao serviço da economia ou, pior ainda, ao serviço dos apetites da “livre circulação” do capital, quer ele seja o financeiro, quer não.
08 dezembro 2011
Chegou o Inverno e os Srs. Marqueses insistem em manter janelas e portas abertas
Disseram-lhes que, mesmo no Inverno, deveriam manter as portas e janelas escancaradas, porque isso trazia ar fresco, limpava os pulmões e dava energia revigorada. Argumentaram que a “livre circulação” era uma virtude.
Os Srs. Marqueses acreditaram no que lhes tinha sido dito e deram instruções aos seus familiares e subordinados para manterem a livre circulação. A recomendação apresentava-se como credível porque, dizia-se, estava fundamentada em investigações científicas aprofundadas, realizadas na Universidade de Chicago (Escola de Chicago) por um cientista de nome Milton Friedman e pelos seus “rapazes”.
No palácio, nem toda a gente quis cumprir, de ânimo leve, estas recomendações, mas com mais ameaça, ou menos ameaça todos se renderam às instruções da Sr.ª Marquesa (Ângela) e do Sr. Marquês (Nicolau). Aliás, a Marquesa era a maior defensora das novas teorias; o marquês limitava-se a seguir-lhe os passos.
Sabia-se que algumas das pessoas que viviam no palácio, eram mais frágeis e se poderiam vir a constipar com as correntes de ar frio, com mais facilidade que outras, mas isso não era considerado problema demasiado sério. É certo que os que poderiam apanhar gripe iriam passar um mau bocado mas, mesmo assim, valia a pena correr o risco porque, no fim, todos lucrariam com os bons ares que continuamente limpavam o palácio de todos os maus vírus.
A grande surpresa estaria para vir. É que, a percentagem das pessoas infectadas pelo vírus veio a revelar-se muito mais elevada do que o que era inicialmente previsto. E rapidamente se transmitiu a quase toda a gente. O efeito de contágio estava a gerar uma epidemia.
Em certa altura, apesar de todas as vitaminas que tinham tomado, até os marqueses começaram a ter dores de cabeça, mas insistiam que as suas causas não estavam na livre circulação mas, antes, nos desmandos da criadagem que nas férias de Verão se tinham fartado de passear e gastar dinheiro e, agora, não tinham dinheiro para comprar os agasalhos necessários. Os marqueses viram-se obrigados a adiantar dinheiro para os agasalhos, mas a epidemia grassava cada vez com mais intensidade. Que fazer, então?
Gerou-se grande discussão, mas os marqueses insistiam na sua de manter portas e janelas abertas. Houve quem se começasse a pôr a questão de saber porque é que a livre circulação trazia consequências que não tinham sido previstos pela Escola de Chicago e pelos seus animadores?
Desde há muito era do senso comum que o ano se desenvolvia segundo um ciclo de estações (Primavera, Verão, Outono e Inverno) e que durante cada uma das estações havia comportamentos diversificados, de modo a que cada um pudesse dai retirar os maiores benefícios. Por isso, não fazia muito sentido que no Inverno se semeassem os cereais, se andasse a comer cerejas e se mantivessem as portas e janelas abertas. Daí não viriam, certamente, bons resultados. Isto é, as várias fases do ciclo económico não podem ser tratadas, todas, com as mesmas políticas.
Creio que já terão compreendido que a alegoria que acaba de ser descrita é como que a de um pequeno presépio da situação económico-financeira que hoje se verifica na Euro Zona. Nos próximos dias vai-se realizar uma Cimeira para a qual é anunciada a tomada de decisões importantes que poderão implicar a revisão dos Tratados.
Bem precisam os Tratados de ser revistos, mas não é, certamente, no sentido de que se vem falando, ou seja o de impedir que a criadagem seja “libertina” durante o Verão, obrigando-a a que no código de conduta de cada um fique inscrito o compromisso de renúncia à libertinagem.
Com efeito, nunca a vida no palácio passará a ser robusta e salutar se ela não tiver como fundamento os princípios da vida em comunidade, em que todos sabem que precisam de todos e em que, as decisões que vierem a ser tomadas, o têm que ser, no pressuposto de que, com mais ou menos tempo, o que hoje é mau para uns o será mais tarde, também, para os restantes.
Daí que se deva irradiar do clima das discussões a ideia de que para que os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) se salvem será necessário que países como a Alemanha façam sacrifícios. Em primeiro lugar, porque está longe de ser verdade que esses sacrifícios existam; em segundo, porque mesmo que existissem eles não poderiam deixar de ser encarados como investimento, cujos frutos serão colhidos no futuro.
Chegados aqui, a pergunta é: mas então o que é que se propõe ou deveria ser proposto para que o futuro da Europa se tornasse sustentável? São essas as propostas que deveriam fornecer a substância da revisão dos Tratados.
Este post já não contem espaço que permita que se avance na reflexão sobre essas propostas. Fá-lo-ei num próximo.
05 dezembro 2011
Abençoada lucidez
Para Helmut Schmidt, a União Europeia é necessária, bem como a continuidade do Euro “ muito mais estável do que o Dólar americano” e também “ mais estável do que o marco alemão nos seus últimos 10 anos”.
Contudo, reconhece que é insuficiente a consciência dos alemães de que a sua economia está integrada no mercado comum europeu e, em simultâneo, globalizada, e desta forma dependente da economia mundial, onde os seus excedentes só têm paralelo nos da China. E todos os seus excedentes são deficits de outros.
Sublinha que o poderio económico da Alemanha tem suscitado o receio, por parte de uma crescente maioria dos seus vizinhos, de que a periferia fique dominada por um centro demasiado poderoso. No limite, a Alemanha ficaria isolada na U. E. ou na zona Euro, o que seria altamente perigoso.
Acresce que a Alemanha tem motivos para sentir gratidão para com outros países, nomeadamente os seus vizinhos da Europa, que lhe prestaram ajuda sem a qual a reconstrução no após guerra não teria sido possível. Mas a classe política não parece ter perfeita consciência do imperativo da solidariedade europeia, em que uns são necessariamente credores e outros devedores.
Assim, a teimosia da Alemanha em preconizar austeridade a todo o custo para combater a crise é fortemente criticada por Helmut Schmidt que preconiza, como objectivos a prosseguir desde já, mais democracia na U. E., menos poder à finança (os dealers, os gestores financeiros e as agências de rating continuam a operar da mesma forma) e uma politica eficaz de defesa da moeda comum.
Entre as medidas apresentadas destacamos: a regulação do mercado financeiro (cross- regulation), a separação dos bancos comerciais dos de investimento e dos “shadow banks”, proibição do “ short selling” dos títulos bem como do comércio de derivados não sujeito a controle.
Para assegurar o futuro imediato do Euro há uma série de passos a percorrer: fundos de resgate, controlo de dívidas, politica económica e fiscal comum, politicas de despesa e sociais bem como reformas do mundo laboral.
Mas uma dívida comum será inevitável. O que não pode é prolongar-se através de Europa politicas extremamente deflacionistas.
Não se duvida que este discurso de Helmut Schmidt venha a ter um grande impacto entre os apoiantes do SPD e dos alemães em geral, provavelmente mal informados acerca do que está em causa e das consequências das ideias defendidas por Ângela Merkel.
Bom seria que também entre nós ele fosse lido e comentado, quebrando o asfixiante discurso que todos os dias nos é oferecido.
Podemos esperar que os responsáveis nas instâncias da U. E. ganhem alguma força para as reformas que se impõem, dando um horizonte de esperança aos que atravessam situações bem dramáticas?
02 dezembro 2011
Algumas coisas sobre a “dívida” que você gostaria de saber e que porventura ainda não sabe
De entre um conjunto de países em que se incluem, a Alemanha, a Espanha, os EUA, a França, a Grécia, a Irlanda, a Itália, o Japão, Portugal e o UK, Portugal é o país que, em valores absolutos, possui a dívida externa mais baixa. A alemã é 10,5 vezes superior à portuguesa, a do UK é 18,3 vezes superior e a dos EUA 27,3 vezes superior.
Se em vez do total da dívida externa, tomarmos apenas a dívida pública, Portugal continua a ser o país com menor montante de dívida, seguido da Grécia, Espanha, UK, Itália, França, Alemanha, Japão e EUA.
É verdade que não tem muito sentido compararmos a dívida em valor absoluto mas, mesmo assim, não é totalmente despiciendo fazê-lo, já que por aí vai correndo a ideia de que a dívida nos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) ultrapassa todos os limites, o que pode levar muitos dos leitores a pensar que se trata dos valores absolutos.
Vejamos então indicadores mais sensatos como o da dívida per capita. Surpresa: a Espanha, a Alemanha, a França e o UK possuem dívidas per capita superiores à portuguesa; a Grécia, os EUA, a Itália e o Japão possuem dívidas mais baixas. No entanto, por ex., a dívida portuguesa é, apenas 8% superior à dos EUA; em sentido contrário, a da Alemanha, é superior à de Portugal, em 33%, a da França 74%, a do UK, 208%, etc.
Uma outra questão interessante é a de saber qual é o peso das dívida pública no total da divida externa: em Portugal é de 42%, na Alemanha é de 47%, na Grécia é de 66%, nos EUA é de 99%.
Tudo isto parece muito estranho, pelo menos quando comparado com a empastada informação que nos tem sido transmitida.
Tudo isto e muito mais pode ser encontrado aqui. Este aqui é a BBC.
Alguma da explicação para esta perplexidade poderá ser encontrada se, no sítio acima referido, formos ver quem é que possui a dívida de cada um dos países, nomedamente a dos PIGS.
Cá está o tal efeito “sistémico”!