30 abril 2011

Economia com Futuro

O "Areia dos dias" tem procurado fazer-se eco de reflexões e iniciativas que possam contribuir para um pensamento inovador quanto ao modelo de economia e de sociedade que desejamos para o nosso País.
Este fim de semana veio a público a notícia da constituição de uma rede de professores universitários e investigadores de economia e de outras ciências sociais que se propôem levar a efeito, entre outras acções, a realização de uma Conferência com o tema Economia portuguesa - uma economia com futuro.
Nestes dias em que muito se fala de fracassos, de dificuldades, de impasses e de crise, é particularmente urgente olhar para horizontes mais largos e esperançosos e indagar como conduzir a economia para os seus verdadeiros fins. A academia não pode eximir-se a essa tarefa. Mas ela é também - e sobretudo - dos cidadãos e das cidadãs e por isso vale a pena dar a conhecer na íntegra o documento constituinte da referida rede, pois ele é, em si mesmo, um texto que dá que pensar.

Economia com futuro - um compromisso e um apelo

Em tomada de posição pública intitulada “Para uma nova economia”, divulgada após a aprovação do Orçamento de 2011, um numeroso grupo de professores universitários de economia e de outras ciências sociais (a que se vieram a associar muitos outros cidadãos e cidadãs) preveniu que a austeridade inscrita no Orçamento não iria conter a pressão especulativa contra Portugal e tolheria o passo às mudanças estruturais de que o País carece para alcançar um desenvolvimento sustentável.

Nesse mesmo texto escrutinavam-se as raízes culturais, ideológicas e institucionais da crise: o menosprezo pela ética, a exaltação do “mercado”, a insensibilidade face às desigualdades e à pobreza, a desvirtuação e subestimação do papel económico do Estado, a desregulamentação da finança, o predomínio dos interesses financeiros sobre o conjunto da vida económica e da sociedade, a extensão injustificada das relações mercantis a domínios cada vez mais alargados da vida social, incluindo áreas tão sensíveis como a prestação de cuidados de saúde, a educação e a protecção na infância e na velhice.

Denunciava-se também uma visão estreita da economia, assente em pressupostos sobre a eficiência dos mercados e o comportamento racional dos indivíduos, que se revela incapaz de explicar a realidade da vida económica e do mundo actual e desastrosa nos seus efeitos quando incorporada nas políticas e aplicada. Afirmava-se, assim, a existência de conhecimentos económicos que permitem fundamentar a denúncia dos falsos pressupostos das opções de política que originaram e estão a aprofundar a crise, e que podem, ao mesmo tempo, dar um contributo para a invenção de soluções com futuro.

As propostas então avançadas partiam de uma definição dos fins que vale a pena prosseguir: eliminação de carências básicas e correcção das desigualdades, valorização do trabalho humano e promoção do emprego, provisão económica num quadro de sustentabilidade ambiental, eficiência económica compatível com justiça social e coesão territorial, coexistência de modos de provisão e de uso mercantis e não mercantis.

Essas propostas apontavam também para a necessidade urgente de reformas aos níveis global e europeu de governação:

- Intervenção adequada e coordenada a nível mundial, tendente à eliminação dos paraísos fiscais, à regulação das agências de rating, à tributação das transacções financeiras, à refundação das instâncias reguladoras, à reforma dos sistemas bancários, ao combate às acções especulativas e ao reforço da responsabilidade e da conduta ética nos negócios.

- Reforma da arquitectura do euro, das instituições e das políticas europeias, envolvendo o combate às assimetrias comerciais no interior da Eurozona, a reorientação das prioridades do Banco Central Europeu com ênfase num papel activo no financiamento dos Estados e em políticas monetárias amigas do emprego, a coordenação eficaz das políticas económicas com flexibilização das políticas monetária e orçamental, o reforço da base fiscal dos Estados com coordenação dos diversos sistemas tributários que salvaguarde os modelos sociais europeus, o relançamento de uma estratégia de desenvolvimento digna desse nome à escala da UE, o reforço da regulamentação das instituições financeiras, o combate às desigualdades e à pobreza, a auditoria das dívidas privada e pública.

Desde o momento da divulgação desta tomada de posição até hoje nenhum passo substancial foi dado nestas direcções. Pelo contrário, as reformas anunciadas ao nível da União Europeia apontam no sentido da consolidação da ortodoxia monetária e orçamental, da subordinação dos estados aos mercados financeiros, da insensibilidade às assimetrias sociais e territoriais no interior do espaço europeu e do aprofundamento do défice democrático da União. Isto é, continua a caminhar-se, exactamente, no sentido contrário ao desejável.

Entretanto, a crise das periferias aprofundou-se e Portugal viu-se envolvido na voragem dos resgates. O novo programa de austeridade e de “ajustamento estrutural” associado aos empréstimos do FEEF/FMI, orientado para a salvaguarda dos interesses do sector financeiro à custa dos rendimentos salariais e da prestação de serviços públicos de acesso universal, traduzir-se-á, a exemplo do que está a acontecer na Grécia e na Irlanda, em aumento do desemprego e da pobreza e em agravamento das desigualdades sociais e territoriais. Originando mais recessão, e não o crescimento que promete, poderá falhar na necessária consolidação orçamental e não reduzirá a dívida nem o fardo dos seus juros. Portugal sairá do novo programa mais debilitado e em piores condições para fazer face aos problemas colocados pelo aumento da dívida.

Agora, mais do que nunca, é necessário mobilizar o conhecimento económico e de outras ciências sociais para a invenção e proposta de soluções com futuro. Há perguntas que pedem uma resposta urgente.

Sabemos que não há lugar para uma conciliação entre medidas de austeridade violentas (exclusivamente orientadas para a consolidação orçamental e a redução da dívida externa no imediato) e crescimento capaz de equilibrar o orçamento e reduzir a dívida a prazo. Ao nível da UE há soluções possíveis (eurobonds, intervenção do BCE no mercado primário da dívida), mas parece não existirem condições políticas para as fazer vingar. Por isso mesmo, a reestruturação da dívida tem sido sugerida por quadrantes de opinião muito diversos como uma solução a encarar. Será uma reestruturação agora preferível a uma reestruturação tornada inevitável no futuro por uma recessão profunda e prolongada? Quais as implicações, benefícios e custos de uma tal reestruturação? Como deve ser concebida e negociada?

A manterem-se a actual arquitectura da zona euro e as respectivas orientações estratégicas, e mesmo que os problemas do défice e da dívida se resolvam de uma forma ou de outra, Portugal continuaria a ter de viver com uma moeda que é forte, como os sectores exportadores de tecnologia complexa desejam, mas que é demasiado forte para uma economia como a portuguesa. Essa é uma das causas do défice externo que Portugal viu crescer na década do euro. Mesmo com todo o investimento em ciência verificado nos últimos anos, Portugal não deu o salto tecnológico, económico e social necessário para competir no quadro da zona euro. Que espaço existe para Portugal na zona euro tal como ela existe? O que seria uma Eurozona com lugar para Portugal e outras economias periféricas? O que fazer se não for possível reformá-la?

A premência dos problemas do momento não pode fazer perder de vista os disfuncionamentos estruturais do actual modelo de desenvolvimento global e os dilemas a ele associados. A prioridade ao emprego e ao desendividamento a prazo aponta para a necessidade de crescimento. Este desiderato tem conflituado, não raro, com imperativos de sustentabilidade ambiental e coesão social. O “sucesso” das economias emergentes acentua os riscos de exaustão dos recursos e a pressão sobre o ambiente. Por outro lado, apesar da redução da pobreza para milhões de seres humanos verificada nos últimos anos naquelas economias, a distância entre os mais ricos e os mais pobres à escala mundial e no interior da maior parte dos países não cessa de aumentar. Como resolver o problema do emprego, do desendividamento e do desenvolvimento num quadro de reconhecimento das restrições ambientais e da necessidade de salvaguarda da coesão social?

Pelas perguntas que há em aberto e pela necessidade premente de encontrar soluções com futuro, os subscritores deste documento tomaram a iniciativa de promover a conferência “Economia Portuguesa: uma Economia com Futuro”, que terá lugar a 30 de Setembro de 2011 na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.

A conferência pretende ser um momento de debate público de ideias que entretanto germinem nesta rede de reflexão.

O conhecimento económico que se encontra disperso na sociedade, que não é monopólio de académicos e muito menos que têm tido oportunidade de se pronunciar, deve ser neste momento mobilizado de forma operativa. Precisamos de uma economia com futuro.


28 de Abril de 2011

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