06 março 2011

Cá temos, o Março, outra vez!

O Março marçagão, quando vem virado de rabo, diz-se que é pior que o diabo

No entanto, também, é verdade que, com grande frequência, nos surge como portador de vida e de nova esperança. Por alguma razão é nele que começa a Primavera com tudo o que encerra de brotar de novo, de nascimento e de criação. E, virar o rabo, se é razão de escândalo para alguns, também tem sido sinal despertador de que há coisas que vão mal e que importa mudar.

Vale a pena recordar, que o dia 12 de Março foi, no ano já longínquo de 1572, o dia da publicação da 1ª edição dos Lusíadas, que celebram o grande feito daqueles que “se vão da lei da morte libertando”. Que no dia 12 de Março de 1930 se iniciou a Marcha do Sal, liderada por Mahatma Gandhi. O dia 24 de Março é, desde há muitas décadas, o “Dia do Estudante”, onde muitas gerações de estudantes têm gritado a sua ânsia de liberdade e a sua vontade de um futuro melhor. E já agora, porque a crise vai minando as entranhas da maioria dos portugueses, porque não recordar a nacionalização dos bancos na Islândia e o nosso 11 de Março.

Mas vamos ao que mais me trouxe aqui, e o que mais me trouxe aqui foi o próximo 12 de Março e a convocação de uma manifestação em torno do tema da designada “geração à rasca” que, desse modo, quer mostrar que de rasca pouco tem, porque quer tomar nas suas mãos o respectivo futuro.

São muitas as motivações que mobilizam para a manifestação. Vou-me centrar sobre a questão do emprego dos jovens. São conhecidas as suas principais dimensões: o volume do desemprego e a sua precariedade, tanto em termos de duração como de remuneração. Em termos de volume, o desemprego dos jovens já ultrapassa os 46% do total (perto de 290 000), sem contar com as encapotadas formas de desemprego que são os empregos precários e os estágios não remunerados. Perante os horizontes de vida sem futuro, de tantas centenas de milhares de jovens, não podemos senão estar solidários com quem ainda mobiliza energia para ambicionar uma outra vida.

Estes são os resultados, mas tão ou mais importantes que os resultados são as razões que os explicam. As causas são múltiplas e não teremos todos o mesmo ponto de vista, mas importa ir buscá-las para além do que pode ser visto no calor da refrega.

São múltiplas as dimensões em que pode ser analisado o emprego dos jovens, hoje, em Portugal. Vou centrar-me sobre a questão do desemprego qualificado. Há uma aparente contradição entre as afirmações de que:
- Em Portugal, continuamos a uma distância significativa dos outros países europeus, em termos do peso relativo do número de doutorados e de licenciados;
- Os doutorados e licenciados possuem, em Portugal, um grau de empregabilidade inferior ao existente em outros países.

Fica, assim, a questão de saber se devemos ter, ou não, mais doutorados e licenciados. Sem dúvida que sim. A resposta pode ser encontrada através desse instrumento de mágica que os economistas utilizam e que se chama “oferta e procura”, neste caso de quem procura emprego e de quem oferece emprego.

Pode haver desemprego, porque a procura é superior à oferta, ou não se adequa às características da oferta revelada; mas também pode haver desemprego, porque é a oferta que é insuficiente face aos recursos disponíveis; ou, então, ambas as razões.

Na grande maioria das análises que têm sido publicitadas, entre nós, sublinham-se, sempre as insuficiências do lado da procura e raramente as que vêm do lado da oferta, por ex.: os jovens qualificados estão pouco disponíveis para realizar a aprendizagem inicial no ambiente empresarial; as suas qualificações não correspondem às que são exigidas pelo mercado do trabalho; não estão disponíveis para o trabalho duro, persistente; não querem assumir riscos nem estão disponíveis para assumir posturas de liderança; finalmente, não possuem “atitude” (sabe-se lá o que isto é!).

Estranhamente, nenhuma das brilhantes mentes que têm enchido os ecrãs de televisão e não só, se lembra de reflectir sobre a circunstância de mais de 95% do nosso tecido empresarial ser composto por pequenas e médias empresas, quase sempre caracterizadas por níveis tecnológicos de evolução muito lenta e por empresários com grandes dificuldades em se adaptar às novas formas de inserção nos mercados internacionalizados. Assim sendo, custará assim tanto a aceitar que uma grande parte da explicação da existência de desemprego qualificado reside do lado da oferta e não, sobretudo, do lado da procura?

É curioso, além do mais, lembrar um argumento apresentado, há dias, por um professor de economia, na televisão, sobre esta questão. Dizia ele que na sua escola os diplomados não tinham desemprego, sugerindo, assim, que se havia desemprego com os das outras escolas era porque a formação que obtinham não tinha a qualidade suficiente. Este professor esqueceu-se de colocar uma questão elementar: será que se os diplomados das outras escolas tivessem todos a tal qualidade que ele imputava aos alunos da sua, o desemprego desapareceria?

Claro que não, porque a insuficiência continuaria a vir do lado da oferta de emprego.

Esta é mais uma razão pela qual vale a pena ter ânimo e estar atento às mensagens que vão estar presentes no próximo dia 12 de Março.

3 comentários:

  1. Caro MBA,

    Parece-me que cometeste um pequeno lapso geracional, esta não é a "geração rasca" mas sim a "geração à rasca".
    Quanto à questão central, considero que o tema não foi ainda suficientemente escalpelizado para que se possa fazer um juízo isento.
    Na minha ignorância militante, não me custa admitir que a estes jovens assista alguma razão.
    No entanto, também suspeito que nem tudo esteja a favor deles. É essa contabilidade que falta fazer para que se possa, em consciência, avaliar a dimensão da injustiça que se arvoram. Quando penso neles não consigo deixar de pensar nos muitos outros que poderão estar ainda mais à rasca e que, pouco ou nada contribuiram para isso. Talvez não me engane muito se disser que muitos portugueses já viveram ou vivem momentos bem mais difíceis. Uma das grandes diferenças poderá estar no facto de esta juventude ser a primeira vez que está à rasca e está com dificuldade em lidar com o problema.
    Talvez as gerações anteriores, consciente ou inconscientemente, tenham facilitado demasiado a vida a esta geração, ao permitir-lhes o acesso a uma fartura artificial e a um facilitismo exagerado.
    Ninguém cresce sem enfrentar alguma pressão e adversidade. Por isso as circunstâncias estão a proporcionar a esta rapaziada condições para se tornarem adultos, realistas, terem consciência colectiva das dificuldades e assumirem a responsabilidade de lutar pelo seu futuro.
    Isto já é uma grande tarefa geracional.
    Para terminar, resta-me acrescentar que é nesta e nas próximas gerações que está a minha esperança de transformação e de mudança.
    Serão eles que farão o mundo avançar e ficar melhor.
    A nós resta-nos o papel de observador atento e apoiante quando a isso formos chamados.

    Abraço,
    Zé Melo

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  2. Agradecemos a correcção sugerida pelo leitor José Alberto e já está feita a alteração de "geração rasca" para "geração à rasca".

    Pelo lapso pedimos desculpas aos nossos leitores.

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  3. Caro Comandante,
    Quanto à falta do “à” da “geração à rasca” creio que estamos entendidos.
    Fico satisfeito por ver que reconheces que aos jovens pode assistir “alguma razão” e que nem tudo estará a favor deles; creio que é por isso que vieram para a rua.
    O que não vejo é porque é que a injustiça que sobre eles existe há-de diminuir ou excluir a injustiça que se exerce sobre outros e sobre todas as injustiças.
    Crescer na adversidade só faz bem, mas não confundamos adversidade com a injustiça de ao fim de dez anos após a aquisição de uma formação se continuar sem trabalho ou com um trabalho que deveria ser libertador é escravizante, impedindo que às coisas da mente sejam parte da Vida.

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