08 outubro 2010

O «Sentimento dos Mercados»

Quando a crise financeira eclodiu, em 2007, com as gravíssimas consequências sobre o crescimento económico, o emprego e o bem-estar social que veio a provocar, parecia, para alguns, que essa era a ocasião para repensar o modelo económico vigente e, em particular, o predomínio dos interesses financeiros sobre todos os outros.

Contudo, passada a primeira onda de choque, cedo (demasiado cedo) se proclamou o início de uma retoma, passando então para primeiro plano a preocupação com o desequilíbrio das finanças públicas.

A ameaça de corte no acesso ao crédito para os países cuja solvabilidade era posta em dúvida pelas agências de notação, o aproveitamento pela especulação financeira das descidas de notação (quando não apenas do anúncio de que elas poderiam vir a ser concretizadas no futuro!) mais não fizeram do que aprofundar as dificuldades, encarecendo fortemente os custos da dívida.

Pareceu ter caído no esquecimento o papel fundamental que os mercados financeiros tiveram no agravamento dos desequilíbrios das finanças públicas: na zona euro, em 2007, o deficit público médio era de 0,6 % do PIB, a dívida pública era de 66 % do PIB, e passaram a 7 % e 84 %, respectivamente, em 2008.

A dificuldade está criada e é necessário vencê-la, mas não é correndo atrás do sentimento dos mercados que se encontrarão soluções sustentáveis económica e socialmente.

De resto, o que querem, de facto, os mercados? Saneamento rápido, a todo o custo, das finanças públicas?

É este o caminho que está a ser seguido, nomeadamente na União Europeia, onde parece ser dominante a ideia de que todos teremos que ser «pequenas Alemanhas», cada um conquistando quotas de mercado ao seu vizinho.

Mas a consolidação orçamental, sobretudo quando é assumida por muitos países simultaneamente, tem custos pesados sobre o crescimento económico, que dificilmente podem ser minorados através de políticas de taxas de juro muito baixas ou pela via da desvalorização da moeda. O recente Relatório do FMI (World Economic Outlook, October 2010) é muito elucidativo a este respeito.

E assim se torna claro que os mercados vão continuar a manifestar a sua inquietude, agora com as fracas possibilidades de crescimento económico que podem levar à insolvência de empresas e de estados e, no limite, a uma agitação social difícil de conter.

A subordinação acrítica ao sentimento de mercado é sempre perigosa quando se trata de tomar decisões sobre politicas económicas, quer nacionais quer a nível da União Europeia. O pensamento económico precisa de voltar a ser algo que faz a diferença no apontar das soluções que podem tornar suportáveis os sacrifícios inevitáveis do presente.

Alguns sinais de esperança aparecem na sociedade civil e em particular nas Universidades. Já aqui referimos, em 15 de Setembro, o Manifesto dos Economistas Aterrados, iniciativa francesa. Também a Carta de 100 Economistas Italianos, de 18 de Junho de 2010 merece ser divulgada e discutida.

Em Portugal algumas iniciativas têm sido tomadas por instituições de âmbito universitário, mas não atingem o grau de divulgação suficiente, como seria necessário para serem um contraponto à tão forte como limitada corrente de opinião que os meios de comunicação nos fazem chegar todos os dias.

O papel da Universidade é fulcral para o aprofundamento em liberdade do conhecimento da economia, da sua finalidade e das suas leis, denunciando as falsas verdades em que se baseiam as correntes dominantes e promovendo o debate público.

Como escreveu o Reitor da Universidade de Lisboa, Professor António Nóvoa, no jornal O Público de 5 de Outubro «Quando tantas instituições falharam é preciso que não falhem as universidades. Devemos recusar as soluções que os especialistas do pensamento inevitável pretendam impor-nos como óbvias».

Um «manifesto dos universitários portugueses» seria bem oportuno para enriquecer o debate público e, sem dúvida iluminaria quem tem a responsabilidade do poder político.

É que sermos guiados por um «sentimento de mercado» é, além do mais, um insulto à inteligência.

1 comentário:

  1. Concordo consigo quando refere que um manifesto dos universitários seria oportuno. Mas será que as universidades não se estão a tornar demasiado mercantilistas, esquecendo a sua missão principal de ensinar e suscitar o debate e a reflexão? Já viu os preços dos cursos, pos-graduações, mestrados (alguns de interesse nulo) etc, etc...? Parece-me que também aqui tem de haver algum sentido de ética!

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