31 outubro 2010

A Economia, a Política
e os Políticos que também são Economistas

Escrevo esta nota na sequência do que temos ouvido e lido, nas últimas semanas e dias, no âmbito das peripécias da obtenção de acordos para a aprovação do Orçamento do Estado para 2011.

Alguns dos personagens que têm surgido neste processo têm-se apresentado, ou têm sido apresentados, como independentes (por ex. independentes que representam partidos) e economistas reputados, com experiência confirmada. Trata-se, em geral, de anteriores governantes e de personagens com porta permanentemente aberta para acesso aos microfones dos vários média e que, nem sempre são economistas, mas antes juristas, gestores, engenheiros, etc.

O contributo das suas intervenções foi e certamente poderá continuar a ser extremamente útil para o debate e esclarecimento público. O que eles não deveriam era poder apresentar-se ou serem apresentados como reputados técnicos economistas, umas vezes porque não são economistas, outras porque, embora tendo a formação de economistas, intervêm não como economistas, mas como políticos.

Numa sociedade democrática sólida, são igualmente importantes e imprescindíveis, para o seu funcionamento, os contributos, tanto dos técnicos (economistas ou não), como dos políticos (economistas ou não). No entanto, em nada reforça a sua sustentabilidade que uns, ou outros vistam, para intervenções ou actuações de serviço público, as capas dos vizinhos.

Na vivência de uma sociedade democrática, o trabalho dos técnicos (economistas) é imprescindível para o exercício da acção política esclarecida. Do mesmo modo, o contributo dos técnicos não poderá desenvolver-se sem que sejam convenientemente explicitados os seus pressupostos políticos do seu trabalho. Contrariamente ao que tem vindo a ser divulgado, com frequência, não há nenhuma solução técnica que não tenha pressupostos políticos. Pode é ser conveniente ou não, aos portadores dessas soluções, que os seus pressupostos políticos sejam, ou não, divulgados.

O trabalho dos técnicos (economistas) deve ter como objecto o de, com base em determinadas opções de natureza política explicitar, como se devem mobilizar os recursos para atingir determinados objectivos, bem como o modo como esses recursos devem ser processados. Num caso e noutro raramente existirão soluções únicas e não é aos técnicos (economistas) que compete dizer quais são as melhores soluções. Compete-lhe, sim, desenhar soluções e explicitar as consequências de determinadas opções. Conhecidas essas consequências, são os políticos que devem valorizar as consequências e seguidamente tomar as decisões que considerarem politicamente válidas.

Assim, sempre me surgiram como aberrantes as intervenções de personagens que arvorando-se da capa da competência técnica defendem a inevitabilidade de soluções únicas. Ao fazê-lo estão a sentar-se na poltrona da política e não na mesa mais austera do técnico (economista).

Importa, também, dizer que, infelizmente, em Portugal, são reduzidas as circunstâncias em que, como devia, a acção política se desenvolve assente em cenários técnicos convenientemente esclarecidos. Há como que um receio, totalmente injustificado, de que quando os técnicos esclarecem os cenários ou consequências, a margem de liberdade do decisor político fica mais limitada, o que é uma profunda falta de lucidez, porque é exactamente o contrário o que se espera que deva acontecer.

1 comentário:

  1. Subscrevo. Mas julgo que importa a ressalva das limitações técnicas das projecções. Não me parece que perante o peso relativo do contexto macroeconómico vigente se possam traçar cenários técnicos para a evolução de politicas económicas em Portugal que não contenham uma margem de incerteza tão grande que dispense o método de cabotagem em que temos vindo a navegar desde que aderimos à CEE. Posso estar errado, claro. Mas confesso-me cansado das explicações habituais para os erros de projecção: quando acertam, é mérito técnico; se falham, é da conjuntura.

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