01 abril 2011

A estratégia da aranha, os mercados financeiros, as agências de rating e o mais que se verá

Já viram o que é que faz a aranha quando as moscas andam por perto e se deixam apanhar pela teia? Salta-lhes em cima e suga-as até que reste, apenas, o revestimento exterior. Mesmo que não gostemos das moscas, este espectáculo é, mesmo assim, cruel. No entanto, vale a pena observar este comportamento da natureza, porque observá-la nos permite aprender muito sobre os comportamentos humanos e suas instituições.

O que faz a aranha? Começa por construir a teia e depois de ela estar terminada, recolhe-se a um esconderijo e aí espera que as moscas distraídas aterrem na teia, onde permanecerão presas sem qualquer possibilidade de se libertarem, pois quanto mais se mexem, mas presas ficam. É nesse momento que a aranha sai, a grande velocidade, do esconderijo, se precipita com o seu aguilhão sobre a mosca e lhe suga tudo o que possa existir dentro da sua carapaça.

Há, contudo, uma situação em que a mosca consegue evitar a prisão da teia. Consiste, apenas, em não se deixar prender por ela e isso é possível. Nas madrugadas húmidas, os nós da teia ganham gotículas que, com os raios de sol, ao nascer da aurora, tornam a teia mais visível e, por isso, menos capaz de captar moscas.

A estratégia da aranha só é aqui invocada para que compreendamos, melhor, a estratégia dos designados “mercados” financeiros, face à mosca que somos nós, Portugal. A postura dos mercados financeiros, hoje, perante Portugal é muito semelhante à da aranha: estão dispostos a sugar-nos até ao tutano e, como nos já deixamos enredar pela sua teia é, agora, difícil dela nos libertarmos. Vejamos alguns detalhes do seu comportamento.

Comecemos por observar como funcionam os mercados. Todos conhecemos o que acontece nos mercados de rua, com compradores, de um lado e vendedores, do outro. São muitos compradores e muitos vendedores. Embora uns queiram comprar e outros vender, ninguém é obrigado a fazê-lo. “Marralhando” de um lado e do outro, chega-se, em geral, à fixação de um preço que todos consideram razoável. Se não chegarem a acordo, cada um vai à sua vida. Isto acontece, porque compradores e vendedores são muitos (nos mercados perfeitos, uns e outros seriam em número infinito).

É verdade que nos mercados perfeitos se exige o preenchimento de outras condições, como por ex. a transparência da informação, a idêntica dimensão dos agentes, a homogeneidade dos produtos transaccionados e o livre acesso aos mercados. No entanto, basta que não se verifique um destes pressupostos para que as características dos mercados sejam outras (concorrência imperfeita) e que sejam, também, outras as regras de comportamento a que devem obedecer. Se os mercados forem de concorrência imperfeita, como o são sempre (porque os perfeitos são uma mistificação que só serve como esquema de raciocínio), querer aplicar-lhes as regras dos mercados de concorrência perfeita é um completo embuste. Apesar disso, é corrente a ideia de que os mercados, mesmo que não sejam os perfeitos, se adoptarem as suas regras, produzem, sempre boas decisões o que, teoricamente, é totalmente falso.

Para que servem, aqui, estas divagações? Para mostrar que os “mercados financeiros” podem ser mercados, mas são mercados em que uns são aranhas e outros, moscas. Nestes “mercados” estão presentes, também, uns outros personagens designados por “agências de rating”. Surgem perante a opinião pública menos prevenida, como uma espécie de agentes clarificadores da situação dos mercados (reguladores). Os pontos de vista que explicitam aparecem como inquestionáveis. No entanto, só são inquestionáveis para quem se deixou cair na teia da aranha, que elas ajudaram a construir.

Temos ouvido falar muito da Standard & Poors, da Fitch e da Moody’s. De onde vêm tais instituições? Foram criadas para prestar serviços de análise e aconselhamento sobre a sustentabilidade dos projectos em que os investidores poderão vir a realizar aplicações financeiras. A Standard & Poors, por ex., surgiu em meados do Séc. XIX, para ajuizar da razoabilidade de aplicações financeiras na construção de caminhos-de-ferro nos EUA. Não são, por isso, nos mercados, organizações independentes.

Foi assim no passado e é sensivelmente a mesma coisa hoje, com um pormenor que importa referir: baixou a rentabilidade dos investimentos na economia real (fim de ciclo do fluxo de inovações) e os “mercados” passaram a privilegiar as aplicações financeiras. Como há muito maior desigualdade entre quem precisa de financiamento e quem o oferece, a aranha faz o que tem de fazer: suga a mosca.

Para isso, recorre a todos os estratagemas. Já repararam que trabalhando as agências para quem tem o dinheiro (especuladores, particulares, Fundos, governos ou suas instituições), os serviços por elas prestados serão tanto mais apreciados, quanto maior for a remuneração dos capitais que os seus pareceres provocarem. É muito difícil consegui-lo? Nada mais fácil: basta baixar o rating, e quanto maior for a baixa, maior será o retorno. Não podemos, por isso, surpreender-nos com o sucessivo anúncio de baixas de rating da República e, também agora, das suas empresas e, imagine-se, dos seus territórios (o concelho de Cascais viu baixar o seu rating”).

Ainda poderá haver quem se interrogue porque é que estas agências anunciam que se o país não recorre aos Fundos (FMI e Fundo Europeu de Estabilização), o rating cairá ainda mais, como que empurrando o país para esses Fundos. Poderia parecer que tal não serve os interesses dos detentores de meios de financiamento. É falso, porque estando à vista o recurso aos Fundos, mas demorando ainda algum tempo a concretizar-se, enquanto tal não acontecer, a nova baixa do rating permite que a remuneração do capital continue a aumentar.

Não é fácil sairmos da teia em que nos deixamos cair. Na situação a que chegamos, não restam muitas alternativas: ou se recorre aos Fundos; ou se estabelecem alianças entre s países mais afectados com vista a modificar os critérios do PEC; ou se faz a reestruturação e o resgate da dívida; ou se sai do Euro. Imediatamente, qualquer das opções será muito dolorosa, mas nem todas têm as mesmas virtualidades futuras.

Porventura, o único caminho viável será o de, como a mosca, apenas voar quando surgir a “nova aurora” e virmos melhor onde está a teia dos mercados financeiros, para a sabermos evitar. Como na estratégia da aranha, ela pouco faria se as moscas soubessem evitar cair na teia!

E, o que mais se verá? Provavelmente que a aranha vai ver se apanha outro na teia, talvez a Espanha.

Atenção que, apesar de hoje ser o dia 1 de Abril, nada disto é mentira!

4 comentários:

  1. Acho que no contexto português actual a análise fica muito incompleta. A dívida externa portuguesa não duplicou nos últimos anos por causa da agências de rating. Os défices de 10% não são explicáveis por causa das agências de rating.

    Analisar a teia da aranha mas não analisar quem levou a mosca para a teia (quando muita gente gritava como podia para que a mosca se afastasse) é uma análise muito incompleta.

    De análises assim incompletas vai um passo mínimo até tentar confiar a defesa da mosca a quem colaborou com a aranha trazendo-lhe a mosca. E o passo é tão pequeno que 30% dos portugueses vão por esse caminho.

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  2. MBA,

    Obrigado pela tua contribuição para clarificar esta situação tão obscura.

    Quando cheguei ao final do artigo fiquei sem saber como é que Portugal e os portugueses poderão "evitar a prisão da teia".

    Onde é que estão as gotículas de água?

    Por agora só vejo três:
    1 - À moda da Islândia
    2 - À portuguesa
    3 - Com um Novo Abril

    À moda da Islândia requer cabeça fria e pragmatismo, o que não parece ser a nossa especialidade...

    À portuguesa pode ser uma saída que decorra da vontade popular, o que parece apontar para os partidos mais votados serem convidados a encontrar uma plataforma de entendimento...

    Um Novo Abril parece poder depender de quem está à rasca e da sua capacidade para ajudar o país a encontrar respostas que quebrem o ciclo vicioso em que nos encontramos.

    Nada simples "evitar a prisão da teia"...

    Seguramente que leitores mais atentos e bem informados verão outras gotículas...


    Abraço,
    Zé Melo

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  3. Não creio que, hoje, a compreensão da difícil situação em que nos encontramos e a preparação de tomadas de decisão urgentes passe, principalmente, pela identificação e expiação de culpas. Para tomarmos decisões eficazes precisamos, muito, de compreender os mecanismos que àquela situação nos conduziram e menos, de fazer uma caça às bruxas.

    São múltiplas as razões que nos conduziram à actual situação de endividamento: comportamentos das entidades públicas e das entidades privadas; utilização dos fundos obtidos em aplicações de consumo imediato ou especulativas e menos em aplicações reprodutivas; o envolvimento no mecanismo do euro, que não tem em conta as especificidades de alguns dos países da periferia; a falta de regulação da actividade das agências de rating (ver por ex. o post já aqui publicado “A história do agricultor que comia as sementes”); a inexistência de regulação eficaz à actividade das instituições financeiras (vide o filme Inside Job); a aversão ao risco e a interiorização pelos portugueses de que mais vale uma pequena habilidade, do que o trabalho rigoroso e de qualidade, etc.

    Também não creio que alguém tenha pegado na mosca pela mão para a forçar a ir para a teia; ela foi por sua iniciativa. Quando muito poderíamos dizer que foi “drogada“ e que não teve capacidade para, atempadamente, ver a teia. Não significa isto, no entanto, que estejamos condenados às trevas, para todo o sempre. Não sairemos delas, no entanto, sem muita lucidez e grande sacrifício.

    No texto deste post já esta questão foi referenciada ao dizer-se que as alternativas terão que situar-se dentro das seguintes opções: “ou se recorre aos Fundos; ou se estabelecem alianças entre os países mais afectados com vista a modificar os critérios do PEC; ou se faz a reestruturação e o resgate da dívida; ou se sai do Euro. Imediatamente, qualquer das opções será muito dolorosa, mas nem todas têm as mesmas virtualidades futuras.”

    Apesar de a adopção de algumas destas soluções parecer possuir dificuldades intransponíveis, algumas das direcções apontadas pelo José Alberto não poderão ser excluídas. Assim, do mesmo modo que o conhecimento da experiência da Islândia não pode levar-nos a ter comportamento semelhante sem reflexão adicional, também a sua exclusão, sem mais, me parece equivalente a “deitar pérolas a porcos”.

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  4. Isto de Mercados e Mercadores tem muito que se lhe diga.O segrêdo é a alma do Negócio diz o velho Ditado.Eu,por exemplo,nunca tive nem tenho jeiteira nem esperteza para negociante,
    mercador ou traficante,porque não me posso conformar com a táctica de regatear o prêço.
    Se um produto após o fabrico,tem o valor de venda de 10 euros,porque é que o vendedor pede 20 euros?E se o comprador acha caro e se afasta,
    o vendedor chama-o e vende-o por 15.E se o comprador ainda acha caro,o vendedor ainda o vende por 10 euros.Então eu concluo que o vendedor simplesmente o queria roubar se o comprador com poder de compra,o comprasse por vinte euros.Mas há quem diga que isto é normal, é o negócio.E eu direi que é um roubo autorizado,é uma ciganice,uma traficância.

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