22 março 2022

 

Não basta condenar a bárbara invasão da Ucrânia!

Com a abundância de informação sobre a situação na Ucrânia limito-me a alguns apontamentos a partir de fontes mais seguras, para depois passar ao que mais importa: um cessar-fogo efetivo e permanente e um programa eficaz de Construção da Paz.

 

1.    Fontes da ONU

O Gabinete da Alta Comissária (Michelle Bachelet) para os Direitos Humanos da ONU, denunciando todas as dificuldades que encontra, desde o início da invasão russa a 24 de fevereiro, em aceder aos locais dos incidentes, baseia-se em relatos credíveis para apontar 953 mortes civis, desde essa data até 21 de março, e 1557 civis feridos, sendo o número de vítimas civis provavelmente bastante superior ao considerado documentado. (https://www.ohchr.org/en/press-releases/2022/03/ukraine-civilian-casualty-update-22-march-2022, consultado a 20220322).

Na reunião do Conselho de Segurança, na tarde de 17 de março, os Rosemary DiCarlo, Secretária-geral Adjunta para os assuntos políticos e de construção da paz, M. Raouf Mazou, Alto Commissário Adjunto para as operações do Alto Commissariado da ONU para os Refugiados (HCR) e ainda Tedros Adhanom Ghebreyesus, Director Geral da OMS, denunciaram nos seus “briefings” a barbárie e destruição resultantes da guerra. Rosemary DiCarlo lamentou que os sinais aparentemente positivos das conversações diretas entre Ucrânia e Rússia ainda não se tenham traduzido num cessar-fogo efetivo. (https://www.un.org/press/en/2022/sc14834.doc.htm, consultado a 20220322)

2.    Construção da Paz

Proponho aqui uma reflexão de fôlego sobre a mensagem que o Papa assinou a 8 de dezembro último para o Dia Mundial da Paz 2022, celebrado no primeiro dia do corrente ano, em que ele identifica a Paz com o Desenvolvimento Integral, nos termos descritos nos parágrafos 76 a 80 da Populorum Progressio (PPg), encíclica do Papa Paulo VI. Esta encíclica, no seu parágrafo 76, estabelece que a construção da paz é a busca constante de “uma justiça mais perfeita entre os homens” (contra a miséria e pelo bem-estar, pelo progresso humano e espiritual de todos e, portanto, pelo bem comum da humanidade) e não a mera ausência de guerra que, por vezes, mais não é que o fruto do equilíbrio sempre precário entre forças num exercício de mútua vigilância.

Lembra também, a PPg, a colaboração necessária entre as diversas geografias, bem como as desigualdades construídas entre elas por injustiças históricas, no mesmo parágrafo 76 e seguintes. E daí a necessidade da “colaboração internacional, estendida a todos”, que requer “instituições que a preparem, coordenem e rejam, até se construir uma ordem jurídica universalmente reconhecida.” Para isso propõe, a PPg, “uma autoridade mundial, em condições de agir eficazmente no plano jurídico e político”, no parágrafo 78. E termina no parágrafo 80 com um imperativo que parece dirigido à atual situação na Ucrânia: “Soou a hora da ação: estão em jogo a sobrevivência de tantas crianças inocentes, o acesso a uma condição humana de tantas famílias infelizes, a paz do mundo e o futuro da civilização. Que todos os homens e todos os povos assumam as suas responsabilidades.”

Voltando à mensagem pelo Dia Mundial da Paz de 2022, Francisco lembra que os esforços de diálogo construtivo entre as nações não conseguiram ainda pacificar os conflitos, enquanto doenças de proporções pandémicas, a emergência climática e outros dramas ambientais, a fome e a sede e a predominância dum modelo económico mais baseado no individualismo do que na partilha solidária se alastram. Proclama então uma «arquitetura» da paz, onde para além do nível institucional, cada cidadão é chamado a um «artesanato» da paz, a partir das relações que constrói, quer na comunidade mais próxima em que se insere, a família, quer nas de nível mais amplo, na sociedade e no meio ambiente, até chegar às relações entre os povos e entre os Estados. Propõe, mais concretamente uma ação tripla.

Primeiro um diálogo entre gerações que entrelace as lições do passado e a cura de quaisquer feridas, com o entusiasmo pelo futuro onde os sonhos e as profecias fazem florescer a esperança. É este o paradigma que impregna o cuidado com a Casa Comum, nosso meio ambiente, cujo equilíbrio se deve melhorar para o podermos passar à geração seguinte, sem degradação relativa ao estado em que o recebemos da geração antecedente.

Em segundo lugar defende a “instrução e a educação como motores da paz”: não são despesas, mas investimentos no desenvolvimento humano integral, que tornará cada um mais livre e responsável, condição indispensável para a paz. Na verdade, são a instrução e a educação que permitem erguer uma sociedade coesa, que gera esperança, cria riqueza e progride. Denuncia, por isso, o aumento das despesas militares para cima do nível do final da «guerra fria» e a caminho da exorbitância, sendo, pelo contrário, notória a diminuição mundial dos orçamentos para a educação e a instrução. Reclama, assim, políticas económicas que prevejam uma inversão na correlação entre os investimentos públicos na educação e os fundos para armamentos. Aliás o desarmamento internacional só pode trazer grandes benefícios ao desenvolvimento, libertando recursos financeiros para ser utilizados de forma mais apropriada na saúde, na escola, nas infraestruturas, no cuidado do território, etc.” E o investimento na educação devia ser acompanhado pela promoção da cultura do cuidado (tema da Mensagem do Dia Mundial da Paz de 2021) “que abate as barreiras e constrói pontes.” Exige um pacto educativo global que empenhe as famílias, as comunidades, as escolas e universidades, as instituições, as religiões, os governantes, a humanidade inteira na formação de pessoas maduras». E que promova “a educação para a ecologia integral, segundo um modelo cultural de paz, desenvolvimento e sustentabilidade, centrado na fraternidade e na aliança entre os seres humanos e o meio ambiente.”

Por outro lado, o investimento na instrução e na educação assegura um justo lugar no trabalho, a terceira proposta que Francisco entende indispensável para a construção da paz: o trabalho “constitui expressão da pessoa e dos seus dotes, mas também compromisso, esforço, colaboração com outros, porque se trabalha sempre com ou para alguém.” Urge ampliar as oportunidades de trabalho digno, sobre as quais “se há de construir a justiça e a solidariedade em cada comunidade”, orientado para o bem comum e para a proteção da criação! É necessário garantir a liberdade das iniciativas empresariais e, ao mesmo tempo, fazer crescer uma renovada responsabilidade social para que o lucro não seja o único critério-guia.” Por isso há que promover uma sensibilização geral para os direitos humanos das trabalhadoras e dos trabalhadores, para que o respeito da dignidade humana envolva todos na construção da paz, sendo a política chamada a definir um justo equilíbrio entre a liberdade económica e a justiça social.

(https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/20211208-messaggio-55giornatamondiale-pace2022.html, consultado a 20220321).

 

(Continua)

1 comentário:

  1. Muitos Parabéns José Osório! Um texto muitíssimo pertinente e importante pelo seu espírito construtivo!

    ResponderEliminar

Os comentários estão sujeitos a moderação.