O que é um CDS, um Credit Default Swap?
Um CDS, Credit Default Swap, é um contrato bilateral, um swap, inscrito fora de balanço, entre duas contrapartes: uma, o vendedor (dito também writer ou seller), oferece ou vende à outra parte, o comprador (buyer), a protecção contra o risco de um acontecimento de crédito sobre títulos de crédito de uma terceira parte, a entidade de referência (reference name ou devedor de referência), contra o pagamento de prémio de risco, a que se chama taxa de CDS ou ainda spread. Desta forma o CDS é, portanto, um derivado de crédito pois é um produto financeiro que tem como subjacente um crédito ou um título representativo de um crédito e tem como finalidade a transferência do risco relativo a esse mesmo crédito, o subjacente, do comprador do CDS para o vendedor do CDS, sem a transferência dos activos considerados e sobre os quais se coloca o risco de crédito. O risco de crédito é assim transferido através do CDS da entidade de referência, da entidade de quem se receia um acontecimento de crédito, para o vendedor da segurança contra o risco, o seller, em quem se confia. Este próprio, o fornecedor da segurança, pode entrar em situação de falência e veja-se o caso da AIG. Neste, o segurado deixou assim de ficar segurado.
A entidade de referência, a terceira parte, a que se refere a transacção pode ser uma empresa, um banco ou um Estado. No caso de ser um Estado, os CDS começaram inicialmente por ser utilizados na cobertura de risco sobre as emissões de títulos da dívida soberana quando emitidos em moeda estrangeira − como exemplo, os títulos da Grécia emitidos em ienes ou dólares e não em Euros, o que deu azo ao famoso swap com a Goldman Sachs −para assim proteger, portanto, o comprador dos títulos do risco da variação cambial. A protecção era portanto essencialmente feita sobre os títulos da dívida pública emitidos em moeda estrangeira mais do que sobre os títulos emitidos em moeda nacional.
As duas contrapartes do CDS, vendedor e comprador, são geralmente bancos, companhias de seguros, hedge funds, os chamados fundos especulativos de alto risco, mas podem sê-lo igualmente grandes empresas ou mesmo Estados.
A sublinhar que antes da crise financeira, os CDS sobre a dívida soberana dos países desenvolvidos eram praticamente inexistentes. Estes ganharam importância com a crise financeira e mais ainda ganharam importância com os crescentes compromissos financeiros para salvar os bancos (aumento dos limites de garantia dos depósitos, a recapitalização dos bancos, as garantias das dívidas bancárias) e depois com os défices públicos pelo estímulo à economia e adicionalmente com os efeitos de tesoura sobre as contas públicas: a recessão instalava-se, as despesas públicas aumentavam e as receitas públicas, pela recessão diminuíam. Por estas vias deslocou-se o risco de crédito das instituições financeiras para o Estado. Por essa via, e refeitos do seu desastre, as instituições financeiras colocaram-nos perante um outro desastre: passaram a atacar aqueles que os recuperaram e exactamente até sobre os instrumentos que de que os Estados se serviram para os apoiar: os títulos utilizados para os colocar em funcionamento e solváveis. A partir daí, nos mercados financeiros criou-se o problema do défice soberano, a seguir criou-se o problema da dívida soberana e, como se isto não chegasse, criou-se depois o problema da balança corrente, país a país, mesmo que se esteja numa zona monetária onde não existe problema de taxa de câmbio no seu interior, como o caso na União Monetária e em tudo isto os CDS desempenham um papel determinante... Esta é a moral da história que aqui vos deixo para ler.
Um CDS é economicamente parecido com uma apólice de seguro emitido por uma companhia seguradora. Apenas parecido. Quais as diferenças?
Como primeira diferença o emitente do CDS, o chamado vendedor da segurança de acontecimento de crédito, ou ainda dito também writer, pode ser um banco, uma companhia de seguros ou uma outra instituição.
Numa apólice de seguro, exige-se que o detentor da apólice, o comprador do seguro, seja também ele o detentor do objecto segurado. Num CDS pode nem sequer haver posse de nenhum título, pode, portanto, não haver posse do objecto face ao qual se compra a respectiva segurança [1], o que lhe confere um estatuto muito especial como instrumento de especulação, o que veremos mais adiante.
Por outro lado as companhias de seguros, emitentes das apólices, são reguladas pelo Regulador de Seguros, no caso português, pelo Instituto de Seguros de Portugal, os bancos são regulados pelos Bancos Centrais, enquanto muitas outras instituições que operam neste mercado nem sequer têm regulador, a nível nacional e internacional, como é o caso dos hedge funds, instituições estas muitas vezes determinantes neste segmento de mercado, o dos CDS.
O que é considerado acontecimento de crédito é especificado no contrato. Os principais acontecimentos de crédito geralmente considerados são:
- incumprimento;- bancarrota, o que não se aplica aos CDS sobre títulos soberanos;- reestruturação da dívida envolvendo:
- a redução na taxa de juro;
- a redução no valor do capital em dívida ou do prémio pagável na maturidade do título;
- reescalonamento do pagamento do capital em dívida ou dos juros;
- uma mudança no grau de subordinação dados títulos de dívida: dívida sénior passar a ser equiparada a títulos de dívida júnior.
No caso dos CDS sobre a dívida soberana, os acontecimentos de crédito sobre os emitentes soberanos resultam principalmente de uma reestruturação da dívida, por um reescalonamento da dívida (Argentina, 2002), por uma situação de não-pagamento da dívida (Equador, 2008) ou por uma moratória sobre a dívida (México, 1982).
Um exemplo de CDS
A 3 de Janeiro de 2004 o ABN, AMRO BANK NV compra protecção por 5 anos a Deutsche Bank de títulos da Ford Motor Company, sobre um valor nocional, o valor de referência, de 10milhões de dólares pagando um prémio de 200 pontos de base, ou seja de 2%. Neste exemplo, o ABM paga 50 mil dólares, trimestralmente ao Deutsche Bank.
Esquema
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Ao momento T0 do CDS chama-se o braço fixo do CDS enquanto ao momento T1, que se pode verificar ou não, chama-se braço contingente do CDS.
Disse-se atrás que pode não haver posse material do objecto de seguro nos CDS, isto é, o comprador de seguro pode, seja sobre que títulos que for e na quantidade que for, pode assim comprar CDS sobre esses mesmos títulos mas ao mesmo tempo pode não ter nenhum, nenhum mesmo desses títulos que está a segurar.
No nosso exemplo, por hipótese, os títulos não foram resgatados pela FORD Motor Company na data referida, mas, o ABN tem os títulos, entrega-os ao Deutsche Bank, recebe os 10 milhões de dólares menos a parte do prémio de risco correspondente a um mês, um terço dos 50 mil dólares acima assinalados. Dir-se-á que estamos com uma liquidação do contrato em termos físicos.
Admita-se agora que o ABN não tem esses títulos, mas, mesmo assim, comprou a protecção para eles. Havendo um acontecimento de crédito sobre os títulos da Ford Motor Company, este teve efeito sobre os valores dos títulos emitidos, fazendo descer os valores dos mesmos títulos. O seguro exerce-se sobre a diferença, isto é entre os 10 milhões de dólares em títulos, o nocional ou valor de referência, valor virtual diríamos, e o valor de mercado desses mesmos títulos, por hipótese, 5 milhões de dólares. Diz-se que neste caso estamos perante uma liquidação do CDS em cash. Ao exercer o CDS o ABM receberia então 10 milhões de dólares menos a parte do prémio de risco correspondente a um mês, como já se disse.
Admitimos o caso de não haver preço no mercado. Uma situação de falência podia levar o preço para um valor que seja vizinho de zero, isto é, sem valor. Este é um mercado terrível. Pode dar-se o caso, como aconteceu com a DELPHI, por exemplo, em que os CDS vendidos eram de 10 vezes os títulos emitidos por DELPHI. Se os CDS fossem liquidados no físico, isto tornava-se uma impossibilidade material. Obrigar à compra dos títulos no mercado para entrega, pior ainda pois podíamos ter os títulos a subir com a empresa a falir. A solução é de encontrar um valor implícito para os títulos, como valor virtual de mercado, organizando um mercado complexo através de leilões também eles de estrutura complexa, mas isso ultrapassa o âmbito desta nota. Por isso, consideremos pois que há sempre um preço no mercado, mesmo com a empresa falida, que é o valor de recuperação sobre o seu património global, da massa falida.
Assimetrias de risco, especulação a descoberto, acções, obrigações e CDS
Admita-se que se está perante um especulador que compra uma acção no mercado a prazo, para lhe ser entregue daqui a 6 meses. Isto significa que está a especular sobre posições longas, a comprar para vender depois, isto é, no momento em que recebe o título, dita também de especulação a prazo, de especulação à alta. Se daqui a 6 meses, na altura em que se realiza o contrato, o título tiver subido, o especulador ganha a diferença e o ganho pode ser considerado ilimitado; se o título descer perde-se a diferença entre o preço spot de venda e o preço de compra anteriormente acordado. Este prejuízo é afinal o efeito da exposição ao risco, o efeito de comprar o título a um preço previamente fixado e garantido e de o vender a um preço que o especulador pensava ser superior mas em que a evolução foi exactamente a contrária, foi a da descida, tornando o preço de venda inferior ao preço de compra. No limite, o valor máximo que o especulador pode perder, será o valor do título anteriormente fixado e comprado. As situações extremas são então, para o especulador que opera no mercado a prazo e que compra a acção a preço fixo no mercado a prazo, a de ganho ilimitado com a subida ilimitada do título em alta e de prejuízo limitado no máximo ao valor fixo do título se o preço tiver descido até zero.
Admita-se agora uma outra situação, a de um especulador que opera com a venda completamente a descoberto, um especulador sobre posições curtas, naked short selling. Neste caso, o especulador vende a prazo, por exemplo, de 6 meses, acções que não tem e para além de três dias[2] terá que apresentar uma parte dos títulos em garantia no corretor, obtidos, por exemplo, em operação repo. Para realizar esta operação de venda, terá que adquirir, decorridos os 6 meses, as acções que ele não tem. Assim, se o valor da acção no momento em que se realiza o contrato de venda sobe, no momento em que a entrega, o especulador em questão fica a perder pois terá de comprar mais caro a acção que não tem para a entregar a quem lha comprou. Perde a diferença que aqui pode ser ilimitada, pois, à priori, a subida não tem limite definido. Inversamente e para a mesma operação, admita-se agora que o preço do título desce. O especulador ganha.Vendeu a um preço determinado quando no acto da entrega da acção está à venda por um preço mais baixo. Ganha a diferença entre o preço a que vendeu e o preço a que agora a pode comprar para entrega, que no máximo é o preço de venda da acção, se o seu preço de mercado tiver atingido, por hipótese limite, o valor zero. As situações extremas são, portanto, como especulador a descoberto de ganho limitado e de prejuízo ilimitado.
Diremos que estamos com assimetrias de posição face ao risco. Ser especulador sobre posições longas não é a mesma coisa que ser especulador sobre posições curtas. Na subida, na especulação sobre posições longas, o ganho é ilimitado e as perdas, se o título segue uma cotação inversa, são limitadas à exposição ao risco, ao valor do título, enquanto nas posições curtas, especulação sobre a descida do valor dos títulos, o ganho é limitado ao valor dos títulos, se a cotação dos títulos desce como esperado, sendo o prejuízo ilimitado se a cotação seguir uma evolução inversa ao esperado, isto é, se a cotação subir. Podendo, talvez, dizer-se que esta assimetria desencoraja a especulação a descoberto no mercado das acções, quando há a descida dos títulos, mas encoraja a especulação sobre posições longas, a especulação a prazo, a especulação sobre a subida dos títulos, pois nesta são as perdas que estão sempre limitadas. Contudo, tem de se comparar o que é comparável e, por isso, o que temos de comparar é o comportamento do mesmo agente especulador face aos dois mercados e para a mesma evolução esperada dos títulos. Temos de comparar a assimetria para o mesmo agente que especula sobre a alta nos dois mercado e comparar a assimetria para o mesmo agente que especula sobre a baixa nos dois mercados e também aqui nos dois tipos de títulos, acções e obrigações, nos dois mercados de títulos.
Vejamos agora que, nos mercados obrigacionistas e com os CDS, se passa o inverso do que temos estado a explicar.
Seja-se um vendedor de segurança, um seller ou writer. Admita-se que o valor do título sobe e, por isso, ganha-se. Nesta situação, o CDS não é pois exercido, o vendedor de CDS ganha o prémio de risco e, logicamente, o comprador de CDS, a jogar na descida do título, perde o prémio de risco, risco que não se verificou, pois o título subiu. Curiosamente, o vendedor de CDS corresponde no mercado das obrigações ao especulador a prazo no mercado das acções. Quer o especulador a prazo, quer o vendedor de CDS estão a jogar na subida dos respectivos títulos, pois é com essa evolução que poderão ganhar, estando as suas perdas limitadas ao valor dos títulos.
Admita-se agora que a evolução dos títulos protegidos pelos CDS seguiu uma trajectória inversa à esperada pelo vendedor de CDS. No limite, o especulador em questão pode perder no máximo o valor do título, se este, por hipótese, descer até zero. Confrontando ganhos potenciais com perdas ou prejuízos potenciais, diríamos que estamos com assimetria, ganhos limitados e prejuízos relativamente ilimitados, dada a enorme diferença que pode haver entre o que pode ter que vir a receber pela segurança contra um acontecimento de crédito, limitado ao prémio de risco, e o que pode ter que vir apagar no caso de um acontecimento de crédito, sendo esta perda, correspondente ao crédito seguro menos os prémios de risco, que apesar de limitada, pode atingir valores muito elevados.
Podemos agora sim comparar a posição da especulação à alta nos dois mercados. No mercado das acções, para o especulador sobre operações longas o ganho é ilimitado e o prejuízo limitado à exposição de risco, ao valor das acções. No caso dos CDS, especular sobre a alta das obrigações é vender CDS e aqui, para o vendedor de CDS, o ganho é limitado ao prémio de risco, enquanto o prejuízo é relativamente ilimitado, dados os valores em questão. Consequentemente, esta assimetria favorece, no caso de mercados em alta, a especulação a prazo sobre acções.
Admitamos agora que se é um comprador de CDS sobre títulos, sobre obrigações. Compra-se um CDS, compra-se uma protecção, e assim garante-se o valor do título, mesmo que este não se tenha, exactamente como se se tivesse vendido uma acção a descoberto, em que se garante o preço a que o título é vendido, e em que só se ganha se o valor do título, que de resto não possui, descer, ou seja, está-se especular sobre a descida do seu valor. Aqui ressalta à evidência a grande diferença com a apólice dos seguros, mostrando-se que CDS e apólices de seguros são equivalentes apenas na forma e mesmo aqui apenas relativamente ao enunciado. Os CDS, no entanto, nada têm agora a ver com seguros. Nos seguros não se ganha com a desvalorização do objecto segurado, ao contrário dos CDS em que o ganho resulta exactamente da desvalorização do objecto segurado, ou seja, o comprador do CDS, o comprador do seguro, é exactamente o agente interessado na verificação do acontecimento de crédito contra o qual se está a segurar! Tudo isto porque se trata de seguros contra riscos e sobre títulos que se podem não ter. Compreende-se pois a violência que este tipo de comportamento pode representar, pois a especulação contra a dívida soberana representa um potencial de ganho com limites quase impensáveis. Esta especulação é pois equivalente à venda a descoberto. E relembremos que foi com as vendas a descoberto que George Soros e o seu hedge fund Quantum dobrou a imperial Inglaterra, foi com as vendas a descoberto que Soros colocou em pânico o Sueste Asiático, actuando sobre títulos e sobre câmbios, foi assim que arrasou a Indonésia.
Voltemos às ligações entre os dois mercados. Como já sabemos, tudo se passa pois com a compra de CDS como se estivesse em posição curta no mercado de títulos em que garantia o preço de venda do título que se não tinha, ou seja situar-se no mercado dos CDS a comprar significa que está a especular sobre a descida dos títulos, como na venda a descoberta de um título qualquer. Admita-se que a evolução do título segue uma evolução inversa da esperada, admita-se que o título sobe. O título sobe, por exemplo, o comprador do CDS não o exerce e o prémio de risco é então o seu prejuízo o que, visto simetricamente, representa o lucro do vendedor do CDS, como se sublinhou já anteriormente. O comprador está pois perante um prejuízo limitado e o vendedor perante um ganho limitado quando o preço do título sobe, os prémios apenas.
E quanto ao ganho do comprador de CDS? Admitamos que inversamente o título desce. Se desce o valor do título no mercado e se o preço está fixo pelo CDS o comprador recebe a diferença, exactamente como na venda a descoberto das acções. Mas, lá era o risco que era relativamente ilimitado, aqui é o ganho para os valores que permite negociar, para o comprador que podem ser considerados relativamente ilimitados, e por simetria, os prejuízos são relativamente ilimitados para o vendedor de CDS. O comprador de CDS confronta agora os ganhos que pode ter contra os prejuízos que pode sofrer e então os ganhos são relativamente ilimitados.
Diríamos também aqui que estamos perante uma assimetria entre vendedores e compradores de CDS, mas a assimetria relevante não é esta, o que é relevante é comparar a especulação à baixa nos dois mercados, como o fizemos com a especulação à alta nos dois mercados. O especulador à baixa no mercado das acções tinha ganhos limitados e prejuízos ilimitados e aqui temos a situação inversa, isto é, temos a situação de ganhos relativamente ilimitados e perdas limitadas.
Como se assinalou recentemente na Assembleia da República Francesa, “enquanto no mercado das acções, as posições curtas (vendas a descoberto) ao apostarem na depreciação de activos, que se obtêm por empréstimo ou que se fica de entregar mais tarde (3 dias no máximo), apresentam um risco superior (consequentemente mais dissuasivo) ao das posições longas (a de um comprador que detém uma acção e aposta sobre a subida do seu preço - o prejuízo não pode exceder o seu preço inicial, o de compra), enquanto tal os CDS oferecem não somente um meio de obter uma posição curta sobre as obrigações, mas podem incitar os especuladores a apostarem sobre o default dos emitentes[3] e exercer uma pressão à baixa sobre as obrigações subjacentes. Porque comprar a protecção (a posição curta) é tomar o risco de perdas fracas face a lucros potencialmente levados (a fortiori se o comprador não detém o título subjacente portador material do risco), enquanto vender protecção conduz à existência de lucros potencialmente muito elevados (está a comprar o risco subjacente)”.
Em síntese, no mercado das acções, para o especulador sobre operações curtas, a venda a descoberto, o prejuízo é ilimitado e o ganho é limitado. No caso dos CDS, especular sobre a descida das obrigações é comprar CDS e aqui o prejuízo é limitado ao prémio de risco enquanto o ganho é relativamente ilimitado. De acordo com Satyajit Das o contrato de CDS facilita a venda a descoberto do risco de crédito. Isto permite ultrapassar os problemas estruturais, como a natureza ilíquida do mercado de garantias dadas sobre títulos privados (as operações repo anteriormente citadas) que existem quando se quer especular a descoberto directamente com títulos dados como garantia.
Conclusão em mercados à baixa é favorecida a especulação sobre obrigações, onde o ganho pode ser considerado relativamente ilimitado e os CDS aparecem aqui como um instrumento de excelência para o efeito.
Os CDS são transaccionáveis e, portanto, tendem a ser encarados como autênticas garantias que podem ser vendidas em qualquer momento. Os agentes nestes mercados compram-nos não porque esperam uma eventual situação de incumprimento, mas sim porque esperam que os CDS variem de preço em resposta à evolução da situação financeira, da empresa ou do país. Os títulos descem, o medo instala-se, num movimento de Panurge, a procura de CDS aumenta, o prémio de risco aumenta, e pudesse voltar a vender os CDS que comprados, por exemplo, a 2% podem ser vendidos agora a 5 ou 6% aos múltiplos gestores de contas, de fortunas, aos fundos de pensão das seguradoras, etc. Como sublinhou Michel Aglietta na citada Assembleia da República Francesa, “privados de todo e qualquer determinante objectivo, os actores tomam as suas decisões em funções heurísticas que consistem, na prática, a imitar os outros. Cada um está assim sobre o mesmo quadro de referência [e com o mesmo programa informático, diremos nós], produz-se uma convenção de desconfiança relativamente a todos os valores, excepto o da liquidez absoluta: é, pois, uma convenção do medo que se instala”. E se o pânico continuar a crescer, quem os compra, volta também a especular, vai vendê-los a uma taxa mais alta e, por cada subida de taxa, por cada acesso de pânico, por cada subida de CDS, esta repercute-se nas emissões seguintes do Tesouro Público de cada país e são os Estados soberanos que afinal estarão a pagar tudo, e tudo porque se permite esta arma mortífera contra os Estados, as vendas a descoberto ou o seu equivalente, os CDS. Alimente-se a máquina do medo, este instala-se, os spreads disparam e eis os gestores de contas a correr contra o desastre que temem que pode acontecer repentinamente, comprando as protecções para os títulos que têm. Como se sublinhou na Assembleia da República Francesa “sem ir até à teoria da conspiração conduzida por especuladores ávidos, basta que os mercados financeiros tenham seguido as suas tendências naturais para que a crise se espalhe e se agrave em proporções muito excessivas relativamente aos riscos reais. A dinâmica dos mercados é, em si-mesma, auto-realizadora: quando antecipam um agravamento dos riscos de incumprimento, a procura de protecção sobre os títulos cresce; os prémios de risco aumentam ou o valor dos CDS sobe; correlativamente os mercados exigem taxas de remuneração superiores para os novos empréstimos. O refinanciamento torna-se mais caro, o serviço da dívida aumenta, os défices dos países em dívida aumentam, necessitando a emissão de cada vez mais títulos de dívida, os riscos de insolvabilidade aumentam. As taxas voltam a subir ainda mais, ainda mais e assim sucessivamente”, a dinâmica da dívida criada pela desregulação dos mercados e pelos encargos assumidos torna-se infernal e simultaneamente estrutural. Na linha deste documento oficial de um país da zona euro, podemos pois afirmar, com efeito, que a actual estrutura da UEM que a Comissão quer ainda mais reforçada, tem levado a uma situação criada pelos mercados financeiros que é, no mínimo, bem caricata. Sobre os títulos da dívida traçam-se grandes apostas, e a especulação é isso mesmo, mas onde o resultado é só um. Como? Simples. O medo instala-se, o especulador ganha, o custo do risco dispara, todos terão ficado a ganhar, esse risco estende-se a todos os títulos emitidos independente das suas maturidades e o Estado esse, vai pagar tudo isso nas próximas emissões.
O especulador perde, as apostas são de muitos, muitos milhões mesmo e o Estado vai, via Orçamento, salvar o banco, e o resultado é o mesmo. Voltámos a pagar, via défice primário. Em tempo de crise, em tempo de pânico, no mínimo, é criminoso. Mas, já agora, haja alguém, algum governo, algum ministro das Finanças, algum regulador que esclareça todos os que da crise estão a ser vítimas como se determina e com que rigor, afinal, o valor dos CDS da dívida soberana, qual é afinal o risco de incumprimento de um Estado sobre a sua dívida! Que o diga, por exemplo, Christine Largarde, ministra da Economia de França, depois de ter lembrado que “a crise grega diz-nos que o mais pequeno estremecimento provocado pelo muito estreito mercado dos CDS soberanos é suficiente para deslocar o preço das obrigações soberanas, permitindo àqueles que se tinham posicionado a descoberto embolsarem lucros importantes, mesmo se a prova precisa que estes movimentos foram criados nunca existirá”. A ministra sabe, os Governos sabem, a Comissão Europeia sabe, os Reguladores sabem, mas os trabalhadores gregos, esses, que paguem. Na Europa, sobretudo, que nos digam então como se explicam as quantias agora exigidas. Se aceitam que todos nós as paguemos, que aceitem então explicar a cada um de nós a razão exacta daqueles montantes de encargos que nos saem a todos nós das entranhas da vida. O risco, dirão, mas expliquem então como se determinam essas taxas, qual o suporte que tem a determinação destes encargos. A estabilidade social é um bem público, senhores ministros desta Europa fora, preservemo-la, proibindo, é esse o termo, tudo o que se lhe opõe. De novo aqui, não é querer muito em democracia, é querer que se respeite a concorrência não falseada, a não distorção dos preços de mercado, da economia real. Como se assinala na Assembleia da República francesa “o problema não é o da existência da especulação, o problema é a existência de uma especulação excessiva, que se poderia qualificar de patogénica, portadora de riscos sistémicos, ou susceptíveis de atingir e deformar a integridade dos mercados, ou a de uma especulação fraudulenta feita de rumores, passando pela manipulação das cotações, a difusão de falsos rumores,” e deste modo, “a especulação, pela deformação da realidade económica é evidentemente prejudicial ao bom funcionamento do mercado e contrário à sua lógica. Ora se os preços são mal formados, a poupança não se dirige para os bons investimentos”. E não se pense que se está apenas a falar de produtos financeiros numa economia globalizada, pois, como se assinala no mesmo documento “não estou nada seguro de que a prazo não haja risco sistémico nos mercados das matérias-primas agrícolas. (…) Penso que tendo em conta posições muito importantes quanto às importações, em particular da China, pode haver amanhã um grande risco sistémico: se os grandes operadores não puderem assumir as suas obrigações, isto arrastará falências em cadeia, ou seja, uma crise. (…) Para os industriais, tudo isto se traduz por uma desestabilização e por uma verdadeira perda de referências, a volatilidade das cotações não lhes permitindo arbitrar as posições e os contratos em condições normais relativamente ao horizonte económico de uma empresa. O andar do tempo dos operadores físicos não é de modo nenhum o dos operadores financeiros. (…) A enorme variação dos preços impede os produtores e os utilizadores de actuar no mesmo plano a que os outros operadores, muito mais poderosos, actuam”[4]. Como sabemos e aqui bem se explica é o próprio coração da economia real que é neste contexto atingida, pelo disfuncionamento destes mercados. Até lá, continue-se pois a especular. Como se assinala num texto produzido pela Presidência da República Francesa, a assimetria acima explicada “encoraja os especuladores a apostarem sobre a baixa das obrigações, e a existência do mercado dos CDS exerce assim uma pressão à baixa das obrigações subjacentes. Neste caso, estes investidores compram CDS, não porque antecipam uma situação de incumprimento futura, mas porque esperam que o preço dos CDS venha a aumentar como resposta aos receios e temores sobre o incumprimento do emitente.” E a nova emissão de títulos do Estados vai já incorporar estes valores novos dos CDS! E os Estado soberanos por essa via ficam prisioneiros dos mercados, como o atesta a afirmação clara da direcção do Barclays:
“Para preparar o futuro, e na esteira das turbulências nos mercados da dívida soberana, a maior parte dos países da zona euro empenhou-se a reabsorver os seus défices públicos a um ritmo muito mais rápido que inicialmente previsto e mais cedo que o que os dados sobre o longo prazo o deixariam prever. Não há nenhuma dúvida que os mercados financeiros vão vigiar atentamente os dados orçamentais e o respeito destes compromissos de saneamento financeiro, assim como a qualidade deste ajustamento: devido à integração dos países da zona euro a incidência do ajustamento orçamental entre os países da zona euro será amplificada. Desde então, o que os mercados vão vigiar, não é somente a dimensão deste ajustamento e a aplicação das medidas, mas também a estratégia global do ajustamento e de crescimento. Os países deverão igualmente introduzir as reformas estruturais para provar aos mercados financeiros que renovará bastante rapidamente com o crescimento, apesar destas contracções orçamentais.”
Vigiar os governos, é pois esta a nova função dos mercados! Inversão de posição: em democracia, nesta democracia a caminho de ser mais formal que outra coisa, a democracia da Comissão Europeia, são afinal os mercados que vigiam, e portanto controlam, os governos e não o inverso. Uma lição mais a registar, uma situação mais contra a qual temos que nos indignar. Vigiar os governos, dizem os bancos, vigiar e controlar os bancos dizemos nós. Veja-se com a Grécia e ainda de acordo com o documento produzido pela Assembleia da República francesa: “desconfia-se que em Janeiro de 2010 a Goldman Sachs tenha propagado um falso rumor para fazer aumentar os prémios de risco. Esta somente reconheceu ter aconselhado os seus clientes (principalmente hedge funds) a comprarem instrumentos de cobertura, os CDS, sobre a dívida grega, confessando implicitamente que estava a antecipar uma subida dos seus preços e, por aí, estava, portanto, a antecipar uma degradação do valor da dívida associada, enquanto ela própria tinha sido encarregada pelo governo grego de “acalmar” os compradores potenciais e tinha conseguido colocar com sucesso um empréstimo de 8 mil milhões de euros nos dias anteriores. (…) Para além deste actor privilegiado, os responsáveis europeus suspeitam dos hedge funds, procurando lucros de curto prazo, de terem apostado sobre o incumprimento do Estado grego. Estes teriam comprado volumes de CDS sobre títulos gregos nada desprezíveis para um mercado como o mercado grego dos CDS afim de fazer aumentar artificialmente o valor destes contratos, e isto, antes das agências de notação terem degradado a dívida grega. Puderam fazê-lo tanto mais facilmente quanto não precisaram de dinheiro, contentaram-se em operar no mercado de produtos derivados”. A lição é clara e um dado também é claro, nada lhes aconteceu. Em tempos, perdidos na memória dos séculos, no obscurantismo do século XIV, um banqueiro em Barcelona foi executado na praça pública, em frente do seu banco falido, por o ter levado à falência com as suas actividades especulativas. Hoje, os dirigentes dos bancos falidos, têm saído pela porta da frente dos seus respectivos bancos sorridentes, com um cheque na ordem das muitas dezenas de milhões de indemnização.
Indiferentes, imunes às críticas sociais, morais, impunes face à desgraça por eles criada, aos muitos milhões de pessoas no desemprego lançadas [5], este é o mundo neoliberal no que se aplica aos senhores dos mercados, dos seus produtos derivados, das fortunas assim acumuladas. Não haverá saída enquanto não forem os estados nacionais a controlarem estes mercados, a controlarem estes agentes.
Enquanto não forem os estados nacionais e as instituições internacionais deles saídas a controlarem estes agentes e estes mercados serão estes que continuarão a colocar os estados perante a quadratura do círculo, eis o que os mercados financeiros exigem a cada país e que a Comissão Europeia consente e impõe religiosamente. A resposta pela balança comercial é o que agora se pede, ou seja, com a contracção da procura interna, o aumento da produção tem que se conseguido pela procura externa, ou seja, com um aumento das exportações líquidas. Mas, já agora, exportar para quem? Aqui remetemos para a nossa carta aberta ao Presidente da Comissão Europeia, onde o tema é tratado.
A concluir esta pequena nota, julgamos ter deixado claro que os CDS acabam por ser instrumentos financeiros perigosos e poderosos, sobretudo, porque se permite como existência os CDS nus, isto é, haver seguros de títulos sem título se, simultaneamente altamente complexos, tão complexos que levaram o antigo Presidente da Reserva Federal de Nova Iorque, Gerald Corrigan, a afirmar em 2007, que se “alguém pensa ter percebido alguma coisa destes instrumentos então não vive neste mundo real, não é deste mundo”. Nesta mesma linha se insere hoje aquele que foi um dos maiores especuladores de todos os tempos, e não o sabemos se não o será ainda hoje, apesar da sua mão direita, Stanley Druckenmiller, um príncipe dos algoritmos, ter abandonado a profissão. Com efeito, diz-nos George Soros: “Muitos argumentam agora que os CDS deveriam ser negociados em mercados regulamentados. Eu acredito porém que estes são produtos tóxicos e que o seu uso só deve ser permitido àqueles que detêm os respectivos títulos, nunca por aqueles que querem especular contra os países ou contra as empresas. Ao abrigo desta regra - que exigiria acordos internacionais e legislação interna - a pressão da compra de CDS iria diminuir consideravelmente, e todos os CDS em circulação veriam a descida dos seus preços, os seus prémios de risco.” Ainda nesta mesma linha se insere a posição de um dos mais importantes criadores dos mercados de produtos derivados, segundo informa a Blomberg:
“March 6 (Bloomberg) -- Myron Scholes, the Nobel prize- winning economist who helped invent a model for pricing options, said regulators need to “blow up or burn” over-the-counter derivative trading markets to help solve the financial crisis.
The markets have stopped functioning and are failing to provide pricing signals, Scholes, 67, said today at a panel discussion at New York University’s Stern School of Business. Participants need a way to exit transactions and get a “fresh start,” he said.
The “solution is really to blow up or burn the OTC market, the CDSs and swaps and structured products, and let us start over,” he said, referring to credit-default swaps and other complex securities that are traded off exchanges. “One way to do that, through the auspices of regulators or the banking commissioners, is to try to close all contracts at mid-market prices.”
A solução segundo Myrton Scholles, “consiste em fazer saltar ou reduzir a cinzas os mercados de produtos derivados negociados fora da bolsa, os CDS, os swaps e os produtos estruturados e começar de novo, a partir do zero”. Bom programa mas a incapacidade das autoridades em abrir caminho nessa via é pelo menos espantosa, para não dizer mesmo criminosa. A regulação exige-se, é necessária, imperiosa, urgente, a acreditar pelos autores citados, se queremos sair da crise. Ainda neste sentido lembremos a posição do actual Comissário Europeu, Michel Barnier:
“Não há ainda muito tempo, pensávamos conhecer os principais desafios com os quais a Europa se devia confrontar, para tirar o melhor partido da mundialização, construindo um modelo económico mais durável: estes desafios eram as variações climáticas e o envelhecimento da população. Ora, desde 2007 aprendemos também que havia um outro sector que merecia, ele também, toda a nossa atenção: o sector financeiro. De facto, o que arrancou em 2007como uma crise de crédito no mercado americano dos créditos sobre hipotecas subprime, transformou-se em 2008 numa crise financeira mundial na sequência da falência de Lehman Brothers. Isto de seguida levou-nos para o centro de uma crise da dívida soberana, devido principalmente às consequências orçamentais da instabilidade financeira, acrescendo-se a um endividamento público já elevado. Esta situação mostra à evidência qual a importância do sistema financeiro para a sociedade como um todo e, por isso mesmo, o imperativo político de o melhorar para que a finança esteja ao serviço da sociedade e não o inverso. Por isso mesmo, deveremos adoptar um conjunto de regras e de princípios novos, de modo a assegurar a estabilidade e a viabilidade do sistema financeiro. Se nós não realizamos as reformas necessárias estaremos a impedir a nossa economia de encontrar o caminho da prosperidade e de enfrentar assim os desafios de amanhã.”
E o Comissário Michel Barnier acrescenta:
“O período difícil que atravessamos ensinou-nos que a finança tem uma incidência social e económica demasiado importante para ser deixada na sombra: nenhum sector, nenhum instrumento, nenhum lugar deve escapar à regulação. É tempo de reforçar a governança e a regulação dos mercados dos produtos derivados negociados fora da bolsa e de contribuir assim para a melhoria do sistema financeiro a fim de que ele traga também a sua total contribuição a um crescimento durável da economia europeia. Nós não temos o direito de falhar.”
Ninguém tem o direito de falhar, diz o Comissário Europeu responsável pela regulação nos mercados financeiros. Por essa razão, penso, todos temos o direito e a obrigação de agir politicamente no mesmo sentido e nas múltiplas formas possíveis, face ao objectivo claramente enunciado pelo Comissário Michel Barnier, mas ele sabe, e nós também, que não vai ser um combate fácil, com cada um no seu plano, todos nós politicamente por um lado, e ele, por outro, contra a sua Comissão e o modelo político que a suporta, e sabe-o tão bem quanto sabe, segundo cremos, que nem Durão Barroso, nem a City e nem Gordon Brown, verdadeiramente um alto-funcionário da City quando ainda estava no governo, quanto mais David Cameron, ninguém o queria neste seu cargo de agora, exactamente por ser o que é, um grande defensor da regulação. Se assim não se fizer, estaremos todos nós, os cidadãos deste mundo, para utilizar a ideia de Corrigan, estarão os regimes democráticos igualmente, estaremos todos à beira de cair na mais pura barbárie, numa espécie de fim da civilização, em que a incompetência de regulação e transformação económica e social da Comissão Europeia se torne soberana, em que a política de cada Estado fica a viver ao sabor dos rumores que se injectam no mercado, ao sabor da notação dada pelo senhor McGraw-Hill (Standard & Poors), pelo senhor Warren Buffet e Robert Murdoch (Moody’s), por Fimalac (Fitch Ratings). Exagero? Não. E olhemos então para um relato feito por uma Comissão da Assembleia da Republica francesa: “os serviços da Autoridade sobre os Mercados Financeiros (AMF) foi alertado pela propagação de um rumor que teria circulado a 10 de Março de 2010 relativo a uma degradação da notação da França. Este rumor inscrevia-se alguns dias depois do anúncio da confirmação da notação atribuída a Portugal e na antevéspera de uma nova emissão de dívida pelo Tesouro francês. Esta arrastou imediatamente um aumento brutal da diferença de rendimento (spread) das obrigações francesas relativamente às alemãs.
Alertado pelos bancos especialistas em valores do Tesouro, o Tesouro contactou a Agência Fitch Ratings solicitando-lhe a publicação do comunicado em preparação. Este comunicado, publicado às 15h e 30 min confirmou a notação de triplo A com uma perspectiva estável para a França e os spreads voltaram ao normal. (…)
Em Outubro de 2010, os investigadores obtiveram informações que levariam a pensar que o rumor sobre a degradação da França pela Fitch Ratings teria sido inventado e depois transmitido pela mesma pessoa que uma semana antes (23 de Março de 2010) tinha informado da degradação do rating sobre Portugal. Ora, este rumor confirmou-se ser exacto imediatamente a seguir à sua propagação, isto é, no dia seguinte em que houve leilão, uma vez que Fitch Ratings tinha baixado a notação sobre Portugal. Este dado aumentava a credibilidade da fonte que difundia o boato sobre a França junto dos grandes intervenientes dos mercados. A confirmá-lo, os inspectores dispunham de uma mensagem de Bloomberg enviada por um trader de um grande banco a um outro colega: “quanto aos rumores a circularem esta manhã sobre uma possível degradação da notação sobre a França, concordo com eles totalmente, pois provêem da mesma fonte que tinha falado sobre a degradação da notação sobre Portugal na véspera dessa mesma degradação”.
“Fiat Lux” foi o título da intervenção de Barnier onde expressou as ideias aqui expostas, recentemente no Banque de France, “Fiat Lux” sobre tudo o que se está a passar, sobre a Banca, sobre os mercados, “Fiat Lux” sobre as responsabilidades de quem politicamente as tem, é, de certeza, o desejo de toda uma Europa que se sente traída pela sua classe dirigente, independentemente das cores, múltiplas, com que esta aparece trajada.
E a terminar, deixemos ficar duas tomadas de posição a não esquecer e que a situação presente nos obriga, e muito, a bem reter, proferidas por homens de Estado, de governos que fizeram história e em períodos de referência, de quem todos nós somos devedores:
Thomas Jefferson
Eu creio que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades que os exércitos prontos para o combate.
Os banqueiros são para prender, os bancos são para fechar.Vincent Auriol, do governo de Léon Blum, em 1936
Júlio Mota
Coimbra, 13 de Janeiro de 2011
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[1] Para darmos um exemplo bem perto de nós e bem no centro da crise, vejamos o caso do Lehman Brothers. Quando o Lehman Brothers faliu, o seu endividamento atingia cerca de 600 mil milhões de dólares. Segundo as estimativas de mercado, o Lehman Brothers era a entidade de referência de contratos CDS num montante situado entre os 400 e os 500 milhares de milhões de dólares. No caso de cobertura física dos títulos, títulos detidos por quem procura a segurança, os contratos CDS teriam simplesmente levado a uma transferência das perdas dos credores para os vendedores da cobertura, com a perda global constante, transferência de uns para os outros, dos credores do banco para os vendedores da segurança. As estimativas do mercado situam em 150 mil milhões de dólares os contratos CDS efectuados para este efeito. Os restantes 250 a 350 mil milhões seriam pois cobertura sobre títulos de crédito sobre o Lehman Brothers que não existiam, isto, contratos efectuados sem subjacente, contratos nus.
[2] A regulação coloca agora a hipótese de reduzir o número de dias em que se está completamente a descoberto, mas não as operações a descoberto, elas próprias.
[3] Sublinhado no original.
[4] Bernard Valluis, perito da Associação Nacional das Indústrias Alimentares.
[5] Devido à crise, e segundo a Organização Internacional do Trabalho, ter-se-ão perdido mais de cinquenta milhões de empregos.
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