Travar a Recessão. Renegociar o Memorando. Construir um Futuro Melhor
Reflexões a propósito das GOP e do OE para 2013

1. As Grandes Opções do Plano (GOP) e o Orçamento do Estado (OE) para 2013, agora submetidos pelo Governo à Assembleia da República para apreciação, merecem, da parte dos cidadãos e das cidadãs, a devida atenção, uma vez que aqueles dois instrumentos de política económica irão determinar o nosso futuro próximo em aspectos essenciais da vida colectiva, nomeadamente: o desenvolvimento socioeconómico do País, o emprego e o desemprego, o nível de rendimento e sua repartição, o consumo das famílias, a extensão e a qualidade da provisão de bens públicos como a educação, a saúde, a segurança social.
Reconhecemos que há acordos e contratos do Estado português com o Fundo Monetário Internacional e com Instituições europeias que devem ser respeitados e que o financiamento externo da nossa economia deles depende. Defendemos, porém, que os compromissos existentes podem - e, nas presentes circunstâncias, devem - ser renegociados, urgentemente, tendo em conta todos os interesses em presença e ponderando devidamente objectivos primordiais de desenvolvimento, crescimento económico, emprego e coesão social.
2. À semelhança do que fez no ano anterior, o Grupo Economia e Sociedade (GES) apreciou as propostas de política económica apresentadas pelo Governo para 2013, tendo por base os ensinamentos do pensamento económico bem como os valores do humanismo cristão e os princípios matriciais da Constituição da República.
Reafirmamos, hoje, o que escrevemos a propósito do OE 2012: Movem-nos preocupações éticas e de responsabilidade cívica pela construção de uma sociedade mais justa, mais inclusiva, mais solidária e onde o ser humano seja o primeiro sujeito de um desenvolvimento sustentável.
Também continuamos a defender que, embora reconhecendo os actuais constrangimentos de ordem financeira e outros, entendemos que estes não podem ser eleitos como objectivos per se e bem assim que os critérios de avaliação de desempenho não devem confinar-se aos indicadores da redução dos défices ou do peso do endividamento público e privado no PIB.
Hoje, ainda mais do que há um ano, torna-se evidente que o caminho de uma austeridade financeira excessiva tem efeitos muito graves na economia, incluindo consequências nefastas para a estrutura produtiva e a capacidade de produção, para o nível de desemprego e risco de empobrecimento de largos estratos de população, para o aumento das desigualdades na repartição do rendimento e para o enfraquecimento da coesão social.
Travar a recessão
3. Os indicadores já conhecidos acerca da eficácia das medidas de austeridade aplicadas em 2012 sustentam a ideia de que, ultrapassados que estão certos limites de punção fiscal sobre os rendimentos pessoais de grande maioria da população (redução salarial e agravamento de impostos), há que contar com efeitos perversos em relação aos resultados visados com essas medidas, como a Ciência Económica o demonstra.
Há, pois, que travar a recessão económica e não agravá-la, como sucede com a proposta do OE 2013.
O argumento usado de que a austeridade visa conquistar a confiança dos mercados não é convincente, pois aos credores importa, sobretudo, que exista uma real capacidade do devedor para satisfazer os compromissos com a dívida, o que só acontecerá com maior crescimento económico.
Por outro lado, se podem ser considerados importantes os compromissos legítimos assumidos com os credores, não menos importantes e vinculativos são os compromissos assumidos com os cidadãos, também eles credores no que diz respeito ao direito à saúde, à educação, às prestações sociais, à justiça, ao emprego, à segurança social e ao desenvolvimento.
4. As recentes manifestações de descontentamento popular constituem, só por si, um sinal de alerta de que persistir num caminho de recessão só poderá conduzir ao aumento da conflitualidade social, situação que o Governo não deve subestimar.
O Governo e demais órgãos de soberania tão pouco devem ignorar as advertências acerca dos riscos de uma austeridade excessiva provindas de órgãos institucionais competentes, de qualificadas vozes académicas, de vários sectores da opinião pública, de instituições católicas e de outras religiões, de cidadãos e cidadãs anónimos.
Também o GES, na sua tomada de posição sobre o OE 2012, expressou e fundamentou a sua convicção de que a via da austeridade, que vem sendo defendida pelo Governo e uma vez mais concretizada na proposta de OE para 2013, é perigosa, iníqua e só pode conduzir ao aprofundamento da crise, retirando às pessoas a esperança de melhor futuro.
O grau de desmoralização e anomia social, que já se observa na sociedade portuguesa, nomeadamente entre a classe média e entre os jovens, faz recear que se estejam a gerar condições propícias à eclosão de manifestações de violência, o que é mais uma razão para travar a recessão e pôr termo a uma austeridade excessiva.
Existem alternativas
5. A via da austeridade é apresentada como inevitável, mas não há evidência científica que o comprove.  
É nossa fundada convicção de que existem alternativas e bom seria que o Governo se disponibilizasse para, de imediato, as desenhar, de modo a viabilizar, urgentemente, um amplo consenso nacional em torno de um projecto de desenvolvimento humano e sustentável para o País.
Esta é, aliás, a única via que poderá contribuir para encontrar uma solução durável para o problema das dívidas, sem que se continue a destruir a capacidade produtiva do País e a agravar o empobrecimento colectivo, como vem sucedendo.
De vários lados vêm surgindo apelos a que o Governo dê a devida importância à elaboração de uma estratégia de crescimento económico que vise a qualidade de vida das pessoas e dos seus territórios e a promoção do bem-estar social (melhor educação, saúde, segurança social), devendo ser tal estratégia a enquadrar a política fiscal e financeira e não o contrário. É exigência de um estado de direito e da democracia.
6, Com tal objectivo, e tendo presentes as actuais circunstâncias, reconhecemos como principais problemas que merecem a devida consideração no orçamento de estado para 2013 os seguintes:
  • A recessão económica, que já não é uma mera ameaça mas, infelizmente, é uma dura e perigosa realidade;
  • Dificuldades de financiamento para a actividade económica (acesso ao crédito e respectivo custo) com consequências dramáticas no desaparecimento de empresas que poderiam ter condições de viabilidade económica e utilidade social;
  • O excessivo peso dos encargos com os juros da dívida pública e sua incidência no défice orçamental e no agravamento do próprio endividamento, justificando renegociações urgentes com os credores e com as instâncias comunitárias;
  • A degradação substancial da situação social, com particular ênfase no aumento do desemprego (agravado com meios cada vez mais escassos para assegurar o devido apoio financeiro aos desempregados) e do trabalho precário, a diminuição dos salários e pensões, o incumprimento de direitos sociais fundamentais no domínio da educação, da saúde e da segurança social;
  • A inaceitável desigualdade na repartição do rendimento e a falta de equidade na política fiscal que a proposta de OE para 2013 acentua ao reduzir os escalões do IRS e penalizando mais fortemente os que vivem do seu trabalho, em particular as pessoas com menores rendimentos e mesmo aquelas que são apoiadas por prestações sociais. Uma desigualdade tanto mais preocupante quanto vai a par com uma maior concentração de riqueza e crescente poder financeiro em desfavor do poder democrático;
  • O risco de pobreza material e de exclusão social agravado pelo desemprego, trabalho precário, baixos salários, diminuição dos apoios de protecção social e um retrocesso civilizacional no que respeita ao reconhecimento da pobreza como violação de direitos humanos.
  • A desertificação de muitas regiões do País, resultante da falta de investimento público e drástica redução dos equipamentos locais de provisão de bens públicos, bem como por efeito da migração forçada de desempregados, sobretudo jovens qualificados;
  • A desmoralização das pessoas e sua crescente desconfiança face à classe política, com os inerentes riscos de enfraquecimento da coesão social e da democracia;
  • A falta de horizontes para o futuro, o que leva à desmotivação generalizada e à perda de identificação dos cidadãos e cidadãs com a comunidade nacional.
As propostas das GOP e do OE para 2013 ignoram estes problemas ou, na melhor das hipóteses, subestimam-nos, com base no pressuposto ideológico, mas sem verificação empírica nem sustentação científica, de que, uma vez readquiridos níveis de equilíbrio das contas públicas e das contas com o exterior, funcionarão os automatismos do mercado e, então, se inverterá o actual ciclo económico. Insistimos em que um tal raciocínio é erróneo e, mesmo que fosse correcto, nada poderia justificar o sofrimento infligido, hoje, a largos estratos da população.
7. Reconhecemos que, nas presentes circunstâncias, não podem deixar de ser devidamente ponderadas as importantes restrições derivadas das seguintes condicionantes externas: o memorando da troika; a situação económica e política na Europa e, mais particularmente, na zona euro; a desregulação do sistema financeiro internacional; a globalização e o poder das empresas transnacionais na deslocalização das empresas e na desestruturação das economias locais e nacionais.
Admitir estas condicionantes não significa, porém, tomá-las como inevitabilidades. Defendemos que Portugal deve assumir, com maior determinação, o seu papel de estado-membro nas instâncias mundiais e comunitárias com influência na regulação do sistema financeiro.
Do mesmo modo, acreditamos que o Governo dispõe de instrumentos para renegociar o memorando de entendimento com a troika e que tal renegociação é urgente e de primordial importância.
Por outro lado, o esforço a fazer no plano externo não pode relegar para segundo plano a atenção que merecem as empresas que produzem para o mercado interno as quais são em maior número e, também, aquelas que envolvem maior volume de emprego. Se nada for feito neste âmbito, só pode esperar-se o maior aprofundamento da recessão económica e o crescimento da espiral do desemprego, duas consequências que foram grosseiramente subestimadas pelo memorando com a troika, o que, só por si, justifica a sua profunda renegociação
Combater a corrupção
8. Alguns sectores minoritários da população têm-se apropriado, indevidamente, dos recursos colectivos através de salários milionários, bónus elevados sem proporção com resultados de desempenho das respectivas empresas, ganância vertida em operações especulativas de alto risco e, não raro, cedendo à corrupção.
Não podemos esquecer que um factor de agravamento das medidas de austeridade reside no facto de que o Estado se tem mostrado tímido no combate à corrupção, à evasão e à fraude fiscal.
É sabido como a promiscuidade entre interesses privados e a causa pública parecem gozar de um estado de excepção e privilégio. Estamos perante uma situação que, para além de merecer reprovação por razões éticas, tem de ser denunciada e combatida pelo facto de constituir obstáculo ao desenvolvimento e a uma saudável vida democrática.
Parcela considerável do endividamento público entretanto acumulado deve-se às sucessivas intervenções do Estado nos bancos em dificuldade ou em risco de insolvência e em parcerias com o sector privada (ppp) que foram irresponsavelmente criadas e/ou geridas, com as quais foram celebrados acordos de consequências desastrosas para a despesa pública. Há que reparar estas situações e encontrar os melhores meios para devolver esses fundos públicos ao erário público.
Preservar e aprofundar o modelo social
9. É com perplexidade que vamos constatando que as medidas que estão a ser prosseguidas configuram a construção de um novo modelo de sociedade, que vai pôr em causa o que foi adquirido ao longo do tempo, designadamente: o respeito pela dignidade do trabalho e pelos direitos dos trabalhadores; o papel da negociação e do diálogo social e, de modo geral, a intervenção do Estado na regulação da economia e na promoção activa do desenvolvimento e do estado de bem-estar social.
Acresce que este processo de desconfiguração do estado social está a ser conduzido de forma encapotada, na ausência de um debate democrático em relação à sociedade que queremos edificar para o futuro, o que redobra a nossa justificada preocupação.
Responsabilidade das instituições comunitárias
10. Para além das responsabilidades nacionais na condução da política económica interna, há que ter presente que uma parte importante do que está a acontecer no nosso País é explicada pela desregulação do sistema financeiro mundial e pelos mecanismos de política monetária adoptados na zona euro, os quais se têm revelado inadequados para os países periféricos e têm contribuído para um agravamento das assimetrias existentes no seio da zona euro. Seria de esperar um papel mais proactivo por parte das instituições comunitárias competentes para alterar esta situação, o que até agora não tem sucedido.
Admitimos que uma acção concertada por parte dos estados membros em situação de dificuldade de financiamento das suas economias poderá contribuir para superar as actuais disfuncionalidades e afirmar, com maior realismo, o modelo social europeu tanto no interior da União como no plano mundial.
Sabemos que não é possível resolvermos sozinhos os problemas com que, presentemente, nos debatemos, designadamente os relacionados com o pagamento dos encargos com a dívida, pelo que importa reclamar uma atitude adequada, por parte dos organismos internacionais que integram a troika e, muito particularmente, por parte da União Europeia, que está vinculada a objectivos que vão muito para além dos de ordem financeira.
Espera-se do Governo que assuma uma posição negocial corajosa e bem fundamentada que defenda, sem tibiezas, os interesses do País.
Mudanças culturais
11. Por último queremos deixar um apelo a que se criem condições para promover as necessárias mudanças culturais por parte de toda a comunidade nacional e, em particular, por parte dos agentes económicos e dos responsáveis políticos (no Governo, na Assembleia da República e nas demais instituições públicas), para que se enfrente com positividade os desafios com que estamos confrontados.
Em particular, importa fomentar:
  • Uma cultura de verdade, transparência e responsabilidade social nos negócios, que inclua um maior apreço pela dignidade de cada pessoa, maior valorização das relações humanas e da cooperação na prossecução do bem comum;
  • Uma cultura que integre um maior respeito pelos valores éticos, designadamente no que concerne à subordinação da economia e das finanças à satisfação das necessidades e das justas aspirações das pessoas, ao aproveitamento responsável dos recursos existentes e à equidade na repartição dos bens produzidos;
  • Uma cultura que promova a defesa dos mais frágeis, a solidariedade aos vários níveis e a coesão social;
  • Uma cultura que valorize a democracia e a pratique nos vários níveis da vida colectiva.
12. Acreditamos que são, muitas vezes, os momentos de crise que tornam possível a passagem para um novo patamar civilizacional, conducente a melhor concretização das justas aspirações dos povos ao desenvolvimento e à justiça social. Os ventos da mudança não podem, contudo, ser dirigidos contra e à custa dos que já hoje e também no passado, estão a ser, ou foram, desapossados da sua vivência e aspirações a níveis mínimos de bem-estar.
É próprio da democracia encontrar alternativas de progresso, justiça e paz. Esperamos que seja esse o nosso futuro.
17 Outubro 2012
Grupo Economia e Sociedade*





*O Grupo Economia e Sociedade (GES) é constituído por: António Natalino Martins, Carlos Farinha Rodrigues, Cláudio Teixeira, Deolinda Machado, Elsa Ferreira, Flamínia Ramos, Henriqueta Duarte, Isabel Roque de Oliveira, João Lourenço, Manuel Brandão Alves, Manuela Silva, Maria Eduarda Ribeiro, Maria Emília Castanheira, Maria José Melo Antunes.

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