10 fevereiro 2020

Obter uma licenciatura em Portugal: de novo só para as elites?


Os alertas são preocupantes.

Por um lado, metade dos alunos do ensino superior estarão em “burn-out académico”, segundo um estudo do Professor João Maroco, do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Ou seja, estão emocionalmente exaustos devido às exigências académicas e também por não verem a utilidade prática daquilo que estão a estudar, não vislumbrando saídas profissionais que recompensem o esforço em trabalho e financiamento que lhes exige a frequência do Ensino Superior (Público, in Atlas da Saúde, 2 de Fevereiro de 2020[1]). Este estudo, feito com base em 1066 inquéritos dirigidos a alunos universitários, repete uma análise idêntica em que o mesmo autor tinha participado em 2012 e constata que, de então para cá, a situação se agravou exponencialmente.

O Público afirma, por outro lado, na sua edição de hoje, que entre 2015 e 2019 a taxa de crescimento dos alunos inscritos nas universidades e politécnicos privados suplantou a taxa de crescimento nas correspondentes instituições públicas. Consultando a informação disponível, constatamos que desde 2015, por cada 100 alunos matriculados pela primeira vez no ensino superior público, a percentagem correspondente matriculada no sector privado aumentou de 19,6 para 21,8 em 2019 (www.pordata.pt).  Aquela notícia adianta, como hipótese de explicação, que os alunos preferem suportar as propinas mais elevadas nas instituições universitárias privadas do que os custos de deslocamento e instalação mais longe de casa.

A constatação de que ambas as situações foram substancialmente agravadas com a crise económica não nos surpreende: a resultado idêntico tínhamos chegado anteriormente, concluindo então também que, entre outros factores, aqueles aspectos estavam na origem de importantes fluxos de abandono escolar no ensino superior português.

Perante isto, não pode deixar de se confrontar um governo socialista com as medidas de política educativa dirigidas ao ensino superior. Ou com a ausência das mesmas, durante toda a última legislatura.

Os diagnósticos estão sobejamente feitos e demonstrados: as taxas de inscrição no ensino superior público aumentam no ano seguinte a um reforço positivo das políticas de bolsas, de andamento altamente aleatório nos últimos anos; os alunos vêm-se queixando de há muito com a insuficiência das residências universitárias públicas, com o elevado valor das propinas sem qualquer compensação pública em contrapartida, com a dificuldade de conciliarem estudo com o emprego remunerado, indispensável para muitos deles. Não o repetiremos.

Como tem reagido a estas preocupações o governo?

A execução orçamental em educação, em percentagem do PIB, caíu sistematicamente entre 2013 e 2018; e a despesa com bolsas de acção social no ensino superior (universitário e politécnico) público tem vindo a diminuir desde 2015, enquanto o respectivo valor para as instituições privadas já recuperou e suplantou mesmo, em 2018, o valor relativo aquele mesmo ano.

As boas notícias surgidas recentemente que dão conta da intenção de diminuição do montante das propinas nos primeiros ciclos (licenciaturas), por influência e proposta de partidos mais à esquerda, bem como da reconversão apressada de edifícios públicos, como estações ferroviárias, em próximas residências universitárias, são, obviamente, de aplaudir. Assim se mostrem suficientes e cheguem a tempo. Na ausência de uma estratégia de desenvolvimento do ensino superior suficientemente robusta para se bater com as cativações e outras medidas de “finanças sãs”, sempre serão um paliativo…



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