06 outubro 2019

Com que informação votamos?


Muito trânsito na ponte 25 de Abril, ainda vai muita gente para a praia a aproveitar este bom tempo de Outono. Mau sinal para as eleições… Ou virão votar ao fim da tarde, já perto do fecho das urnas, com muitos é o que sucede.

E como votamos, com base em que ideais, ou serão ideias feitas? Como decidimos, como nos orientamos?

Ao contrário do que seria desejável, a escola – especialmente a escola pública – pouco nos ensina nesse sentido. Ela deveria formar para a cidadania e fá-lo teoricamente. Em Educação para a Cidadania (EC), disciplina não obrigatória dos 1ºs, 2ºs e 3ºs ciclos do ensino básico, o programa é tão vasto e denso, tão dominado por conceitos teóricos e abstractos, que dificilmente consegue informar, quanto mais formar, para o processo eleitoral, seu conteúdo e significado[1]. Menos ainda para a preparação que os cidadãos devem fazer, para se inteirar e informar de forma rigorosa e sistemática. Mais recentemente, o último executivo promulgou em 2016 a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania[2], para entrar em vigor no ano lectivo de 2017/2018 e visando essencialmente as escolas com autonomia e flexibilidade curriculares, através dos conteúdos de Cidadania e Desenvolvimento (CD) da área de Ciências Sociais e Humanas.  Não se consubstanciando em currículos definidos mas apenas em referenciais e perfis de formação, aqueles conteúdos deverão ser propostos aos alunos, de forma transversal e globalizante, já no 1º ciclo, assumir a forma de disciplina autónoma (CD) nos 2º e 3º ciclos do ensino básico e constituir componente do currículo desenvolvida transversalmente com o contributo de todas as disciplinas e componentes de formação no ensino secundário.[3] Também devem ser abrangidos os jovens em Escolas de Educação e Formação, caso em que se prevê “o contributo de todos os professores”.

A leitura destes referenciais e perfis assusta pela diversidade e extensão dos conteúdos e sua densidade teórica, mas sobretudo pela falta de um mínimo de reflexão e orientação pedagógicas que aqui seriam indispensáveis, antes se deixando total flexibilidade às escolas e/ou agrupamentos para levar a cabo tamanha missão. Sendo ainda cedo para se tirarem conclusões rigorosas sobre este processo, sublinhamos apenas que é esta, em linhas gerais, a oferta formativa a que têm acesso jovens que leem cada vez menos e que não adquiriram o hábito da leitura regular dos jornais e outras fontes informativas.

E os adultos, aqueles que saíram da escola há bastante tempo, maioritariamente sem aceder ao ensino secundário e à “benesse” da disciplina de Organização Política e Administrativa da Nação, de que tantos de nós, portugueses, guardamos memória, geralmente bastante má? A população adulta portuguesa, pouco escolarizada pelos padrões europeus, tem sorte quando conseguiu constituir uma cultura de trabalho, a par das competências profissionais promovidas pela experiência. Nessas situações, que hoje cada vez menos restam, partidos e sobretudo sindicatos promoviam o debate e através dele o sentido crítico, a noção da responsabilidade profissional e social, o conhecimento dos meios e factores de intervenção social e a forma de os integrar[4]. Relendo MCCormick, a propósito dos Discourses de Maquiavel, a população trabalhadora estaria então (mais) consciente não só da natureza social e de classe das eleições como também do seu próprio direito à intervenção e participação cívicas[5].

Estamos muito longe desses tempos. Para a população adulta, sobretudo a menos escolarizada, a in-formação sobre os ciclos políticos e os processos eleitorais depende então, sobretudo, da informação (quando é digna desse nome) dos órgãos de comunicação e da qualidade das intervenções que neles fazem os responsáveis políticos, através de entrevistas, debates, reportagens. A qualidade in-formativa destas actividades depende da responsabilidade conjunta dos jornalistas e dos representantes políticos: da robustez da formação profissional e ética dos primeiros, da clareza ou opacidade dos discursos dos segundos, estratégias a que obedecem, eventuais truques para esconder os esqueletos nos armários… Ora, como cada vez mais conhecemos e assistimos, estes exercícios só muito raramente vão ao fundo das grandes questões, em muitos casos nem sequer as abordam[6].

Então, a maioria da opinião pública, arrisco-me a dizer, vota da mesma forma que o compadre ou a sobrinha, por contraposição sistemática ou adesão acrítica às últimas experiências governativas, pelo que ouviu da espuma dos dias nos debates, no que foi influenciado pelas fugas de informação que – tão oportunamente… – surgem a meio do processo eleitoral e que afinal apenas contribuem para desacreditar o processo democrático. 


Fim de tarde de Outono, ainda com sol. A estas horas, com as filas da ponte, já não chegamos a tempo de votar. Deixa lá, fica-se mais um bocado e logo vêem-se os resultados pela televisão. Lembra-me de comprarmos umas bebidas a caminho e de chamar os vizinhos.





[4] Ver, por exemplo, Freyssenet M., "Peut-on parvenir à une définition unique de la qualification?", in Commissariat Général du Plan,
La qualification du travail, de quoi parle-t-on?, Paris: La Documentation française, 1978, pp 67-79. Édition
numérique, http://freyssenet.com/?q=fr/node/, 2006, 120 Ko.
[5] Mc. Cormick, J. (2001), Machiavellian Democracy: controlling elites with ferocious populism, American Political Science Review, vol 95, nº 2.
[6] Pense-se, a este respeito, na total ausência de reflexão sobre a crise do sistema como um todo, por incapacidade geral de uma visão global e integrada dos aspectos sectoriais e parcelares, por mais importantes que o sejam de per si.

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