15 março 2019

A Magia do "Novo" (2.º Episódio) - O "Novo Banco"

O poeta diz que o menino que acabara de nascer é:
— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.
— E belo porque o novo
todo o velho contagia.
João Cabral de Mello Neto, Morte e Vida Severina

O NOVO BANCO
Esclarecidas as questões essenciais acerca do aparecimento e funcionamento do Fundo de Resolução, pode, agora, compreender-se melhor o que se está a passar com o Novo Banco. Tentemos perceber de onde é que vem o problema.

O monstro em que se transformou o Banco Espírito Santo (BES) e as suas organizações satélites é de uma selvajaria inimaginável. Pouco a pouco, percebendo-se como é que lá se chegou, não se podia continuar a deixar o monstro andar à solta. E,mesmo assim, demorou-se demasiado tempo a atuar.

Em termos simplificados, pode dizer-se que o negócio de um banco consiste em ser intermediário entre aqueles que dispõem de recursos financeiros e os que os não têm, mas deles necessitam. Quando o banco reúne recursos financeiros a partir de terceiros,  fica com uma dívida perante eles. É o “Passivo” do banco. Quando pega nesses recursos e os aplica ou empresta a outros constitui, ou alimenta, o seu “Ativo”. Se tudo funcionar bem, o Ativo, quer pelo seu montante, quer pelos rendimentos que gera, deve ser capaz de poder, reembolsar o Passivo, compensar as despesas de funcionamento do Banco, pagar remunerações e ainda gerar lucros.

E pode haver problemas? Parece que não deveria haver nenhum. Pois parece, mas não é. Eles surgem quando o banco, depois de ter reunido os recursos financeiros (em grande parte depósitos), se vai entreter em gastá-los em "casinos" e outras casas de má fama, voltando para casa com os bolsos vazios. E se os bolsos estão vazios, então, os que lá meteram as suas poupanças ficam a arder, como se costuma dizer.

Haverá quem diga que se tal acontecer aqueles que se meteram com bancos que aguentem! Se perderem os depósitos que lá colocaram  ou outras aplicações que realizaram, é porque tinham dinheiro a mais do que aquilo que necessitavam para as suas despesas. Porque é que havemos de ser nós, que não temos nada a ver com isso, a pagar as suas aventuras?

Não é bem assim, porque entre os depositantes, há grandes depositantes, mas também há gente que lá colocou pequenos depósitos, que lhe confiou as poupanças que fez para a suportar as despesas da velhice. São fins que tem pouco a ver com especulação. Mais, parte substancial desses depósitos podem também ser constituídos por aplicações de instituições do Estado, a Segurança Social, por ex. Não é, por isso, coisa que não nos deva incomodar. Não pudemos, pura e simplesmente dizer: deixem lá o barco ir ao fundo!

Se era preciso intervir, qual poderia ser, então, a solução? No essencial havia duas: ou se fazia intervir o Fundo de Resolução ou se nacionalizava o banco. Comecemos pela primeira.

Quem teve que ver com a forma como o Fundo de Resolução ia resolver a questão entendeu dividir, quer o Ativo, quer o Passivo, do BES, em dois conjuntos. Relativamente ao Ativo, o primeiro conjunto seria constituído pelas aplicações anteriormente feitas pelo banco (créditos) e que se entendeu que podiam ser recuperadas. Chamam-lhe ativos não tóxicos. Do lado Passivo ficaram os depósitos, na sua quase totalidade, com exclusão, entre outros, dos ligados à família Espírito Santo.

Com estas partes do Ativo e do Passivo, constitui-se o “Novo Banco” que tem sido referido como Banco Bom (veremos mais abaixo que não é tão bom quanto isso). Para que pudesse começar a funcionar com algum conforto o Estado financiou o seu capital social com 4 900 milhões de euros. As partes que foram consideradas como tóxicas, quer do Ativo, quer do Passivo, ficaram no BES, também designado como Banco Mau (tem-se dito que o seu Ativo nem sequer dá para pagar três por cento do Passivo).

O Novo Banco, que deveria ser como um caderno limpo, veio a revelar-se como estando já bastante gatafunhado e ser tudo, menos novo. Com efeito, pouco tempo depois de  o Fundo ser criado, o Banco de Portugal (que superintende o Fundo de Resolução) suscitou que financiamentos adicionais fossem feitos ao Novo Banco, porque, afinal, também lá havia ativos tóxicos, ou ativos que não foram inicialmente considerados como tóxicos, mas que vieram a tornar-se tóxicos, ao contrário do que tinha sido dito ou previsto, anteriormente. 

O que é que poderá explicar esta mudança de clube? Não sabemos bem, mas há, pelo menos, duas explicações possíveis. A primeira é a de que no momento da criação do Novo Banco já lá havia ativos que não foram considerados como tóxicos, mas que já o eram (avaliação mal feita). A segunda é a de que, nesse momento, não havia ativos tóxicos, mas que vierem a sê-lo posteriormente. 

E porquê? Não é difícil encontrar uma explicação. É que dados os termos de funcionamento do Fundo de Resolução, quem tinha um crédito que pensava pagar ao banco, entendeu que o melhor era não pagar, porque sempre haveria alguém que pagaria por eles. Se nada lhes acontecer e está a demorar demasiado tempo a acontecer, isto é puro banditismo, tanto da parte de quem resolve não pagar, como da parte de quem deveria reprimir essa prática e não o faz. E o Lone Star não está imune a este comportamento, como veremos abaixo. Apetece perguntar: e quem concebeu o funcionamento do Fundo de Resolução não se apercebeu disto?

Entretanto, como o Fundo de Resolução não tinha lá dinheiro que chegasse para financiar a resolução, pediu-se que fosse o Estado a realizar o financiamento, o que ele fez e passou a dizer-se que o Estado fez um empréstimo ao Banco.

Levantou-se o clamor público: então é com o nosso dinheiro (Orçamento do Estado) que se vai impedir o banco de ir à falência, ficando eles a ganhar e nós a perder? Veremos que não é bem assim.

Mas a telenovela continua. Passado algum tempo entendeu-se que o Novo Banco deveria ser vendido. Estudaram-se as condições, tornou-se pública a intenção, várias entidades manifestaram-se interessadas, lançou-se um concurso e concluiu-se que, os interessados tinham “levantado a tenda”, menos um, o Lone Star (Fundo que tem pouco a ver com bancos e mais com especulação imobiliária). Governo e Banco de Portugal entenderam não se deveria esperar por outras alternativas.

Então, o Lone Star, que anda neste negócio de recuperação de bancos falidos, desde 1995, não tendo vocação para ajudar bancos e países em dificuldades, pôs as suas condições. Permito-me salientar as seguintes: ficar com o banco a custo zero, realizar uma subscrição de capital de, apenas, mil milhões de euros e obter uma garantia inicial (chamam-lhe imparidades contingentes) para um montante de quatro mil e novecentos milhões de euros, segundo a qual o Estado português, através do Fundo de Resolução, se obrigava a financiar as imparidades que se viessem a verificar, até um teto de 3900 milhões de euros. Dos restantes mil, 300 ficavam para o Fundo de Resolução e 700 para os Bancos.

E assim tem vindo a acontecer. O Lone Star não se distraiu. Não veio para o Novo Banco para perder dinheiro! Logo que surgiram imparidades, em vez de as tentar superar, apresentou a conta e assim continuará no futuro. Para o Lone Star é muito mais fácil ir buscar dinheiro ao Fundo de Resolução do que empenhar-se em superar as imparidades.

Passou a dizer-se que o dinheiro que o Estado colocava no Fundo de Resolução não era dinheiro a fundo perdido, mas um empréstimo feito ao Fundo, cujos donos (os bancos) se obrigavam a pagar com juros, num horizonte que, primeiro era de um ano ou dois e depois passou a ser de 26 anos. Tem-se afirmado que, com isto, nem um cêntimo sai do bolso dos portugueses. Canção de embalar para o Festival da Canção? Já vamos ver.

Se se continuam a verificar imparidades nos ativos do Novo Banco, quando se começou por dizer que aquilo estava tudo limpinho, então o banco bom estava, afinal, armadilhado. E como disse o Sr. Primeiro Ministro, o que saiu na rifa foi um banco mau e um banco péssimo.

A propósito do custo zero para os bolsos dos portugueses, alguma perplexidade permanece. Mesmo que os financiamentos do Estado venham a ser devolvidos num prazo de 26 anos (veremos se os bancos ainda estarão lá para o fazer), se os financiamentos feitos ao Fundo de Resolução, como tem exigido o Eurostat (responsável pelas estatísticas da União Europeia) forem contabilizados no orçamento, então isso significa que o deficit vai aumentar. E, como muito bem tem dito o Sr. Ministro das Finanças, quando o deficit aumenta, aumentam as dificuldades de financiamento da economia portuguesa, os juros ficam mais caros. 

Para além disso, o que vai para o Fundo de Resolução deixa de estar disponível para utilizações alternativas, por ex., investimentos públicos, de que a economia nacional tanto necessita. Não se esqueça, também, que a CGD também contribui para o Fundo de Resolução e, como é um banco público essas contribuições, que não são reembolsáveis,  são dinheiro perdido para os portugueses.
Todas as dificuldades enunciadas, não há ninguém que as pague a não ser os portugueses. Afinal, não é a custo zero!

Finalmente, os financiamentos do Estado ao Fundo de Resolução têm sido designados como empréstimos.  Mas se são empréstimos, porque é que o Fundo de Resolução não se financia junto do sistema financeiro como, aliás, o próprio Estatuto do Fundo o prevê? Parece-me que anda aqui gato escondido com cauda de fora!

Daqui a dois dias veremos o 3º e último episódio.

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