17 março 2019

A Magia do "Novo" (3.º e último Episódio) - Privatização ou Nacionalização?


O poeta diz que o menino que acabara de nascer é:
— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.
— E belo porque o novo
todo o velho contagia.
João Cabral de Mello Neto, Morte e Vida Severina

PRIVATIZAÇÃO OU NACIONALIZAÇÃO?

Dos resultados da privatização já falámos quanto baste. Não vale a pena imputar culpas ao Lone Star. Elas devem, antes, ser atribuídas a quem concebeu os mecanismos do Fundo de Resolução e não foi capaz (ou talvez tenha sido!) de perceber que, com os procedimentos previstos, o resultado não podia ser outro. O Lone Star apenas deles se tem vindo a aproveitar, como resultava da sua natureza.

Em vez da privatização a outra alternativa, que poderia ser utilizada, era a da nacionalização, como antes foi referido. Tem-se dito que a nacionalização teria custado ao Estado português muito mais do que o que já custou a solução da privatização. Não percebo! Talvez porque o que tem sido dito não tem sido explicado.

Eu também não sei dar as explicações, mas há perguntas que têm de ser feitas. Em primeiro lugar, porque é que a nacionalização deveria custar mais ao Estado do que custou a privatização? O Lone Star pagou zero para ficar com 75% do Novo Banco. Porque é que o Estado deveria pagar, a si próprio, mais? Só se for por causa dos 1 000 milhões de euros que lá foram injetados pela Lone Star, mas isso não foi grande coisa para quem ficou com 75% do capital e, desse modo, com poder para conduzir as orientações estratégicas do banco. 

Ora, dado o seu currículo, o Lone Star em vez de tentar recuperar ativos tóxicos, terá é interesse em que eles se desvalorizem, porque sabe que, sem custo para ele, o Fundo de Resolução lá meterá o dinheiro que for necessário para compensar a sua desvalorização e, depois, poderá proceder à venda dos ativos ao desbarato. Isto é, as habilidades de gestão fraudulenta que vier a praticar continuam a custar zero ao Lone Star.  Se o banco tivesse sido nacionalizado era possível admitir que, com uma gestão mais criteriosa, as perdas da desvalorização não se teriam verificado.

Tem-se invocado como argumento contra a nacionalização as dificuldades que a União Europeia poderia colocar à implementação desta solução. Não se percebe porque é que haveria de colocar dificuldades a Portugal, quando não as colocou em outros países, por ex., em Itália, com a recapitalização do banco Monte dei Paschi di Siena. Para além disso, a nacionalização, dadas as condições em que se fez a partição do BES, só poderia ser, segundo Bruxelas, uma nacionalização transitória, logo, envolvendo menos dificuldades do que se tratasse de uma nacionalização definitiva.

Poderá ser invocada uma outra dificuldade que tem a ver com a possibilidade da intervenção do Fundo de Resolução, no caso da nacionalização. Haverá quem argumente que o Fundo de Resolução pode fazer financiamentos ao banco no caso da Lone Star, mas não o pode fazer no caso da nacionalização. Não sei se há alguma restrição de Bruxelas ou de Frankfurt sobre esta matéria, mas o que é certo é que não se compreende porque é que o Fundo de Resolução (de que é dono o nosso sistema financeiro) haveria de financiar o banco (que é um Fundo, que tem sido designado como abutre) quando ele é privado e não o pode fazer quando quem compra é o Estado.

Mas há mais. Não se pode dizer que é despiciente o banco poder ser considerado como um centro de decisão nacional ou não. É bom não esquecer que o BES e depois o Novo Banco constituem uma das principais fontes de financiamento do tecido produtivo nacional, nomeadamente das pequenas e médias empresas. Na tradição das intervenções do Lone Star, se este vier a alterar a sua estratégia, numa fase da economia portuguesa, em que necessitamos de recuperar e acelerar a atividade das empresas, vamos ter um grande problema. Depois queixem-se de que a economia não recupera!

Dito isto, pode-se-lhe chamar tudo, mas Novo, como na “Morte e Vida de Severina”, é que não.

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