23 abril 2018

O que deveríamos saber quando falamos de descentralização

A descentralização tem sido objeto de notícias recentes que surgem na sequência da celebração de um acordo entre o partido do governo e o principal partido da oposição. São notícias que só podem ser consideradas bem-vindas, não tanto por causa do acordo, mas porque ele cria oportunidade para se aprofundar o conteúdo e a vivência da descentralização.
Esse aprofundamento só poderá acontecer se o ponto de partida tiver uma fundamentação com bases rigorosas e seguras. De outro modo, os processos de descentralização que se pretende implementar podem servir para enfeitar ativismos e vaidades, mas não passarão disso. Ora, com o que já se conhece parece que nem tudo o que deveria ter sido acautelado, o foi. Vejamos porquê.
Importa revisitar os fundamentos e deles retirar as conclusões que encerram. A âncora principal da descentralização reside na convicção generalizada de que os processos de tomada de decisões são mais eficientes (menores custos para realizar os mesmos objetivos) e geram situações de melhor bem-estar, se se desenvolverem na “proximidade” dos cidadãos. Partindo deste pressuposto foi enunciado o princípio da subsidiariedade que é, habitualmente, apresentado como sendo fundador da descentralização. De que se trata?
O princípio da subsidiariedade diz uma coisa muito simples: numa hierarquia de tomada de decisões nenhuma deve ser tomada a um nível superior se o pode ser melhor a um nível inferior. Se assim for, maximizar-se-á a proximidade aos cidadãos, a eficiência e o bem-estar.
Só que o que é aparentemente simples está rodeado de numerosas indeterminações. Elas são, no entanto, suscetíveis de ser superadas. Para o conseguirmos muito lucraríamos se, apesar das nossas especificidades, fossemos capazes de estar atentos às experiências sedimentadas de muitos outros países, nomeadamente europeus.
As indeterminações andam à volta do que é que é um “nível” e do que é ser “melhor”. Um nível é determinado por uma escala espacial. Por isso, o nível municipal é inferior ao regional e este ao nacional. A avaliação do que é ser melhor não tem conteúdo completamente objetivo. Depende dos consensos que os cidadãos, em cada comunidade, obtiverem em torno de objetivos.
Daqui decorre que se uma decisão tomada a um nível inferior o não for de modo eficiente a esse nível e o puder ser a um nível superior (regional, por ex.) então ela estará mais próxima dos cidadãos se for tomada a nível regional e não a nível municipal. Como se vê, a noção de proximidade, contrariamente ao que é vulgarmente entendido não tem, apenas, um conteúdo de distância física, mas também, o de eficiência.
Há um critério que permite determinar o nível (a escala) adequado para a tomada de decisões. Esse critério é o da ”área de influência” das decisões tomadas. Se essa área for superior à de um município então ela não pode ser tomada de forma eficiente a esse nível e deverá ser tomada por um nível superior. Insistir, a todo o transe, na municipalização das decisões como forma de concretizar a descentralização não conduz a outra coisa que não seja ao desperdício de recursos.
Bem sei que todos os processos de mudança institucional, como o é este, devem ser implementados de forma gradual, mas isso não significa que, por ex., em primeiro lugar se deva organizar o nível municipal e depois o regional. Os processos de organização, num e noutro, são complementares e mais uma vez se pode dizer que realizar um sem o outro se traduz em desperdício de recursos. Não é por nele menos se falar que o desperdício deixa de existir.
Todos os indicadores nos parecem dizer que estamos a ficar mais ricos e mesmo assim muitos apelam à necessidade de reformas estruturais só que se esquecem de dizer que as reformas estruturais que invocam são as suas, que podem ser diversas das que são exigidas para se atingirem objetivos diferentes dos seus. Bom seria que a reforma dos processos espaciais de tomada de decisões, incluindo os do nível regional, fosse rapidamente considerado como reforma estrutural urgente.

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