07 abril 2018

O pensamento económico vítima da sua própria histerese


A Economia ensina-nos que, em termos agregados e a seguir a um processo de recessão, raramente os indicadores económicos regressam aos níveis anteriores aos da crise e, quando o fazem, levam normalmente bastante tempo a recuperar as perdas. Esta é, talvez, a forma mais simples de introduzir o conceito de histerese. Aplica-se à retoma dos níveis de emprego, nos mercados de trabalho, da recuperação do investimento líquido e de substituição ou, ainda, da reutilização da restante capacidade produtiva excedentária, fenómenos que, cumulativa ou isoladamente, tendem a ocorrer após as crises e recessões. Como é evidente, a admissão da existência de histerese coabita mal com as hipóteses de reajustamento e reequilíbrio automáticos dos mercados mas hoje poucos economistas, mesmo os mais convencionais, se atrevem a negar a sua verificação.

De forma coincidente, também o pensamento económico dominante tende a persistir, mau grado a desautorização que as crises vêm trazendo à maioria das suas hipóteses teóricas. Muitos dos pensadores de referência, economistas e colectivos de alunos de Economia críticos do mainstream têm mesmo vindo a considerar que aquela resiliência constitui uma das principais surpresas a que se assiste no rescaldo da última grande crise da economia.
Muito avisadamente, em entrevista reproduzida na última newsletter do Institute of New Economic Thinking (ver aqui) Pasinetti explica-nos por que razão tal sucede. Antes de mais, convém perceber que os jovens economistas – na Itália, mas não só – têm pouco ou nenhum contacto com abordagens plurais e alternativas ao neo-clacissismo nos actuais programas de formação da maioria das universidades, como é bem conhecido. É certo que múltiplas iniciativas de estudantes, jovens investigadores e docentes, críticos do pensamento económico dominante, têm vindo a ocorrer, especialmente depois da recente crise[1]. Objecto de numerosas acções de divulgação e de debate académico nos dias que correm, dificilmente as mesmas passam despercebidas.

No entanto, a academia resiste.

Uma das principais razões para isso decorre, também ela, da globalização. O conhecimento, actualmente o principal factor de produção – e de concorrência – é tão mais facilmente apropriado, divulgado, transferido e comparado quanto mais homogénea for a sua codificação. A concorrência internacional, jogo de forças em permanente recomposição mas sempre a favor dos interesses dominantes, joga em prol do conhecimento aceite como bom, certificado e normalizado, o conhecimento oficial, nas palavras de Michael Apple. Ou seja, o conhecimento resultante do pensamento “sancionado” e, como tal, acreditado internacionalmente, certificado e pseudo legitimado através de rankings internacionais de instituições de ensino superior, por exemplo. E, também, através de revistas internacionais como as que integram as categorias A dos repertórios bibliométricos acreditados para efeitos de publicação científica.

Conhecimento cuja reprodução interessa, pois, assegurar.

Assim, se explica a inércia dos programas de formação em disciplinas básicas das licenciaturas em Economia, concebidos e ministrados por docentes cuja avaliação e progressão na carreira dependem fundamentalmente da publicação de artigos nas condições acima descritas. Artigos que, como refere Pasinetti, muitas vezes nem chegam a ser lidos pelos painéis de avaliação, já que a simples publicação em tais revistas serve de credencial bastante.

E, no entanto, valeria bem a pena levar a cabo uma investigação mais detalhada a grande parte do material assim publicado e também ao que fica de lado porque não conforme aos cânones das publicações de referência. Constatar-se-ia, então, o enorme desperdício que assim se produz de resultados de investigação pertinente para as realidades concretas das sociedades em que tem origem[2].



[1] Mas ainda antes, devido a trabalhos precursores como os de J.-P. Fitoussi no movimento Autisme-Économie (http://www.autisme-economie.org/rubrique1.html). Ver também movimentos Rethinking Economis e Reteaching Economics (http://www.rethinkeconomics.org/, http://reteacheconomics.org/), para além de contributos regulares do Institute of New Economic Thinking, já referido.

[2] Ver, por exemplo, Chagas Lopes, M. & Fernandes, G. (2018). Research Evaluation, Bibliometric Indicators and Impacto n Knowledge Development The IUP Journal of Knowledge Management, vol. XVI (1).


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