17 setembro 2016

A Politicização do Conhecimento: um debate urgente

Este é um dos temas objecto de discussão em vários encontros e reuniões científicas, nacionais e internacionais. A ele, e a temas afins, foram dedicados diversos painéis na recente Conferência Anual do European Consortium on Political Research (ECPR), realizada na Universidade Carlos, de Praga, entre 7 e 11 de Setembro corrente (endereço da página oficial: https://ecpr.eu/Events/EventDetails.aspx?EventID=95).

A preocupação com aquela tendência tem vindo a ser manifestada cada vez mais pelos investigadores, alunos e docentes universitários, mas também pelos responsáveis pelas políticas de investigação e desenvolvimento e científica e tecnológica, que receiam o crescente condicionalismo e perda de autonomia científica que se lhes tem vindo a associar[1].

E porquê? Essencialmente por dois tipos de razões. Por um lado, a crescente concorrência internacional entre universidades e centros de investigação, bem como os rankings sucessivamente produzidos em apoio a um tal processo, se bem que revelando alguns aspectos positivos, pouco mais constituem do que alguns dos sinais mais significativos da globalização sem regras, que pouco respeita a experiência e os valores nacionais. Sendo o conhecimento cada vez mais um instrumento de poder (Apple, 2014)[2], convém à grande decisão internacional que ele sirva os seus desígnios, conformando-se o mais possível com o pensamento e ideologias dominantes. A esse fim se vêm prestando os processos de acreditação internacional de programas universitários; estes procedem, em geral, a uma verdadeira homogeneização e formatação dos conteúdos por áreas disciplinares mas também dos modelos de avaliação, gestão e dos próprios missão e valores das instituições de ensino e investigação que se candidatam (Rust & Kim, 2016)[3].

Se este aspecto constituí um dos principais obstáculos ao pensamento crítico e ao desenvolvimento de uma cultura científica efectivamente democrática, a ele se têm vindo a associar os impactos da crise económica e financeira, ou melhor, da forma como ela tem sido gerida em muitos países. A escassez de fundos decorrente da crise e, sobretudo, a inversão de prioridades a que vieram a proceder muitos governos de inspiração neo-liberal, subordinando quase todos os domínios à prioridade de cumprimento do défice público, introduziram mudanças drásticas nas anteriores políticas do conhecimento de inspiração democrática. Assim é que agências nacionais para as políticas de ciência e tecnologia, como a portuguesa FCT, se prontificaram a implementar a visão pró-cíclica do governo de centro-direita, intensificando-se os cortes de financiamento nos domínios científicos muito para além do que a troïka tinha vindo a impor. Por outro lado, os processos concursais enveredaram então, de forma aberta, por um enviesamento de selecção a favor dos projectos conducentes a resultados vendáveis, especialmente através do grande negócio internacional. E assim, à medida que o conhecimento se veio tornando cada vez mais uma mercadoria (Brown, 2016)[4], hierarquizavam-se objectivamente os diversos domínios científicos, com resultados especialmente drásticos para as Ciências Sociais e Humanidades. Talvez por serem estes os domínios de génese do pensamento crítico… ?!

Apresentámos uma breve reflexão[5] sobre estes aspectos à Conferência inicialmente referida.




[1] Relativamente ao processo crítico em Portugal, no período do anterior executivo, ver, por exemplo, o Público, edição de 18 de Janeiro de 2014, em https://www.publico.pt/ciencia/noticia/ciencia-em-tempos-de-crise-1620237.
[2] Apple, M.W. (2014, 3rd. ed.). Official Knowledge – Democratic education in a conservative age. New York: Routledge.

[3] Rust, V., & Kim, S. (2016). Globalisation and new developments in global university rankings. In Globalisation and Higher Education Reforms (pp. 39-47). Springer International Publishing.
[4] Brown, Mark, B. (2015). Politicizing science: Conceptions of politics in science and technology studies. Social Studies of Science, 2015, Vol 45(1), 3-30
[5] Em comunicação cujo texto pode ser lido em http://ecpr.eu/Events/PaperDetails.aspx?PaperID=29345&EventID=95

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