Este
é um dos temas objecto de discussão em vários encontros e reuniões científicas,
nacionais e internacionais. A ele, e a temas afins, foram dedicados diversos
painéis na recente Conferência Anual do European Consortium on Political
Research (ECPR), realizada na Universidade Carlos, de Praga, entre 7 e 11 de
Setembro corrente (endereço da página oficial: https://ecpr.eu/Events/EventDetails.aspx?EventID=95).
A
preocupação com aquela tendência tem vindo a ser manifestada cada vez mais
pelos investigadores, alunos e docentes universitários, mas também pelos
responsáveis pelas políticas de investigação e desenvolvimento e científica e
tecnológica, que receiam o crescente condicionalismo e perda de autonomia
científica que se lhes tem vindo a associar[1].
E
porquê? Essencialmente por dois tipos de razões. Por um lado, a crescente
concorrência internacional entre universidades e centros de investigação, bem
como os rankings sucessivamente
produzidos em apoio a um tal processo, se bem que revelando alguns aspectos
positivos, pouco mais constituem do que alguns dos sinais mais significativos
da globalização sem regras, que pouco respeita a experiência e os valores
nacionais. Sendo o conhecimento cada vez mais um instrumento de poder (Apple,
2014)[2], convém à grande decisão
internacional que ele sirva os seus desígnios, conformando-se o mais possível
com o pensamento e ideologias dominantes. A esse fim se vêm prestando os
processos de acreditação internacional de programas universitários; estes
procedem, em geral, a uma verdadeira homogeneização e formatação dos conteúdos
por áreas disciplinares mas também dos modelos de avaliação, gestão e dos
próprios missão e valores das instituições de ensino e investigação que se
candidatam (Rust & Kim, 2016)[3].
Se este aspecto constituí um
dos principais obstáculos ao pensamento crítico e ao desenvolvimento de uma
cultura científica efectivamente democrática, a ele se têm vindo a associar os
impactos da crise económica e financeira, ou melhor, da forma como ela tem sido
gerida em muitos países. A escassez de fundos decorrente da crise e, sobretudo,
a inversão de prioridades a que vieram a proceder muitos governos de inspiração
neo-liberal, subordinando quase todos os domínios à prioridade de cumprimento
do défice público, introduziram mudanças drásticas nas anteriores políticas do
conhecimento de inspiração democrática. Assim é que agências nacionais para as
políticas de ciência e tecnologia, como a portuguesa FCT, se prontificaram a
implementar a visão pró-cíclica do governo de centro-direita, intensificando-se
os cortes de financiamento nos domínios científicos muito para além do que a
troïka tinha vindo a impor. Por outro lado, os processos concursais enveredaram
então, de forma aberta, por um enviesamento de selecção a favor dos projectos
conducentes a resultados vendáveis, especialmente através do grande negócio
internacional. E assim, à medida que o conhecimento se veio tornando cada vez
mais uma mercadoria (Brown, 2016)[4], hierarquizavam-se
objectivamente os diversos domínios científicos, com resultados especialmente
drásticos para as Ciências Sociais e Humanidades. Talvez por serem estes os
domínios de génese do pensamento crítico… ?!
Apresentámos
uma breve reflexão[5]
sobre estes aspectos à Conferência inicialmente referida.
[1]
Relativamente ao
processo crítico em Portugal, no período do anterior executivo, ver, por
exemplo, o Público, edição de 18 de Janeiro de 2014, em https://www.publico.pt/ciencia/noticia/ciencia-em-tempos-de-crise-1620237.
[2]
Apple, M.W. (2014, 3rd. ed.). Official
Knowledge – Democratic education in a conservative age. New York:
Routledge.
[3]
Rust, V., & Kim, S.
(2016). Globalisation and new developments in global university rankings. In Globalisation and Higher Education
Reforms (pp. 39-47). Springer
International Publishing.
[4]
Brown, Mark, B. (2015). Politicizing science: Conceptions of
politics in science and technology studies. Social Studies of Science, 2015, Vol 45(1), 3-30
[5] Em comunicação cujo
texto pode ser lido em http://ecpr.eu/Events/PaperDetails.aspx?PaperID=29345&EventID=95.
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