22 outubro 2015

Os objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e o impacto desestabilizador da riqueza extrema



A aprovação pelos países membros das Nações Unidas   de um novo plano de acção ( ODS)  para erradicar a pobreza “ nas sua múltiplas  manifestações e em todo o lado” até 2030, foi justamente saudada como manifestação da consciência mundial de que é urgente actuar, de forma programada, com vista a atingir aquele objectivo.

Um sinal de esperança, sem dúvida, que a todos convoca para que, como declarou o Papa Francisco na ONU  “não nos limitemos ao exercício burocrático de redigir uma longa lista de bons propósitos (metas, objectivos, indicadores estatísticos) ou a julgar que uma solução teórica, única e apriorística, dará resposta a todos os desafios”.

Disse ainda o Papa que, para que os homens e mulheres se libertem da pobreza é necessário permitir-lhes que sejam actores do seu próprio destino e denunciou como nefasta a irresponsável má gestão da economia mundial, guiada unicamente pela ambição do lucro e do poder.

Á luz destas considerações, é necessário que olhemos a pobreza não como uma doença a erradicar com a prescrição de remédios a tomar pelos pobres, mas, antes, avaliar a forma como tem sido orientada a economia mundial e quem dela  tem beneficiado. Muitos têm denunciado as crescentes desigualdades na apropriação dos ganhos do crescimento , sendo ilustrativo o facto de, nos últimos anos, 95% desse ganho ter sido apropriado pelos 40% mais ricos.

Se é verdade que na vigência do anterior programa das Nações Unidas, os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), a pobreza global, com referência à situação em 1990, foi reduzida a metade, as disparidades inter e intra países são ainda muito grandes e não param de crescer.

Não se pode atribuir a persistência da pobreza mundial ao fraco crescimento do PIB: desde 1990 este cresceu 271%, e, apesar disso, o número de pessoas que vivem com menos de 5 dólares por dia e o número de pessoas atingidas pela fome aumentou de 10% e 9%, respectivamente.

Acelerar o crescimento do PIB, para além de contrariar objectivos ambientais, não é a forma de combater a pobreza.

Neste sentido é muito pertinente a análise desenvolvida na World Economic Review por David Woodward[1], que entende ser irrealista a erradicação da pobreza na vigência dos ODS. Com efeito, ele estima que a erradicação não ocorrerá senão dentro de 100 anos, considerando o limiar de 1,25 dólares por dia, e apenas dentro de 200 anos se estiver em causa o limiar de 5 dólares por dia, partindo de pressupostos que considera  optimistas.

Transcrevemos parcialmente as conclusões deste trabalho:

“ O único caminho viável para erradicar a pobreza partindo de uma definição correcta e dentro de um calendário mínimamente razoável, é melhorar a relação entre o crescimento económico global e a pobreza e fazer isto muito mais depressa e mais eficazmente do que o alcançado ao longo dos últimos vinte anos.
Tal significa deslocar a nossa atenção do crescimento económico global em si mesmo para a melhoria da distribuição dos benefícios da produção global e do consumo”.

E ainda, “ se queremos erradicar a pobreza no tempo de vida dos nossos filhos ou netos ... parece haver poucas alternativas senão ir para além de soluções cumulativas, tais como o apoio ao desenvolvimento e alívio da dívida, para reapreciar, fundamentalmente, a nossa visão global sobre o desenvolvimento e a economia global, e proceder às alterações que possam ser necessárias para atingir aquele objectivo”.

O mesmo caminho de exigência e rigor pode ler-se num artigo de Zoe Williams, publicado no The Guardian de 19 de Outubro com o sugestivo título “Poverty goals? No, it’s extreme wealth we should be targeting”.

Escreve a autora que “ se o problema que se coloca à economia do Reino Unido tivesse sido identificado como sendo o dos impactos desestabilizadores da riqueza extrema, quanto tempo teria decorrido até que os ricos tivessem sido sujeitos a escrutínio?”

Refere ainda  a atenção que não tem sido prestada a certas políticas (acordos comerciais injustos, apropriação de terras, relações de dívida estrutural, privatizações, evasão fiscal),  assim se alimentando  a ideia de que a pobreza não é culpa de ninguém, enquanto que, na realidade, “ a pobreza não é um germe ou um vírus que aparece naturalmente; ela é antropológicamente criada através da apropriação da riqueza”.

E conclui: “Desde a aurora da riqueza, levantar questões sobre os ricos tem sido retratado como inveja; levantar questões sobre os pobres é considerado útil e digno de simpatia, moral e dirigido à solução do problema. Mas nenhum problema pode ser resolvido enquanto as instituições políticas não reconheçam que a pobreza tem uma causa”.


[1] Incrementum ad Absurdum: Global Growth, Inequality and Poverty Eradication in a Carbon-Constrained World

2 comentários:

  1. Pois é, - e comento o último período - mas as instituições políticas só o reconhecerão quando resultarem (por exemplo, parlamentos e governos, na sua acção) de uma relação de poder diferente da actualmente dominante. E para isso também é preciso que - na linha do que diz hoje no PÚBLICO Fernando Belo - os economistas se convençam, e convençam os outros, de que os critérios de decisão para uma partilha justa são "...políticos, de concertação ou de luta social...".

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  2. Ficar à mercê de quem muito bem calhar pode ficar muito caro!!!
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    Um exemplo: a construção de 'elefantes brancos' (ex: as auto-estradas 'eh-olha-lá-vem-um') criou postos de trabalho... todavia, no entanto... o dinheiro sugado à economia - através dos impostos - para pagar a dívida contraída na construção de 'elefantes brancos'... provoca a destruição de muitos mais postos de trabalho do que aqueles que foram criados na construção dos 'elefantes brancos'!
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    O CONTRIBUINTE TEM QUE SE DAR AO TRABALHO!!!
    -> Leia-se: o contribuinte tem de ajudar no combate aos lobbys que se consideram os donos da democracia!
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    ---»»» Democracia Semi-Directa «««---
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    -> Votar em políticos não é (não pode ser) passar um cheque em branco isto é, ou seja, os políticos e os lobbys pró-despesa/endividamento poderão discutir à vontade a utilização de dinheiros públicos... só que depois... a ‘coisa’ terá que passar pelo crivo de quem paga (vulgo contribuinte).
    —> Leia-se: deve existir o DIREITO AO VETO de quem paga!!!
    [ver blog « Fim-da-Cidadania-Infantil » (http://fimcidadaniainfantil.blogspot.pt/)]

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