03 novembro 2014

Orçamento de Estado, Orçamento de Tesouraria ou Conta de Caixa?

Como se sabe, o Orçamento de Estado para o ano de 2015 acaba de ser aprovado, na generalidade, na Assembleia República. No passado, a preparação e discussão do Orçamento do Estado eram acompanhadas no país com enorme atenção, cuidado e preocupação. Hoje também o é, mas por razões completamente diversas.
O que é que motivava que no passado a discussão do Orçamento mobilizasse tantas atenções? O Orçamento era o documento em que o Governo, em nome do Estado, previa quais iriam ser as suas receitas e despesas para o ano seguinte. Digamos, no entanto, que esta leitura corresponde, apenas, a avaliar o conteúdo da prenda através do que mostra o papel de embrulho.
De fato a prenda, o Orçamento, era muito mais que o papel de embrulho, do que a listagem de receitas e despesas. Com efeito, as receitas e as despesas do Estado não valiam apenas por si mesmas mas, antes de mais, pelas decisões que lhe estavam subjacentes, tanto nos domínios, social, económico, como no financeiro e pelas consequências que geravam.
O que é que diferencia esta conceção do Orçamento da que vemos estar, hoje, a prevalecer? Antes da invasão liberalizante que teve e tem como objetivo, entre outros, a destruição de todas as funções do Estado, que não sejam as funções de soberania, entendia-se, e bem, que tanto a iniciativa privada, como a iniciativa pública, não eram mutuamente exclusivas, isto é, que as decisões tomadas numa, ou noutra, tinham consequências cruzadas. Porventura, de forma mais visível e incisiva considerava-se, como não podia deixar de ser, que as decisões do Estado condicionavam o comportamento dos outros agentes, ajudando-os a otimizar a gestão das suas decisões.
A razão decorre do fato de que as decisões dos agentes privados não são mutuamente independentes; geram externalidades, entre si, que eles não são capazes (porque tal lhes é impossível) de superar sozinhos. É a intervenção do Estado que vai permitir que, tanto as externalidades positivas, como as negativas, sejam geridas de modo a otimizarem as decisões de todos os agentes.
É, assim, em termos genéricos, em tudo o que deva ser considerado como condições infraestruturais do desenvolvimento: financiamento, transportes e comunicações, ambiente, ocupação do território, etc. As opções orçamentais constituíam como que o farol orientador das opções que os agentes económicos e sociais deveriam tomar.
O Orçamento possuindo uma base essencialmente anual não podia, contudo, deixar de transparecer compromissos plurianuais, por um lado, porque os impactos das decisões executadas num determinado ano têm consequências que só se manifestam um ou vários anos mais tarde; por outro, porque muitas decisões tomadas possuem tempo de execução que é plurianual. É, por isso que, cada vez mais, as componentes plurianuais dos orçamentos anuais vinham assumindo maior relevância nos orçamentos anuais, a ponto de se começar a falar de orçamentos plurianuais.
A criação da figura das Grandes Opções do Plano mais não era do que um forma de dar conteúdo a esta preocupação da plurianualidade. Infelizmente, como sabemos, as Grandes Opções do Plano, hoje, mais não são do que papel de mercearia com que se embrulha o Orçamento.
O Orçamento que, assim, constituía um componente indispensável da máquina que era motor da economia transformou-se, através da destruição do Estado (e assim se vai procedendo á reforma do Estado!), num mero Orçamento de Tesouraria, que prevê, apenas, fluxos financeiros de curto prazo. Não raro se descobre nos nossos governantes comportamentos que reduzem o Orçamento a uma simples Conta de Caixa em que se consideram, apenas, os fluxos financeiros imediata, ou quase imediatamente disponíveis.
Nestas circunstâncias, outra coisa não podemos esperar senão o definhamento da economia. Quando esta mostra alguns sinais de erupção positivos, a contrapartida tem sido a degradação da situação social do país e o comprometimento do seu desenvolvimento no futuro. Recorde-se por ex. a notícia, de há 2 ou 3 dias, em que a qualificação dos trabalhadores portugueses era situada, no conjunto dos países europeus, no fundo da tabela, quando ainda há relativamente poucos anos, apresentavam níveis de qualificação considerados muito mais auspiciosos.

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