02 junho 2013

É espantoso ! (um apontamento)

A semana que agora termina foi fértil em acontecimentos com importante significado político. Refiro-me, em particular, a duas conferências, ambas realizadas no passado dia 30: uma, que foi dinamizada pelo Dr. Mário Soares e teve lugar na Aula Magna da Reitoria da Aula Magna da Universidade de Lisboa, intitulada “Libertar Portugal da austeridade” (ver aqui e aqui) e a outra, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), para apresentar e discutir um importante estudo com o título “25 Anos de Portugal Europeu” (ver aqui).
 
Vem este apontamento a propósito de um episódio verificado durante as intervenções havidas durante a Conferência da iniciativa da FFMS. Um dos convidados a realizar uma intervenção foi o Prof. Elísio Estanque, que comentou o estudo, destacando três pontos: o dinamismo da realidade económica; os aspetos relevantes para um projeto de desenvolvimento e modernização do país (educação, inovação, investigação e desenvolvimento) e, o trabalho e a atividade produtiva.
Durante o seu comentário o Prof. Elísio Estanque teve o cuidado de explicitar o enquadramento político da intervenção, bem como os pressupostos políticos de cada um dos pontos abordados.
Durante o período de debate, um participante entendeu pôr algumas questões aos vários intervenientes e, simultaneamente, explicitar que passava por cima da intervenção do Prof. Elísio Estanque, porque ela era politicamente “marcada”.
É este o meu ponto (como parece que agora se deve dizer), que quero comentar. Em discussões deste tipo há quem faça a distinção entre intervenções de cariz essencialmente técnico e intervenções de cariz predominantemente político, para daí retirar a ilação de que as intervenções de cariz predominantemente político não têm relevância, porque lhes falta o suporte técnico que as permitiria fundamentar.
Trata-se de uma ilação que é um completo “non-sens”, uma vez que todas as intervenções ditas técnicas, têm pressupostos políticos e ideológicos, independentemente de eles terem ou não sido explicitados.
Esta falta de explicitação é, a maioria das vezes, um propósito deliberado, mais parecendo que se atua como um lobo revestido com capa do arcanjo. É o que tem vindo a acontecer com a maioria dos estudos técnicos elaborados, por equipas competentíssimas (?), para fundamentar políticas, em geral de direita, e que têm subjacentes princípios de liberalismo económico. Naturalmente que estes comentários nada têm a ver com o estudo dos “25 Anos do Portugal Europeu”. Inversamente, uma decisão política só tem sustentabilidade se puder ou tiver sido tecnicamente fundamentada.
Os apontamentos anteriores não podem deixar de colocar a questão de saber qual é o papel da técnica, na política. Qualquer estudo técnico tem, como se disse anteriormente, pressupostos de natureza ideológica, ou política. O estudo tem como objetivo fundamentar decisões que devam, ou não devam, vir a ser tomadas. No entanto, o estudo só é útil para o decisor, se os seus resultados forem capazes de explicitar cenários alternativos, sobre os quais, tendo em conta um juízo de oportunidade, os políticos decidem, escolhendo o que consideram mais ajustado para o benefício dos seus representados. Este juízo de oportunidade é uma prerrogativa dos políticos. Os técnicos, não podem invocar o rigor dos seus estudos para justificarem uma opção política.
Assim, é tão lamentável que se diga que um estudo está imbuído de pressupostos ideológicos, na tentativa de o desvalorizar, como que se afirme que é politicamente neutro, com o propósito de lhe dar maior credibilidade. Inversamente, são pouco credíveis as opções políticas que não sejam capazes de demonstrar a sua viabilidade ou sustentabilidade técnica.
Mostra-se, deste modo, que a técnica e a política são complementares, embora a primeira deva estar subordinada aos ditames da segunda.

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