06 março 2013

Desemprego estrutural – que futuro?

Muito recentemente, acordaram, o governo e a União Europeia, para a necessidade de relançar a economia, reconhecendo que, afinal, a receita da austeridade não levava a bom porto e era responsável por uma subida sem precedentes dos níveis de desemprego em Portugal: 17,6% em Janeiro deste ano de 2013!

Admitindo que vão ser criadas condições para que aquela intenção se materialize, é importante que ela seja enquadrada por uma escolha criteriosa e socialmente defensável do tipo de desenvolvimento que se perspectiva para o longo prazo e não se resuma a um somatório de medidas avulsas.

Espera-se também que os novos postos de trabalho a criar o sejam em condições de poderem corresponder a Trabalho Digno, nos termos definidos pela OIT, como é nosso compromisso e da União Europeia.

A elevadíssima taxa de desemprego jovem justifica que se procurem minimizar os seus impactos, mobilizando os meios financeiros e os incentivos para a reduzir.

Em todo o caso, também muito preocupante e difícil de combater, é o desemprego de longa duração, podendo acontecer que ele se perpetue, aumentando a dimensão do desemprego estrutural pre - existente à crise, com graves consequências pessoais e sociais.

Não é este um fenómeno exclusivamente português: o desemprego estrutural tem vindo a aumentar ao longo dos últimos 25 anos, não se prevendo que a simples retoma económica seja capaz de o absorver.

Várias são as causas responsáveis por esse aumento, sobressaindo a crescente automação que o progresso tecnico tornou possível, dando impulso a actividades de alto valor acrescentado, mas pouco dependentes do trabalho assalariado.

A escolha de um ou outro sector a privilegiar no estímulo à economia, mais ou menos permeável à automação, não é, portanto, indiferente.

Há que reconhecer, é certo, que sem a automação dificilmente algumas actividades económicas teriam futuro, para além de que ela também tem contribuído para tornar menos penoso o trabalho humano.

No entanto, aceitá-la não é o mesmo que tomar como inevitável conviver com o elevado desemprego estrutural que ela alimenta, ou aceitar, sem crítica, algumas teses conhecidas.

De facto, está longe de ser consensual a corrente de pensamento (por exemplo, David Autor citado em The Economist de 2 de Março de 2013 no artigo intitulado Robocolleague(1) ) que afirma que a automação, ao mesmo tempo que destroi empregos, cria outras oportunidades, nomeadamente para o trabalho menos rotineiro, que requer improvisação ou trabalho intuitivo. Para além de defender que, mesmo para tarefas rotineiras, existirá a possibilidade de optar por processos menos autonomizados, desde que a mão de obra seja abundante e barata.

Mas a realidade mostra que é optimista esta opinião, pois até a China está a avançar na automação industrial...

Outras correntes têm uma outra visão do problema, como é, por exemplo, defendido por Robert Skidelsky em The Rise of the Robots(2)...

Este economista observa que não são apenas os trabalhos pouco qualificados a sofrer a redução de empregos por efeito da automação.

Também em sectores tradicionalmente ao abrigo de aumentos de produtividade, está em queda a procura de trabalho qualificado. Com efeito, o avanço tecnológico em áreas exigentes quanto à qualificação da mão de obra, como os cuidados de saúde, a educação, o processamento de dados, os serviços de tradução, a investigação legal, etc., põe em risco o volume de emprego onde ele parecia mais estável.

Acrescenta a dúvida de que sejam numerosos os empregos alternativos que venham substituir os que são eliminados pela automação e ilustra com o exemplo da rede social Twitter, (avaliada em 9 mil milhões de dólares, mas que só emprega, em todo o mundo 400 pessoas, tanto como uma PME fabricante de tapetes) a afirmação de que aquilo que produz valor numa economia já não é o trabalho assalariado.

O caminho a seguir, para Skidelsky, passa pela partilha do tempo de trabalho- aquele que ainda exige o contributo humano.

Se as máquinas reduzem a metade a mão de obra necessária, por que não empregar o mesmo número em metade das horas, considerando cada emprego como sendo a tempo inteiro?

E acrescenta que tal seria possível se os ganhos da automação não fossem maioritariamente apropriados pelos ricos e poderosos, mas antes fossem distribuídos com justiça.

E assim chegamos à velha questão da repartição mais equitativa dos frutos do desenvolvimento,o que exige, como o autor reconhece, uma revolução no pensamento social.

A nossa escolha poderá, provavelmente, vir a ter de ser feita entre um futuro de elevado número de desempregados “ permanentes” ou um outro em que, por efeito da repartição dos tempos de trabalho, os empregados dispõem de tempos livres para outras actividades, em benefício pessoal, das suas famílias ou da sociedade.

Tudo dependerá, em última análise, dos valores a que queremos dar a primazia, defendendo um processo de desenvolvimento económico mais inclusivo e, em consequência, mais estável.

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(1)Ver também "The 'Task Approach' to Labor Markets: An overview", David Autor, NBER Working Paper 18711, January 2013
(2) Project Syndicate, artigo de 19 de Fevereiro de 2013

3 comentários:

  1. Tenho uma dúvida em relação à apropriação dos ganhos resultantes do uso das máquinas: até que ponto são realmente apropriados pelos ricos e poderosos, até que ponto têm como consequência a redução do preço do produto? Penso por exemplo nas máquinas usadas nas confecções - sem elas, seria impossível comprar jeans a 10 ou 15 euros. Ou as usadas na produção automóvel: não são elas que permitiram a descida do preço dos automóveis?

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    1. Obrigada pelo seu comentário a que procuro responder.
      A automação, na industria textil e outras, tornou possivel obter grandes aumentos da produção e da produtividade, maiores lucros e, quando resulta em descida dos preços, beneficia o consumidor.
      Mas os trabalhadores despedidos não têm, muitas vezes, alternativas no mercado de trabalho, enquanto o empresário encontra na automação as vantagens referidas, sem ter de contabilizar o custo social do desemprego provocado. Um desequílibrio de poder, portanto.
      Este, na minha opinião, é o sentido da frase citada de Skidelsky, sem que se possa concluir que a automação é a única causa da subida do desemprego estrutural.

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  2. Não há consenso sobre consequências da automação sobre o emprego. Mas apesar disso, não deixa de ser verdade que a tendência dominante que orienta muitos investimentos de automação avançada é a de reduzir custos salariais substituindo o mais possível o factor humano. E é por isso que a própria concepção ou “desenho” das tecnologias de automação avançada é orientada pelo pressuposto da técnica substitutiva do homem. A própria Comissão Europeia, no Livro Branco sobre Crscimento, Competitividade, Emprego – os desafios e as pistas para entrar no séculoXXI alertou para os “riscos de um recurso excessivo à automatização, a criação de uma cultura não qualificada e a deslocação de postos de trabalho. Deve ser dada prioridade e o devido incentivo às experiências que envolvam o desenvolvimento de tecnologias centradas no homem”. Mas isso foi em 1993, quão longe estamos em tempo …e em ideias!

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