16 janeiro 2013

Empobrecimento Silencioso e Oculto


Muitas são as vozes de alerta para o fenómeno do empobrecimento material em curso no País. Ainda bem que os sinos dobram a despertar os mais distraídos e a suscitar respostas: imediatas, umas; de maior fôlego, outras.

Mesmo sem esperar indicadores estatísticos mais actualizados do que os já disponíveis, não podemos ignorar que a incidência da pobreza vem crescendo a ritmo acelerado e atinge hoje grupos socioeconómicos que, até agora, viviam com níveis de rendimento muito acima dos limiares de pobreza. Gente de classe média, que passou a frequentar refeitórios sociais e a procurar outra ajuda junto das instâncias de emergência social, na situação de vítimas de desemprego e de outras disfuncionalidades económicas e sociais.

A extensão do empobrecimento material mostra que estamos perante um retrocesso social de proporções alarmantes, com repercussão grave na saúde e no bem estar das pessoas mais directamente afectadas, bem como na qualidade da vida colectiva, na economia e na coesão social, peças fundamentais da democracia.

A pobreza material que atinge indivíduos, famílias e territórios não é, porém, o único rosto do empobrecimento que ocorre em Portugal.

Existem outros fenómenos de empobrecimento que, por ora, não têm merecido a devida atenção. Refiro apenas um exemplo. No final do último ano, os pedidos de reformas antecipadas junto da Caixa Geral de Aposentações cresceu vertiginosamente, sobretudo entre os profissionais mais qualificados dos serviços públicos (médicos, professores e investigadores universitários, docentes do ensino básico e secundário). Em muitos casos, as penalizações previstas com a antecipação das reformas implicam reduções muito significativas do rendimento; não obstante, aos olhos de quem a elas recorre, são consideradas as melhores soluções individuais à luz da antevisão de um futuro incerto e pior, decorrente das medidas adoptadas pelo Governo para o ano em curso. Convém lembrar que não terá de ser necessariamente assim, pois é de admitir que a progressão nas carreiras, as actualizações dos níveis de remuneração, os ajustamentos à inflação, etc, terão de suceder mais cedo ou mais tarde e irão influenciar positivamente a remuneração actual, logo que ocorra uma mudança de orientação política e a conjuntura se apresente menos condicionada pelo actual programa de ajustamento.

Há, porém, uma situação que, do ponto de vista da sociedade no seu todo, é de difícil (impossível?) correcção: o empobrecimento que resulta, para os sistemas de saúde, de ensino e de investigação, decorrente da perda precoce e repentina de competências e qualificações de difícil substituição. Soube, hoje, que mais de três dezenas de professores e mais de uma centena de outros profissionais pertencentes a uma das escolas de ensino superior de Lisboa apresentaram pedidos de reforma antecipada e, muito provavelmente, verão os seus pedidos deferidos nas próximas semanas. Não discuto as respectivas motivações individuais, mas tenho de reconhecer que a escola, a ciência, o País ficam mais pobres.

Idêntico raciocínio se aplica às largar centenas de médicos e outros profissionais de saúde que, em breve, irão deixar o SNS com recurso a reformas antecipadas ou aos milhares de professores e educadores do sistema público de ensino que estão a deixar precocemente o sistema, inconformados com os rumos da política educativa e sem modo de fazer ouvir a sua voz.

A isto, eu chamo empobrecimento colectivo silencioso e oculto que importa denunciar e colocar em lugar cimeiro da agenda política acerca do nosso presente e do nosso futuro, agenda que os portugueses e as suas instâncias democráticas devem saber definir, às claras e sem servilismo a poderes e interesses estranhos.

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