19 julho 2012

Por onde vai a escola pública
Um debate que não deve ser adiado


Sem que a sociedade se aperceba e o parlamento super vise como lhe compete, têm chegado às direcções dos agrupamentos de escolas múltiplas e avulsas directrizes para serem aplicadas na organização do próximo ano escolar. Tais medidas poderão vir a agravar drasticamente a desconfiguração da escola pública, pôr em risco a qualidade do ensino e a função educativa do estado, atirar para o desemprego algumas dezenas de milhares de professores e outros funcionários, exigindo dos que ficarem no sistema ritmos e condições de trabalho desumanas que, por sua vez, não deixarão de ter consequências negativas na qualidade do ensino e no regular funcionamento do sistema, bem como na vida pessoal, familiar e cívica das pessoas envolvidas.

São exemplos do que acabo de escrever o que se passa com os mega agrupamentos de escolas e respectivo quadro de gestão, a recente reestruturação do esquema curricular, a redefinição dos tempos lectivos e a insuficiente atribuição de crédito horário para o desempenho das tarefas não lectivas dos professores, a excessiva dimensão das turmas, a penalização relativa das escolas com menor índice de desempenho, o qual não atende à especificidade das mesmas e às necessidades especiais da população servida, prejudicando os mais desfavorecidos, etc..

Apresentadas como meras medidas de gestão de recursos e de redução de despesa pública, tais directrizes revelam-se, no entanto, mais do que isso, agora que os seus efeitos se fazem sentir na programação do novo ano escolar, e os seus responsáveis deparam com múltiplos factores de ingovernabilidade, de preservação de um desejável espírito de equipa e cooperação entre os docentes, os funcionários e as direcções, a par de outras disfuncionalidades, nomeadamente, no que se refere à organização dos horários de professores, obrigados a prestarem serviço em escolas distintas que poderão situar-se a alguns kilómetros de distância ou a acumular tarefas para as quais não dispõem de crédito horário ou, mais grave ainda, ficarem sujeitos a “horários-zero”, ao fim de vários anos de trabalho.

Para fazer face a estas situações, a pretendida e apregoada autonomia das escolas é, em termos reais, cada vez mais diminuta, assim como vão progressivamente desaparecendo os poderes conferidos aos órgãos de participação (conselho geral, conselho pedagógico).

Por todas estas razões, não é de estranhar que o clima que, neste final de ano escolar, se vive nas escolas é sombrio e de grande perplexidade e frustração em relação ao futuro. Não é de surpreender também que seja turbulento o arranque do próximo ano escolar.

O ensino e a educação das novas gerações é matéria suficientemente relevante para que sociedade civil e partidos políticos olhem com preocupação para o tipo de medidas avulsas que vêm sendo impostas pelo governo e surgem justificadas por critérios de mera redução de gastos públicos.

Estes e outros exemplos são suficientemente gritantes para solicitar do governo que reveja este seu modo de proceder, pare para avaliar e reflectir e apresente ao País uma proposta de escola pública à altura dos novos desafios, que, depois de sério escrutínio democrático, mereça consenso nacional, suscite a adesão dos docentes, reforce o estado social.

Se nada for feito nesse sentido, é de recear que, da conjugação de tais medidas, bem possa estar em marcha um processo conducente à reconfiguração da escola pública em função de uma ideologia acerca do papel do estado na educação e no ensino, que não foi objecto de escrutínio público e, consequentemente, ofende regras básicas da democracia e da saudável convivência colectiva.


2 comentários:

  1. Venho deixar o meu agradecimento e apreço pelo post.
    Partilho inteiramente do que fica dito e vou passar à sua divulgação.

    Acresce dizer que:
    1 - os destinos da Educação não podem continuar a se tratados com estatuto de menoridade, com visões redutoras e/ou obsoletas e a gritante falta de conhecimento da realidade pelos órgãos de comunicação social;
    2 - a Educação é uma questão que implica toda a sociedade e não apenas os profissionais que aí ainda trabalham, cuja imagem foi propositadamente deturpada por muitos "opinadores" a quem não se reconhecem argumentos válidos fundados na realidade portuguesa a nível nacional;
    3 - face à incapacidade demonstrada pela generalidade dos partidos e organizações sindicais, cuja agenda política se destinou mais a satisfazer outros interesses em que uma apreciável quantidade de professores não se revê nem se sente representada, vão começar a surgir iniciativas de cidadania a que vale a pena estar atento/a.

    É urgente encarar a Educação como algo que precisa de consensos, mas também como um dos aspectos determinantes do modelo de sociedade que queremos construir.

    Muito obrigada!

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  2. Cara Manuela Silva
    Obrigada por ter abordado este tema tão premente nos dias que estamos a viver. Apesar de estar aposentada há uns anos, tenho acompanhado todo o desmoronar do nosso Sistema Educativo desde os anos 80. Nessa altura foi o ataque aos currículos e às avaliações, para diminuir as estatísticas que mostravam o insucesso escolar. Ultimamente já se ataca a classe dos Professores e as suas condições de trabalho. Aonde se quer chegar?...
    Um abraço da
    Fátima Carrapa

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