Acaba de ser publicada a primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco, sobre o Anúncio do Evangelho no mundo de hoje.
Sendo este documento dirigido aos membros da Igreja Católica, ele interessa, afinal, a todos os homens e mulheres de boa vontade, que não se conformam com os males do mundo, antes se empenham na sua transformação e correm os riscos de o proclamar.
Creio que não é exagerado dizer que havia fome de uma palavra justa e ela aí está!
Não é legitimo tentar sequer estabelecer uma hierarquia entre as questões que o Papa nos apresenta: todas são importantes e formam uma unidade que se respeita.
Em todo o caso, alguns dos capítulos da Exortação Apostólica são mais directamente relacionados com os propósitos do Grupo Economia e Sociedade (GES), pelo que deles retirei algumas passagens, esperando que, ao fazê-lo, não tenha esbatido a clareza e a força do texto .
Depois de expor, com grande lucidez e coragem, os desafios do mundo actual, o Papa aponta o caminho a uma humanidade em profunda transformação, o que passa por uma série de “nãos”:
- Não a uma economia de exclusão;
- Não à nova idolatria do dinheiro;
- Não ao dinheiro que governa em vez de servir;
- Não às desigualdades sociais que geram violência.
O conceito de exclusão social é entendido com uma grande amplitude e resulta de “uma economia que mata”...”não se trata já, apenas, da exploração e da opressão, mas de algo novo”, em que “a exclusão atinge, na sua própria raíz, a pertença à sociedade em que se vive”.
Sendo assim, é feito o apelo a respostas muito mais exigentes do que as habitualmente tentadas, seja a resposta de que o crescimento económico tudo resolve, por parte dos que têm uma “confiança grosseira e ingénua na bondade dos detentores do poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico dominante”, ou mesmo a resposta dos planos de assistência “que fazem face a certas urgências, mas que deveriam ser consideradas apenas como respostas provisórias” às situações de pobreza.
“A desigualdade social é a raíz dos males da sociedade”, e ”só será eficazmente combatida atacando as suas causas estruturais“ em que se inclui “a autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, como defendem certas ideologias, que negam o seu controlo pelos Estados, encarregados de zelar pelo bem comum”.
E com palavras bem fortes é escrita a conclusão deste ponto: “E assim, uma nova tirania invisível se instala, por vezes virtual, impondo as suas leis e as suas regras, de forma unilateral e implacável. Acresce que a dívida e o acumular dos seus juros afastam os países das potencialidades das suas economias e impedem o usufruto, pelos cidadãos do seu verdadeiro poder de compra”.
É a cada um de nós que esta interpelação é dirigida: será que perdemos a capacidade de atender ao sofrimento dos outros e aceitamos pacíficamente o poderio do dinheiro sobre nós e a nossa sociedade?
Será que estamos atentos às realidades do tempo presente os quais, como se lê na Exortação Apostólica, podem desencadear processos de desumanização de que, depois, muito dificilmente se volta atrás?
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28 novembro 2013
11 junho 2013
Contra os responsáveis pela violência da crise o tiro certeiro da encíclica Caritas in Veritate ( I )
A violência
da crise manifesta-se junto de nós, todos os dias e por todos os lados, gerando
espirais de decrescimento da produção e do investimento, desrespeitando
múltiplas dimensões da dignidade da pessoa humana, descredibilizando as
instituições, criando círculos de insegurança e, porventura mais importante, trazendo
a desesperança generalizada que tudo corrói.
Como o Papa
Francisco há dias recordou, não podemos ficar ausentes no campo da batalha
política. Que fazer? Que critérios de orientação, tomar para a ação? A Igreja, que
sempre foi mestra na compreensão da natureza humana, soube enunciar princípios
e diretrizes sobre a organização social e política das sociedades que, embora
desenvolvidos em diferentes contextos históricos, têm ganho validade atemporal.
Muitos
desses ensinamentos vêm-nos através do magistério papal das encíclicas. São
numerosas as encíclicas, declarações e outros documentos, em que os Papas
abordam temas fundamentais, como os "da pessoa humana, da sua dignidade, dos seus direitos e das suas liberdades;
da promoção da paz; do sistema económico e da iniciativa privada; do
papel do Estado; do trabalho humano; da comunidade política; do bem comum e sua promoção, no respeito dos
princípios da solidariedade e subsidiariedade; do destino universal dos bens da
natureza e do cuidado com a sua preservação e defesa do ambiente; do
desenvolvimento integral de cada pessoa e dos povos; do primado da justiça e da
caridade. Como se vê, o magistério é muito amplo e não nos deixa
descalços.
Encontramos
as grandes orientações da Doutrina Social da Igreja (DSI), sobre a organização
da sociedade, em algumas das principais Encíclicas dos Papas: como grande
inciadora da reflexão, a Rerum Novarum
e mais próximo de nós, a Pacem in Terris,
a Centesimus Annus, a Populorum Progressio e a muito mais
recente, a Caritas in Veritate. A Caritas in Veritate será a referência do
que vem a seguir.
O centro dos princípios
e diretrizes da DSI é a pessoa humana e a sua dignidade; a sua legitimidade
advém de que o homem foi criado «à imagem de Deus» (Gn 1,
27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa humana e também o
valor transcendente das normas morais naturais – (Caritas in Veritate, 45 ). - Violar
esta dignidade é, por isso, ferir entes que têm a imagem e semelhança de Deus.
Na atual
crise o homem foi e é considerado como uma simples variável de ajustamento e
não, como deveria ser, o fim e a razão de ser de toda a organização da economia
e da vida em sociedade; é a consequência e não o princípio de toda a iniciativa.
A crise é um
resultado da globalização do mercado de capitais e da incapacidade, ou falta de
vontade política, dos estados nacionais, para procederem à regulação do seu
funcionamento.
Os investimentos
em produtos financeiros surgiram como possuindo maior rentabilidade do que as
aplicações na economia real, que até aí eram maioritárias. Contudo, estes
produtos vieram a revelar-se como tendo pés de barro; quando os pés quebraram foi
todo o edifício que de desmoronou (toxidade). Tal não teria acontecido se os
Estados tivessem tido a capacidade e a vontade de regular o funcionamento do
mercado de capitais. Muito se falou disso mas, rapidamente, os responsáveis
políticos dos países mais poderosos se calaram.
Quem tinha maior capacidade de regulação depressa se apercebeu que era,
também, quem tinha menos interesse em que isso acontecesse, dados os proveitos
dos montantes avultados de aplicações que esses estados e as suas instituições
financeiras, ou outras, neles tinham feito.
O que se
invocava como imprescindível necessidade de garantir a - liberdade para os
movimentos de capitais dos credores tornou-se na escravização para quem era devedor.
O mecanismo da escravização rapidamente conduziu à espoliação da riqueza, dos
recursos e de todo o tipo de iniciativa nos países envolvidos. Com
certeza que deveremos pagar aquilo que devemos, a questão é a de saber se
devemos tudo aquilo que dizem que temos que pagar.
Contra os responsáveis pela violência da crise o tiro certeiro da encíclica Caritas in Veritate ( I I )
De acordo com
a Caritas in Veritate (65) “é
preciso que as finanças enquanto tais - com estruturas e
modalidades de funcionamento necessariamente renovadas, depois da sua má
utilização que prejudicou a economia real - voltem a ser um instrumento
que tenha em vista a melhor produção de riqueza e o desenvolvimento.
Enquanto instrumentos, a economia e as finanças em toda a respetiva extensão, e
não apenas em alguns dos seus sectores, devem ser utilizadas de modo ético, a
fim de criar as condições adequadas para o desenvolvimento do homem e dos
povos”.
Nessa espiral
de empobrecimento está envolvida a destruição do Estado Social (a Educação, a Saúde,
a Solidariedade, a Justiça), enquanto instrumento de redução de desequilíbrios
na repartição dos rendimentos. Ainda, seguindo o magistério papal “Razões
de sabedoria e prudência sugerem que não se proclame depressa demais o fim do
Estado; relativamente à solução da crise atual, a sua função parece destinada a
crescer, readquirindo muitas das suas competências (Caritas in Veritate, 41).
A Reforma do Estado e adoção de mecanismos de
funcionamento eficiente, certamente que são objetivos a prosseguir em todas as
circunstâncias, mas considerando que os
cidadãos, constituem, sempre, um ponto de partida e não um ponto de
chegada. A busca da justiça e do bem
comum têm que ser os pilares da construção da nova Sociedade, do novo Estado.
Mais uma vez,
como refere a Caritas in Veritate (6)
“ Caridade e Verdade é um princípio à volta do qual gira a doutrina social
da Igreja, princípio que ganha forma operativa em critérios orientadores da
ação moral”. Lembram-se dois em particular, que são “requeridos, especialmente,
pelo compromisso em prol do desenvolvimento, numa sociedade em vias de
globalização: a justiça e o bem comum”.
Por muito
surpreendente que para alguns possa parecer, haverá que combater o pressuposto
correntemente assumido de que as opções de repartição só podem ser determinadas
depois de se ter produzido: “primeiro há que produzir e só depois é que podem
ser encaradas as questões da repartição”, é o que muito se houve dizer. É ainda a Caritas in
Veritate (37) que afirma: “os cânones da justiça devem ser
respeitados desde o início enquanto se desenrola o processo económico, e não
depois ou marginalmente”.
Não se pode
distribuir o que se não tem mas, para se ter, há que tomar opções de partida
que sejam respeitadoras da pessoa humana e da sua dignidade; há que confrontar
e optar entre objetivos de sociedade e os objetivos do capital financeiro. Convém
não esquecer que as opções de repartição existem mesmo quando nelas se não
fala; elas estão escondidas por trás do pano de cenário constituído pela
repartição inicial da riqueza e dos patrimónios, que determina qual a
repartição de rendimentos que, no fim do processo, pode e deve ser feita.
A recuperação
da crise é um campo de seara imensa, mas desde já sabemos que existem
os princípios orientadores para que ela seja bem cuidada, ou sejam: o abandono de uma
ideologia liberalizante, como fundamento da vida em sociedade; a adoção do
requisito da centralidade das pessoas como ponto de partida para a construção
de um futuro melhor; a participação de todos na construção do futuro que é,
também, de todos (princípios da subsidiariedade e da solidariedade).
30 abril 2013
Um Imperativo de Mudança
A Comissão Justiça e Paz da Diocese de Setúbal divulgou ontem um comunicado com o título UM IMPERATIVO DE MUDANÇA, a propósito da escolha do novo Bispo de Roma, o Papa Francisco, e dos 50 anos da encíclica de João XXIII Pacem in Terris.
Nesse comunicado, exprime-se a esperança de que, com o Papa Francisco, se realizem mudanças na Igreja ou da Igreja ela mesma no sentido de ser uma Igreja dos pobres e para os pobres (como disse o Papa) e que daí resultem impactos de mudança nas sociedades actuais.
Com efeito, (e cito o texto do comunicado) “Estamos perante um imperativo de mudança, até porque vivemos uma tremenda crise no nosso País, na Europa e no Mundo, uma crise económico-financeira com as inevitáveis consequências sociais e éticas, uma verdadeira crise de valores, ou melhor, uma crise do “sistema” pelo qual nos regemos há cerca de um século.
Um “sistema” que tem aumentado a produção de riqueza, mas que a concentra em poucas mãos, usando o motor do lucro, em vez da solidariedade. Mercantiliza o trabalho, sacrifica a própria natureza e gera imensos pobres e excluídos.”
A frase seguinte a este período vai ao cerne do problema, pois mais do que o funcionamento da economia, o que tem que ser alterado é o paradigma de vida, ou seja, a forma como a vida é pensada e vivida, desde o nível individual e familiar aos níveis comunitário, local, regional, nacional, transnacional, mundial. A tal frase é:
“É isto, o capitalismo que, mais que um sistema económico, é uma concepção de vida que inibe as liberdades e que “esmaga” os pobres.”
Em minha opinião, estas palavras não são apenas de uma clareza notável, como também constituem uma afirmação corajosa, face ao peso do pensamento dominante, inclusive entre os cristãos. A referência à inibição das liberdades e ao “esmagar” dos pobres fez-me lembrar a Resolução do Parlamento Europeu em Junho de 2012 que, no seu próprio título, considere as “Medidas de Austeridade – um perigo para a democracia e os direitos sociais”.
Nos parágrafos dedicados aos 50 anos da Pacem in Terris, mais uma vez o texto é corajoso. Efectivamente, há quem não goste de ouvir ou ler coisas como esta: centrar a ação dos cristãos na prática da solidariedade e no “cuidar dos outros”, valorizar o trabalho e humanizar as estruturas da sociedade – é a isto o que se chama política.
Da parte que é a conclusão do texto destaco ainda as seguintes duas frases:
- Este mundo, este País, necessita imperiosamente de mudança, de sinais nítidos e numerosos de solidariedade, de interesse pelo cuidar dos outros, de apoio aos pobres, aos excluídos, aos desempregados.
- Necessita imperiosamente de mudar as orientações que levam à corrupção e ao sectarismo, e isso só é possível com “homens novos”, reconhecidos pelo “ser” e não pelo “ter”, que amem e sirvam desinteressadamente o seu próximo e se misturem como fermento na massa, e não se divorciem da vida das instituições que traduzem a organização da sociedade em que nos integramos – e isto é acção política!
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01 janeiro 2013
Por uma Renovada Apreciação do Trabalho Humano
- Um Desafio de Bento XVI para 2013
Como é habitual, neste primeiro dia do novo ano, o Papa Bento XVI dirige ao mundo uma mensagem em favor da paz, associando-se assim à celebração do Dia Mundial pela Paz.
Este ano a mensagem é um convite a que todos, pessoas e instituições, instâncias políticas e económicas, não poupem esforços no sentido da construção de uma paz justa e duradoura, uma vez que a actual crise pode pô-la em causa, porquanto está minando os seus alicerces fundamentais.
Bento XVI lembra, por exemplo, o modo como vem sendo tratado o trabalho humano em muitas circunstâncias e sociedades onde prevalece o lucro como critério e fim da actividade económica.
Vale a pena citar as suas palavras:
E, entre os direitos e deveres sociais actualmente mais ameaçados, conta-se o direito ao trabalho. Isto é devido ao facto, que se verifica cada vez mais, de o trabalho e o justo reconhecimento do estatuto jurídico dos trabalhadores não serem adequadamente valorizados, porque o crescimento económico dependeria sobretudo da liberdade total dos mercados. Assim o trabalho é considerado uma variável dependente dos mecanismos económicos e financeiros. A propósito disto, volto a afirmar que não só a dignidade do homem mas também razões económicas, sociais e políticas exigem que se continue « a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos, ou da sua manutenção».Para se realizar este ambicioso objectivo, é condição preliminar uma renovada apreciação do trabalho, fundada em princípios éticos e valores espirituais, que revigore a sua concepção como bem fundamental para a pessoa, a família, a sociedade. A um tal bem corresponde um dever e um direito, que exigem novas e ousadas políticas de trabalho para todos.
E, mais adiante, Bento XVI lembra o papel relevante de uma adequada mundividência cultural, afirmando:
O mundo actual, particularmente o mundo da política, necessita do apoio dum novo pensamento, duma nova síntese cultural, para superar tecnicismos e harmonizar as várias tendências políticas em ordem ao bem comum. Este, visto como conjunto de relações interpessoais e instituições positivas ao serviço do crescimento integral dos indivíduos e dos grupos, está na base de toda a verdadeira educação para a paz.
Com estas reflexões, A areia dos dias assinala o início de 2013 e faz votos de que, ao contrário de todas as previsões, o novo ano permita romper novos rumos para um desenvolvimento mais justo para todos, onde o trabalho humano encontre a devida consideração e sejam respeitados os direitos básicos de todos os trabalhadores.
14 dezembro 2012
Lutar Contra esta Injustiça que Envenena o Mundo
Todo o homem e, por maioria de razão, todo o cristão, precisa de lutar contra esta injustiça que envenena o mundo. E, ainda, tratar todo o ser humano como pessoa, igual a si, na dignidade de homem e de filho de Deus, e nunca como um escravo, como uma coisa, como um meio. Tratar o trabalhador como irmão. Saber que a amizade e o amor são partilha e comunhão, mas não são servidão nem sujeição. Tomar consciência de que o mundo está cheio de seres humanos carentes de cuidados e de diálogo – crianças e adolescentes, idosos, pobres, doentes, pessoas diminuídas ou a arrastar vidas cinzentas, até criminosas - , mas ter o discernimento de não colocar essas pessoas na dependência, não lhes incutir falsas esperanças, não ter um tipo de presença que as deforme.
Estas palavras são retiradas de uma homília do Padre João Resina feita no Natal 2002 e transcritas do livro A Palavra para os Homens que reúne alguns dos seus textos inéditos e acaba de ser publicado pelas edições Paulus.
Decorrida uma década, o texto mantém uma actualidade reforçada, pois vemos sucederem-se reiterados atropelos graves à dignidade da pessoa humana e aos seus direitos essenciais: nas leis laborais, nas falências fraudulentas, nas deslocalizações de conveniência, na redução dos rendimentos salariais, na precarização das condições de trabalho, no desemprego, no avolumar das desigualdades, no empobrecimento provocado em muitas famílias, pelas medidas de política pública dita de austeridade, etc..
Só uma consciência mais atenta pode obstar a que se prossiga por esta via que traz infelicidade colectiva e mina a coesão social. Há que fometar uma corrente de pensamneto e acção que supere a indiferença e a passividade diante da injustiça que envenena o mundo.
A maior solidariedade pode servir para atenuar alguns sintomas mais gravosos e, a meu ver, deve ser encorajada, mas, sempre, com um discernimento exigente que previna a dependência e a humilhação de quem precisa e deve ser acompanhada com o correspondente empenhamento na luta pela mudança das causas estruturais e institucionais que estão na génese do retrocesso social a que estamos a assistir e corre o sério risco de agravamento no futuro próximo
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