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11 junho 2013

Contra os responsáveis pela violência da crise o tiro certeiro da encíclica Caritas in Veritate ( I )

A violência da crise manifesta-se junto de nós, todos os dias e por todos os lados, gerando espirais de decrescimento da produção e do investimento, desrespeitando múltiplas dimensões da dignidade da pessoa humana, descredibilizando as instituições, criando círculos de insegurança e, porventura mais importante, trazendo a desesperança generalizada que tudo corrói.
 
Como o Papa Francisco há dias recordou, não podemos ficar ausentes no campo da batalha política. Que fazer? Que critérios de orientação, tomar para a ação? A Igreja, que sempre foi mestra na compreensão da natureza humana, soube enunciar princípios e diretrizes sobre a organização social e política das sociedades que, embora desenvolvidos em diferentes contextos históricos, têm ganho validade atemporal.

Muitos desses ensinamentos vêm-nos através do magistério papal das encíclicas. São numerosas as encíclicas, declarações e outros documentos, em que os Papas abordam temas fundamentais, como os "da pessoa humana, da sua dignidade, dos seus direitos e das suas liberdades; da promoção da paz; do sistema económico e da iniciativa privada; do papel do Estado; do trabalho humano; da comunidade política; do bem comum e sua promoção, no respeito dos princípios da solidariedade e subsidiariedade; do destino universal dos bens da natureza e do cuidado com a sua preservação e defesa do ambiente; do desenvolvimento integral de cada pessoa e dos povos; do primado da justiça e da caridade. Como se vê, o magistério é muito amplo e não nos deixa descalços.

 Encontramos as grandes orientações da Doutrina Social da Igreja (DSI), sobre a organização da sociedade, em algumas das principais Encíclicas dos Papas: como grande inciadora da reflexão, a Rerum Novarum e mais próximo de nós, a Pacem in Terris, a Centesimus Annus, a Populorum Progressio e a muito mais recente, a Caritas in Veritate. A Caritas in Veritate será a referência do que vem a seguir.
O centro dos princípios e diretrizes da DSI é a pessoa humana e a sua dignidade; a sua legitimidade advém de que o homem foi criado «à imagem de Deus» (Gn 1, 27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa humana e também o valor transcendente das normas morais naturais – (Caritas in Veritate, 45 ). - Violar esta dignidade é, por isso, ferir entes que têm a imagem e semelhança de Deus.
Na atual crise o homem foi e é considerado como uma simples variável de ajustamento e não, como deveria ser, o fim e a razão de ser de toda a organização da economia e da vida em sociedade; é a consequência e não o princípio de toda a iniciativa.
A crise é um resultado da globalização do mercado de capitais e da incapacidade, ou falta de vontade política, dos estados nacionais, para procederem à regulação do seu funcionamento.
Os investimentos em produtos financeiros surgiram como possuindo maior rentabilidade do que as aplicações na economia real, que até aí eram maioritárias. Contudo, estes produtos vieram a revelar-se como tendo pés de barro; quando os pés quebraram foi todo o edifício que de desmoronou (toxidade). Tal não teria acontecido se os Estados tivessem tido a capacidade e a vontade de regular o funcionamento do mercado de capitais. Muito se falou disso mas, rapidamente, os responsáveis políticos dos países mais poderosos se calaram.  Quem tinha maior capacidade de regulação depressa se apercebeu que era, também, quem tinha menos interesse em que isso acontecesse, dados os proveitos dos montantes avultados de aplicações que esses estados e as suas instituições financeiras, ou outras, neles tinham feito.
O que se invocava como imprescindível necessidade de garantir a -  liberdade para os movimentos de capitais dos credores tornou-se na escravização para quem era devedor. O mecanismo da escravização rapidamente conduziu à espoliação da riqueza, dos recursos e de todo o tipo de iniciativa nos países envolvidos.  Com certeza que deveremos pagar aquilo que devemos, a questão é a de saber se devemos tudo aquilo que dizem que temos que pagar.

Contra os responsáveis pela violência da crise o tiro certeiro da encíclica Caritas in Veritate ( I I )

De acordo com a Caritas in Veritate (65) “é preciso que as finanças enquanto tais - com estruturas e modalidades de funcionamento necessariamente renovadas, depois da sua má utilização que prejudicou a economia real - voltem a ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção de riqueza e o desenvolvimento. Enquanto instrumentos, a economia e as finanças em toda a respetiva extensão, e não apenas em alguns dos seus sectores, devem ser utilizadas de modo ético, a fim de criar as condições adequadas para o desenvolvimento do homem e dos povos”.
 
Nessa espiral de empobrecimento está envolvida a destruição do Estado Social (a Educação, a Saúde, a Solidariedade, a Justiça), enquanto instrumento de redução de desequilíbrios na repartição dos rendimentos. Ainda, seguindo o magistério papal “Razões de sabedoria e prudência sugerem que não se proclame depressa demais o fim do Estado; relativamente à solução da crise atual, a sua função parece destinada a crescer, readquirindo muitas das suas competências (Caritas in Veritate, 41).
A Reforma do Estado e adoção de mecanismos de funcionamento eficiente, certamente que são objetivos a prosseguir em todas as circunstâncias, mas considerando que os cidadãos, constituem, sempre, um ponto de partida e não um ponto de chegada.  A busca da justiça e do bem comum têm que ser os pilares da construção da nova Sociedade, do novo Estado.
Mais uma vez, como refere a Caritas in Veritate (6) “ Caridade e Verdade é um princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma operativa em critérios orientadores da ação moral”. Lembram-se dois em particular, que são “requeridos, especialmente, pelo compromisso em prol do desenvolvimento, numa sociedade em vias de globalização: a justiça e o bem comum”.
Por muito surpreendente que para alguns possa parecer, haverá que combater o pressuposto correntemente assumido de que as opções de repartição só podem ser determinadas depois de se ter produzido: “primeiro há que produzir e só depois é que podem ser encaradas as questões da repartição”, é o que muito se houve dizer. É ainda a Caritas in Veritate (37) que afirma:  os cânones da justiça devem ser respeitados desde o início enquanto se desenrola o processo económico, e não depois ou marginalmente”.
Não se pode distribuir o que se não tem mas, para se ter, há que tomar opções de partida que sejam respeitadoras da pessoa humana e da sua dignidade; há que confrontar e optar entre objetivos de sociedade e os objetivos do capital financeiro. Convém não esquecer que as opções de repartição existem mesmo quando nelas se não fala; elas estão escondidas por trás do pano de cenário constituído pela repartição inicial da riqueza e dos patrimónios, que determina qual a repartição de rendimentos que, no fim do processo, pode e deve ser feita.
A recuperação da crise é um campo de seara imensa, mas desde já sabemos que existem os princípios orientadores para que ela seja bem cuidada, ou sejam: o abandono de uma ideologia liberalizante, como fundamento da vida em sociedade; a adoção do requisito da centralidade das pessoas como ponto de partida para a construção de um futuro melhor; a participação de todos na construção do futuro que é, também, de todos (princípios da subsidiariedade e da solidariedade).