28 outubro 2011

Olhou para a árvore, ainda pequena, e disse: a continuares assim vais mirrar


Este episódio pretende ser uma alusão aos caminhos que tem vindo a percorrer a União Europeia (UE).

A árvore (UE) é pequena, porque o seu grau de consolidação e desenvolvimento, quando comparado com o que já deveria possuir, revela um enorme atraso de crescimento. Tem-lhe faltado, o alimento e as vitaminas necessárias a que possa desenvolver-se como é habitual naquela espécie. Por isso, quem de fora olha para ela, não pode senão dizer que “assim vai mirrar”.

Vem isto a propósito das decisões que, em Bruxelas, numa madrugada (porquê sempre de madrugada?) recente (27 de Outubro), foram tomadas pelos dirigentes europeus. Com a gravidade dos problemas que a Europa está a enfrentar, quase se poderia dizer que as decisões tomadas têm pressupostos que muito pouco tem a ver com a estratégia que orientou a sua consolidação durante as primeiras décadas de vida da Comunidade Europeia (CE).

Num post recente eu escrevia que, para superar a crise em que a Europa (e não apenas a Grécia, Portugal e a Irlanda) se encontra mergulhada se tornava indispensável:

1. Criar condições para que o financiamento das economias da União Europeia (EU), se torne independente dos mecanismos de financiamento, sem valores e sem pátria;

2. Regular a circulação de capitais no espaço europeu;

3. Tomar decisões que conduzam a uma Europa integrada, económica, social e politicamente, colocando a política monetária como seu instrumento e modificando, em consonância os Tratados em vigor.

Vejamos, quais foram as principais decisões tomadas em Bruxelas:

a) Anulação da dívida da Grécia em 100 mil milhões de euros, sendo que 50 mil milhões serão da responsabilidades dos bancos;

b) Obrigatoriedade dos bancos de procederem a operações de recapitalização, aumentando para 9% a percentagem dos seus capitais próprios e recorrendo a financiamentos públicos apenas em condições excepcionais;

c) Aumentar a capacidade de intervenção do Fundo de Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) para um bilião de euros;

d) Encarregar a Comissão Europeia (CE) de apresentar “um plano geral de governação económica, com base no reforço do papel do executivo comunitário”, o que se espera possa vir a acontecer em Novembro.

Algumas destas medidas “lambem” as condições que eu enunciei, mas nenhuma delas dá resposta capaz a qualquer dessas condições. Assim, a Europa que está em crise vai continuar a vê-la aprofundar-se. É que as razões da crise não são, apenas as dos deficits, como as medidas da Cimeira parecem pressupor. Elas devem ser procuradas no funcionamento de toda a economia europeia e no domínio a que, através dos movimentos de capitais, de âmbito planetário e com tempos de reacção instantâneos, ela se deixa submeter.

A anulação da dívida da Grécia é uma aproximação à minha primeira condição de independência em relação ao mercado global de capitais, mas com ela nada se fez para regular a circulação de capitais no espaço europeu. Acresce que nenhuma referência é feita à circunstância de que as razões que levaram a Grécia à situação de quase default permaneceram intocáveis e, por isso, as suas malfeitorias continuarão, até que toda a Europa tenha sido aniquilada, a menos que haja a coragem para mudar de rumo.

A medida que exige a recapitalização dos bancos era condição indispensável para que, nas actuais circunstâncias, os bancos pudessem irrigar (financiar) a economia. Não é, contudo, condição suficiente porque, apesar de recapitalizados, nada garante que o destino da liquidez adicional assim obtida não tenha o mesmo destino que as aplicações que anteriormente vinham sendo feitas (investimento financeiro). Não havendo regulação adequada, os bancos continuarão a fazer o que faziam antes (aplicações financeiras de risco elevado, mas de maior rentabilidade) transferindo para a comunidade os maus resultados em que se possam ver envolvidos. Os bancos têm dificuldades com a dívida grega, não apenas porque a Grécia não satisfaz o pagamento da dívida, mas também e talvez, sobretudo, porque entenderam fazer aplicações com taxas de juro especulativas, sem cuidarem dos riscos que tal implicava.

O aumento da capacidade de intervenção do FEEF é apontado como uma medida destinada a impedir que os países com piores situações de dívida possam chegar a uma situação de default, impedindo, assim, que os efeitos de contágio se possam transmitir a outros países. Esquece-se, contudo, que a existência ou não de contágio tem mais a ver com a natureza do vírus e menos com a situação em que se possa encontrar o doente. O que importa é saber qual é a origem do vírus. Se descurarmos o conhecer-lhe a origem, ele pode ser controlado num país, mas vai continuar a fazer estragos em outro (e por isso há contágio). Assim, por muito elevados que sejam os fundos do FEEF, nunca serão suficientemente elevados para eliminar o vírus.

Finalmente, a tarefa de que foi encarregada a CE de apresentar um “plano geral de governação económica”, no prazo de um mês, nunca poderá ter a dimensão de medidas conducentes à construção de uma Europa integrada, económica, social e politicamente. Este é um projecto que exige tempo e compromisso profundo entre todos os Estados membros o que, manifestamente, é algo que não poderá acontecer em tão curto período de tempo.

Só valerá a pena prosseguir o projecto Europa se todos os países partirem do pressuposto que com ele só têm a ganhar, embora tal não signifique que se possa ganhar em certos itens e perder em outros. Há que olhar para o saldo e saldo a longo prazo.

A este propósito vale a pena recordar que, na sequência de várias decisões tomadas durante a década de 90, a partir de 1999, foram instituídos o euro e o Banco Central Europeu com o objectivo de criar uma política monetária comum. É na sua sequência que é assinado o Pacto de Estabilidade com os famosos limites de 3% de deficit orçamental e de 60% em relação ao PIB, formatados de acordo com os interesses, sobretudo, da Alemanha (moeda forte). Os bloqueamentos que esta arquitectura tem vindo a gerar são conhecidos. Em vez de termos uma política monetária para servir a Europa, temos uma Europa para servir a política monetária, a independência do Banco Central e, porventura, da Alemanha.

Deixemos a Europa e regressemos a Portugal. Portugal é um país constituído por parcelas de território com características muito diversas. Antes da adopção do euro, Portugal dispunha de uma moeda própria (o escudo) com circulação em todo o espaço português. Sabíamos e sabemos que as diferentes componentes territoriais possuem dinâmicas de desenvolvimento diferentes. Se quiséssemos, em cada uma delas, fazer uma contabilidade de fluxos financeiros certamente que em algumas iríamos encontrar situações de default.

Já passou pela cabeça de alguém de que, nestas circunstâncias, os territórios em default deveriam deixar de pertencer ao todo nacional?

A continuar assim a Europa vai mirrar!

Mais do que um grande sucesso, a Cimeira do fim de semana deveria ser qualificada como um estrondoso fracasso.

Nada disto é “teoria da conspiração”. Diria mesmo “denunciemos a conspiração em que nos querem envolver”.

3 comentários:

  1. Carissimo,
    Fiz link... e agradeço.
    Um abraço.

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  2. Ir, assim, criando uma espécie de blog de blogs, ou de rede de blogs, face à opacidade de grande parte dos media, não pode senão ser uma "boa ideia"

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  3. vver também este artigo no ladrao de bicletas:

    http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2011/10/ha-limites-actuacao-do-bce.html

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