Tomada de posição do Grupo Economia e Sociedade
Os recentes acontecimentos verificados no âmbito da governação e do xadrez político nacional merecem uma séria reflexão que não deve ser dissociada de dois outros factos relevantes: a irrefutável constatação dos efeitos perversos das políticas de austeridade que vêm sendo seguidas (como o próprio anterior Ministro das Finanças, aliás, reconheceu na sua carta de demissão tornada pública) e as crescentes manifestações de descontentamento popular abrangendo vastos e diversificados estratos populacionais.
Na sua última reunião (3 Julho 2013), o Grupo Economia e Sociedade reflectiu sobre estes acontecimentos e as suas previsíveis consequências para a evolução próxima da economia e da sociedade do nosso País e entendeu dever alertar para a urgência de, a partir da recém-criada turbulência política, encontrar um novo rumo para o País, o qual vá para além de um horizonte míope de uma mera reconquista de objectivos financeiros, definidos pela prioridade absoluta dos interesses mais imediatos dos credores com o prosseguimento de políticas austeritárias que não satisfazem, nem do ponto de vista da justiça social nem sequer do ponto de vista da eficácia em relação aos fins visados.
A situação económica e social a que o País tem vindo a ser conduzido e de que são expoentes sucintos os indicadores de desemprego, de empobrecimento, de aumento das desigualdades, de desindustrialização e de progressivo desmantelamento do estado social, assume carácter de emergência, como já é amplamente reconhecido. Há, agora, que ultrapassar o artificialismo das ideias feitas e das construções ideológicas interessadas em alimentar o temor do desconhecido que trava o surgimento de soluções alternativas e ter a ousadia de empreender um debate mais amplo e fundamentado orientado para a procura de outros caminhos.
O rumo de que o País carece deve ser traçado pelos portugueses e portuguesas, a partir da tomada de consciência colectiva da situação e de uma definição clara de objectivos prioritários.
Não ignoramos os constrangimentos financeiros decorrentes das necessidades de fazer face ao elevado nível de endividamento externo (público e privado), mas temos presentes as condições em que esse endividamento foi gerado e tem vindo a ser ampliado. Do mesmo modo, estamos conscientes das limitações da actual arquitectura institucional da União Monetária, da crise do sistema financeiro globalizado e das outras disfuncionalidades que caracterizam o actual estádio de evolução do modelo económico capitalista. Todos estas dimensões não devem ser descuradas e por isso Portugal deve ter também um papel actuante na exigência de uma alteração na politica europeia e uma participação activa no redesenho da arquitectura institucional da UE.
Temos claro que Portugal é um País de pequena dimensão e forte unidade nacional, com recursos potenciais por aproveitar, incluindo recursos humanos qualificados que formamos e estamos a exportar sem retorno; dispomos de conhecimento e de tecnologia de ponta em vários sectores; possuímos uma vasta rede de instituições que prestam relevantes serviços sociais e de proximidade; temos um património histórico e cultural rico; podemos contar com uma boa rede diplomática e uma numerosa diáspora capaz de fazer pontes com outras comunidades nos vários cantos do Mundo.
Todos estes aspectos são muito positivos que, a nosso ver, merecem ser postos em destaque e devidamente valorizados, mobilizando energias adormecidas e suscitando respostas inovadoras para os problemas que realmente afligem as pessoas concretas e os respectivos territórios, conferindo particular atenção às situações de maior vulnerabilidade.
Não ter em conta estas potencialidades é a verdadeira razão do desperdício nacional, que poderá pôr em causa, por muitas décadas, o exercício da cidadania plena no País.
Ao contrário do que, em certos ambientes, se procura fazer crer, o problema do País não é tanto a falta de dinheiro, mas o facto de aquele estar mal repartido e mal aplicado.
Na procura de novos rumos, há que tornar claras e simples algumas opções acerca do modelo de economia e sociedade que, como povo, desejamos alcançar, para preservar e aprofundar a democracia, garantir a coesão social, fomentar o desenvolvimento e a prosperidade colectiva.
Nesta indagação não partimos do zero. Dispomos de um quadro constitucional que importa respeitar e um estado de direito que deve garantir direitos e obrigações iguais para todos como suporte básico da confiança pessoal e colectiva nas instituições.
A esta luz, e tendo também por referência o Pensamento Social da Igreja, entendemos que devem ser consensualizadas como prioridades a contemplar pela governação e pelas políticas públicas as seguintes:
- a centralidade da pessoa humana, o bem-estar e a qualidade de vida de todos os cidadãos e cidadãs em qualquer parte do território em que habitem , o bem-estar colectivo, com o que tal comporta de acesso ao trabalho digno, repartição justa da riqueza e do rendimento, acessibilidade a serviços de qualidade no domínio da educação, da saúde, da habitação, dos transportes e comunicações, do urbanismo e da disponibilidade de serviços básicos;
- a prioridade do bem comum e da coesão social, condições de uma vida democrática solidamente firmada;
- um correcto relacionamento dos governantes, dos partidos políticos e das instituições públicas em geral com os cidadãos, com o que tal implica de prática de transparência e de prestação regular de contas e de exercício do poder como serviço às pessoas e à colectividade e prossecução do bem comum;
- uma posição de responsabilidade face aos compromissos assumidos junto dos credores, mas sem subserviência e com o devido protagonismo e empenhamento na realização das indispensáveis reformas institucionais, no plano comunitário e mundial.
A situação que se vive em Portugal, não obstante as suas especificidades, não é dissociável da necessidade de que ocorram mudanças profundas no próprio modelo económico herdado da industrialização, do crescimento económico ilimitado assente na exploração intensiva de recursos naturais escassos, num consumo predador alimentado pelo marketing, na progressiva concentração da riqueza e má repartição do rendimento, e, mais recentemente, com o recurso a esquemas tóxicos de financeirização e aplicações improdutivas.
O amplo debate que defendemos em torno de um novo rumo para o País passa, assim, também, por uma análise corajosa destas disfuncionalidades e por mudança das coordenadas da matriz cultural dominante, de modo a que a mentalidade colectiva reconheça e valorize a prioridade de assegurar a satisfação de necessidades básicas a toda a população, a partilha equitativa do trabalho e dos resultados que produz, a aplicação produtiva dos rendimentos gerados, a convivialidade e as relações sociais, a solidariedade entre as gerações, o cuidado com a Terra, a convivência pacífica e solidária com os demais povos, a preservação da paz.
A actual crise política cujo desfecho é, ainda, imprevisível, constitui, justamente, motivo de agravamento da perplexidade, da angústia e da incerteza, que hoje atravessam a maioria dos nossos concidadãos e geram um ambiente propício á depressão colectiva e à anomia social.
O Grupo Economia e Sociedade partilha destes sentimentos, mas entende que é possível fazer das dificuldades do momento presente um incentivo para alcançar mudanças mais robustas de requalificação do País, que tenham em conta os critérios antes enunciados e contem com o maior empenhamento da cidadania na construção do futuro.
Lisboa, 5 Julho 2013
Sem comentários:
Não são permitidos novos comentários.