08 abril 2019

Sobre as relações, duas notas


As relações familiares

É claro que me refiro às relações familiares, mas não apenas sobre essas.

A polémica que, recentemente, se tem desenvolvido em torno das relações familiares e dos malefícios da sua existência, tem foros de muita falta de “bom senso”. Não me refiro às afirmações de que em relação às nomeações de familiares para cargos políticos ou equiparados, sobre as quais se tem dito que o que é preciso é ter “bom senso”. O “bom senso”, cuja falta constato, é anterior a este. É o “bom senso”, ou a falta de senso, da polémica propriamente dita.

Vejamos um pouco melhor qual a razoabilidade da discussão. O argumento principal é o de que quando se nomeiam, ou indicam para nomeação, em cargos políticos, familiares, estará posto em causa o interesse público. O pressuposto é o de que os familiares conduzirão a sua intervenção política de acordo com critérios de interesse privado, ou de solidariedade familiar e não segundo critérios de interesse público.

Mas que estranho pressuposto! Se essa mesma pessoa tiver sido nomeada para um cargo político, mas por alguém que com ela não possui qualquer grau de parentesco, então já não corremos o perigo de ela prosseguir interesses privados.

É muito estranho que se tenha levantado, agora, esta polémica. Evidentemente, que o familiar pode, depois de ser nomeado, passar a praticar as maiores desonestidades e patifarias em direção ao interesse público. Pode, mas não tem que o fazer, necessariamente. Para além disso, as relações familiares já não têm, hoje, as características que tiveram no passado. O perigo, a existir, estaria fortemente diminuído.

Importa interrogarmo-nos porque é que o interesse público é posto em causa, mais intensamente, quando se nomeia  um familiar do que quando se nomeia o vizinho de cima, um dos elementos dos amigos do café, uma terceira pessoa indicada por um amigo, o militante do partido ou movimento político, o estagiário, advogado que trabalha na sociedade de advogados que emite pareceres, a favor, ou contra o governo, os deputados que trabalham em sociedades de advogados, etc., etc., etc.

Então o que é que é preciso fazer? “Bom senso”, claro. Mas o bom senso não basta. Aquilo de que mais precisamos é de promover uma sociedade democrática em que os mecanismos de controle do exercício de funções públicas, existam com toda a transparência, sem que o seu funcionamento possa ser encarado com desconfiança ou intenção de manchar a honorabilidade de quem quer que seja.                

Mas é preciso acrescentar que estes mecanismos de controle não devem existir, apenas, em relação ao exercício de funções por parte de agentes públicos, mas por igual razão, por parte dos agentes privados. Também, o comportamento dos agentes privados pode pôr em causa o interesse e o bem público. Não esqueçamos que ainda está muito enraizada entre nós a mentalidade de que a honorabilidade de comportamentos se deve exigir apenas aos agentes públicos, porque são pagos com o nosso dinheiro. Quando cada privado procura salvaguardar o seu interesse, o seu lucro, então já pode cometer as maiores patifarias.

Lembro-me de uma história que me foi contada por alguém amigo. Havia um empreiteiro (e há muitos empreiteiros honestos) que quando se encontrava com um outro amigo que era presidente de um instituto público, passava, sempre, a maior parte do tempo criticando, a propósito e a despropósito, o comportamento de quem quer que fosse pago por verbas do orçamento do Estado. O presidente do instituto conhecia muito bem algumas das habilidades que o empreiteiro cometia no exercício da sua atividade e perguntou-lhe: “ouve lá, estás para aí com todo esse teu arrazoado e achas que eu não sei que tu fazes muito pior?”. O empreiteiro, com grande convicção respondeu: “e qual é o problema? eu não sou candidato nem a Ministro, nem a Secretário de Estado”! Esta postura revela bem a mentalidade que, ainda hoje, e inspira o comportamento de um grande número dos nossos concidadãos.

O Relatório da OCDE

Uma outra questão que foi, ou tem sido, objeto de ralações infundadas é a do Relatório da OCDE sobre Portugal. Também aqui estamos perante um problema de “relações”, neste caso de relações entre diferentes forças políticas, entre o Governo Português e a OCDE e entre o Diretor de Estudos Económicos da OCDE e o Governo. A comunicação social, perante o problema levantado deixou-se arrastar pelo eco, sem cuidar de estudar e analisar o que verdadeiramente estava em causa.

Como se sabe, as oposições e alguns aparentados soltaram a boca para vir afirmar que o Governo Português quis condicionar o texto elaborado pelos serviços técnicos da OCDE, pressionando a OCDE a não incluir no Relatório referências gravosas ao problema da corrupção em Portugal. O próprio Diretor do Gabinete de Estudos Económicos da OCDE (anterior governante português), entrou na dança, confirmando que essas pressões tinham tido lugar. Mais, dispôs-se a vir, e veio, ao Parlamento fazer declarações no mesmo sentido.

É isto verdade ou falso? Houve, ou não houve pressões? Do que se consegue perceber, é verdade que as autoridades portuguesas manifestaram o seu ponto de vista sobre a questão da corrupção junto da OCDE. É, no entanto, falso que essa manifestação de ponto de vista possa ser interpretada como uma tentativa das autoridades portuguesas para condicionar a manifestação de opinião por parte da OCDE. Vejamos porquê.

Toda a gente sabe, ou senão sabe devia saber, nomeadamente os que se envolveram na polémica, que a elaboração do Relatório é um processo complexo, que começa com o fornecimento de informação por parte das autoridades portuguesas, a que se segue a elaboração de um primeiro draft, por parte dos serviços técnicos da OCDE. Segue-se um processo iterativo conducente à obtenção de um consenso entre ambas as partes. Nas negociações levadas a cabo, qualquer sugestão que vise a alteração da redação do draft não pode ser considerado como uma tentativa de torcer os resultados da OCDE. Mas o bom senso não imperou, talvez se tenha sobreposto a ignorância e entrou tudo em paranoia.

Recordo que a apresentação, em Portugal do referido Relatório contou com a presença do Secretário-geral da OCDE, ao que creio circunstância pouco comum. Porque terá o Secretário-geral optado pela sua deslocação a Portugal? Porque entendeu que o seu Diretor do Gabinete de Estudos estaria a ter um comportamento que desaconselhava a sua deslocação a Portugal, ou porque não quis que os serviços da OCDE fossem postos em causa pelas autoridades nacionais aquando da apresentação do Relatório? É minha convicção que a hipótese verdadeira é a primeira. Se outra justificação não existisse, as próprias declarações do Secretário-geral, reproduzidas na imprensa, confirmam-no. Eis essas declarações:

“Temos um processo que é o mesmo em todos os países. Fazemos 50 relatórios económicos dos países num ciclo de dois anos”, disse o responsável da OCDE esta segunda-feira em Lisboa.
O secretário-geral da OCDE explicou que o processo de elaboração do relatório passa, primeiro, pela missão de recolha de estatísticas e dados. Depois, a segunda missão resume-se à discussão com as autoridades nacionais.

“É preparado um esboço, um relatório preliminar. E então, convidam-se os 36 países para dois dias completos de discussão. Discutem-se todos os aspectos. Preparamos duas missões, depois preparamos a versão preliminar do relatório, submetemos à discussão com os representantes de Portugal e depois é elaborada a versão definitiva”, explicou.

“Existem muitas versões preliminares. Uma delas provocou um pouco de controvérsia. Parece-nos lamentável, mas não é um problema irreparável. Terminámos o processo normalmente, tal como em todos os outros países. O que fizemos com Portugal, fizemos com todos os países”, declarou o secretário-geral da OCDE.


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