A necessidade de promover um maior equilíbrio
entre o tempo dedicado ao trabalho e a vida pessoal, familiar e social tem
vindo a ser crescentemente debatida, tão acentuada é a desigualdade de género
entre os trabalhadores e tão escassos os apoios adequados nas diferentes etapas
ao longo da sua vida.
É sobretudo a partir da aprovação do Pilar
Europeu dos Direitos Sociais que se vê reforçada a atenção ao tema da organização
dos tempos de trabalho, com a apresentação de propostas que têm o duplo
objectivo de incentivar a participação dos homens nos cuidados parentais e de
apoio em benefício das crianças e o de permitir uma maior equidade no tocante à
participação da mulher no mercado de trabalho.
Os recentes resultados da investigação do
Eurofound, sintetizados em artigo de Jorge Cabrita, publicado em Social Europe
a 1 de Novembro com o título Rethinking Working Time in Europe, confirmam a
necessidade de rever as políticas sobre os tempos de trabalho para que tenham
em linha de conta as profundas alterações socio - económicas, demográficas e
culturais na União Europeia.
Com base no ano de 2015, o Eurofound
apresenta dados para a U.E. a 28 sobre o número de horas trabalhadas, em média,
pelas mulheres (58 horas semanais), contra apenas 52,5 horas, em média,
declaradas pelos homens, sendo certo que boa parte do trabalho feminino não é
pago, incluindo tarefas domésticas e o cuidado dos filhos e dos mais idosos no
agregado familiar.
A
assimetria de género encontra-se também em termos do diferencial da remuneração
(16,3%) e do nível das pensões (40%) penalizando as mulheres no mercado de
trabalho, em montantes estimados pela Comissão Europeia, na ordem de 370 mil
milhões de euros por ano.
O que está em causa não é já apenas a questão
da escolha entre horários fixos e horários flexíveis. É necessário complementar
direitos universais e individualizados nos estados - membros com acordos
colectivos de âmbito diverso que conciliem as especificidades do sector ou da
empresa com a evolução das preferências e necessidades das pessoas nas
diferentes etapas das suas vidas, promovendo, tanto quanto possível, uma maior
autonomia do trabalhador na escolha do seu tempo de trabalho.
Antecipa a Comissão que uma melhor repartição
do tempo de trabalho também teria benefícios para as empresas (desde logo pelo
menor absentismo e maior motivação do trabalhador), para os Estados (menor
desemprego e maior receita fiscal), e, para a economia, por acréscimo de
competitividade e absorção do impacto das alterações demográficas.
O que pensar da tendência para uma crescente
flexibilidade nos tempos de trabalho?
Serão os resultados positivos
inquestionáveis?
Que políticas inovadoras favorecem mais um
grupo de interesses e prejudicam outros?
Julgamos que não devem ser menosprezados
alguns sinais de alerta que têm sido lançados com base em estudos, ou apoiados
na simples observação de certos comportamentos por parte dos trabalhadores ou
das entidades patronais.
A título meramente exemplificativo podemos
referir que:
- A flexibilidade
confunde-se, por vezes, com imprevisibilidade e esta não é de forma alguma
benéfica para o equilíbrio pretendido;
- Os empregadores têm
tendência a pensar que são as mulheres que querem mais flexibilidade por razões
familiares, o que pode favorecer a prática de salários mais baixos;
- Mais flexibilidade
e mais autonomia, sendo um aspecto positivo, também pode jogar contra o
trabalhador levando-o a atitudes de “auto-exploração”, por exemplo aceitando a
sua permanente disponibilidade para ser contactado a qualquer hora ou para
trabalhar mais horas;
- A liberdade de
escolha de horários pode levar a que se torne mais difusa a fronteira entre o
tempo de trabalho e todos os outros domínios da vida.
Justifica-se, pois, uma atitude de prudência
na avaliação das inovações em matéria de flexibilidade de tempo de trabalho,
para que delas resulte um aumento do grau de satisfação com a qualidade do
trabalho e um maior equilíbrio da vida pessoal e familiar.
Nessa avaliação, as especificidades do
mercado laboral nacional são factores a ter em linha de conta, assim como os
aspectos demográficos que nos caracterizam, como a seguir, muito resumidamente
se apresentam:
- É um facto que Portugal
se encontra entre os países em que é mais usual a semana de trabalho de mais de
5 dias e o número médio usual de horas trabalhadas por empregado - 38,6 -
excede em 3 horas o número de horas semanais trabalhadas na média da U.E.
- As estatísticas
revelam que temos o mais baixo nível de renovação da população em idade activa
na U.E. a 28 e registamos forte envelhecimento populacional e prolongamento da
vida activa, sem que se tenham assegurado as condições de saúde e de satisfação
com o trabalho necessárias ao “ trabalho sustentável”.
- O número de filhos
por mulher é bem inferior ao desejado pelos casais e ao que seria necessário
para repor as gerações, sendo-lhes particularmente adversas as condições do
mercado de trabalho.
Concluindo, a reavaliação
dos tempos de trabalho ao longo da vida, vai para além dos requisitos de
flexibilidade de tempos de trabalho, envolve também o acesso a adequadas
infraestruturas de apoio, como por exemplo no cuidado das crianças e
dependentes, idosos ou não. É isto que nos mostra o exemplo dos países Nórdicos
os quais adoptaram políticas públicas no campo laboral, de apoio à família e de
igualdade de género, através das quais atingiram resultados muito satisfatórios
de bem-estar social e prosperidade económica.
Até que ponto estão os
poderes públicos, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil conscientes
das políticas que melhor podem servir as aspirações dos trabalhadores, o bem-estar
social e o progresso da economia?
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