02 junho 2015

Parceria Transatlântica, a quem serve?



O Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) que a Comissão Europeia está a negociar com os EUA, se vier a ser concluído, terá um impacto importante nos países signatários.

O secretismo com que decorrem as negociações é um obstáculo ao acompanhamento do processo e tem suscitado críticas de várias entidades, nomeadamente de organizações não governamentais nos países envolvidos deste lado do Atlântico.

No entanto, com base no  que chega ao conhecimento público, continuam a ser justificadas as perspectivas de  enfraquecimento das regulações nacionais em múltiplos domínios, ao mesmo tempo que sofrem contestação as estimativas da Comissão acerca do impacto sobre o crescimento que pode decorrer de uma maior liberdade de acesso a mercados externos.

Os vários estudos que têm sido feitos para estimar os ganhos potenciais deste tipo de Acordos, usando para tal modelos económicos sofisticados, dão diferentes resultados: por exemplo, a Parceria Trans-Pacífico, que pretende facilitar o comércio entre a América, o Japão e outros 10 países, tanto pode ter um impacto  sobre o crescimento do PIB, até 2025, de 285 mil milhões de dólares, enriquecendo a América em 77 mil milhões, como pode ter um impacto insignificante ou mesmo nulo, levando os autores a por em causa se vale mesmo a pena aquela Parceria(1).

A propósito da mesma Parceria, segundo Paul Krugman(2), não é exactamente o comércio o foco que se pretende, mas sim a aposta no reforço dos direitos de propriedade intelectual, como as patentes de medicamentos e “copyrigts” de filmes, ao mesmo tempo que se visa alterar o sistema como as empresas e os governos resolvem os litígios.

Quem beneficia com tais políticas não é questão menor, antes pelo contrário.

Um estudo promovido pelo governo inglês, acerca do impacto da maior protecção dos direitos de propriedade intelectual, admite que o aumento de custo para os consumidores exceda o que seria necessário para encorajar a inovação e pode abrandar o ritmo da  transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento. Particularmente nocivo, segundo os autores  deste estudo, pode ser o impacto da maior protecção de patentes sobre o custo dos medicamentos. 

Quanto ao processo de resolução de conflitos que é proposto igualmente na Parceria Transatlântica, segundo o qual as empresas  multinacionais podem processar os governos por alegados prejuízos decorrentes de regulações nacionais, sendo os casos julgados em tribunais específicos, fora da  jurisdição nacional, tarda uma tomada de  posição firme, rejeitando as disposições relacionadas com esta ideia.

De facto, existem já sinais de como este tipo de cláusula pode ser usado para influenciar a posição de governos perante grandes empresas, mesmo tratando-se do governo dos EUA, onde uma importante lei de aplicação ao sistema financeiro (conhecida como Lei Volcker) foi aprovada, mas é repetidamente contestada com argumentos vários, incluindo o de que viola o Acordo de Comércio Livre da América do Norte.

Sabemos que o Parlamento Europeu prepara um conjunto de recomendações a dirigir, muito em breve, à Comissão Europeia acerca da Parceria Transatlântica, onde se incluem “reformas e melhorias” do mecanismo de resolução de conflitos. Até que ponto são suficientes e em que medida serão aceites?

Para além desta questâo muitas outras, também fulcrais, serão objecto de recomendações por parte de Parlamento Europeu, como constam da lista seguinte:


- "uma lista exaustiva dos produtos agrícolas e industriais sensíveis;
- o respeito pelos padrões ambientais, de saúde e de proteção social da UE;
- a proteção das indicações geográficas europeias;
- a eliminação de quaisquer restrições existentes à exportação de energia entre os dois parceiros comerciais;
- a proteção dos dados pessoais dos europeus, assegurando que o acervo da UE neste domínio não fica comprometido com a liberalização dos fluxos de dados, especialmente na área do comércio eletrónico;
- a remoção das atuais restrições norte-americanas aos serviços de transportes marítimos e de transportes aéreos que são propriedade das empresas europeias, como no que diz respeito à propriedade estrangeira de companhias aéreas;
- a exclusão de serviços públicos do TTIP, nomeadamente água, saúde, sistemas de segurança social e educação;
- a pressão para que os Estados Unidos ratifiquem e apliquem as oito convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (até ao momento apenas ratificou duas);
- o aumento da transparência, garantindo a publicação de mais documentos e o acesso a mais informação sobre as negociações".

Tendo presente a diversidade de posições defendidas pelas grupos representados no PE, bem como a falta de democraticidade com que  todo este processo é conduzido, à margem dos Parlamentos nacionais, não se pode excluir a possibilidade de um texto final que se revele contrário aos nossos interesses.


(1) - “Free exchange. A weighting game. Pacific trade talks expose the limits of economic modeling”, publicado em The Economist em 30 de Maio de 2015.
(2) – Paul Krugman, “Trade and Trust”, publicado em The New York Times em 22 de Maio 2015

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