Duas ou três coisas porquê? Por causa da necessidade do
rigor.
A alusão aos apóstolos vem na sequência do que
António Costa disse dos doze economistas que elaboraram o trabalho intitulado
“Uma década para Portugal”: nem estes
senhores, que são economistas, são apóstolos. Certamente que o autor da
frase queria dizer que tudo o que aqueles economistas recomendam não tem que
ser seguido à letra, já que se podem enganar. O que António Costa não se
lembrou foi que nem sequer os apóstolos eram dotados do dom da infabilidade.
Entretanto já veio acrescentar que mais do que 95% das recomendações viriam,
certamente, a ser adotadas, o que para quem não é apóstolo até nem está mal.
Talvez o terem trabalhado em conjunto e até terem sido doze tenha ajudado à
aproximação da infalibilidade!
Voltemos às
"duas ou três coisas". Hoje, em qualquer debate ou discussão que se reivindica de sério ouvimos,
com frequência, os argumentistas dizerem coisas do género: Há duas ou três razões que fundamentam
muito bem o que acabo de dizer. Quem diz que há duas ou três razões
também poderia muito bem ter dito quatro ou cinco, ou qualquer outro par.
Convenhamos
que, para quem quer fundamentar muito
bem, o dizer que há duas ou três razões, isto é, uma variação de 50% no
número das razões, não permite reivindicar grande credibilidade para o que se
pretende fundamentar. Vem isto a propósito do exercício de modelação que os invocados
apóstolos desenvolveram, não por causa do que disseram os apóstolos,
mas por causa do que afirmam os fariseus.
O trabalho
foi publicamente apresentado e o que é que se viu? De outros grupos de
economistas, que se saiba, até agora pouco se viu. O que se viu foi a turba
(profissionais da política e artistas dos media)
a provocar grande agitação da espuma que anda ao de cima, com ignorância da substância que lhe estava subjacente.
Era preciso fazer agitação a qualquer preço, diminuindo o significado do
trabalho feito e, por isso, adotaram a estratégia de espalhar a espuma!
Vejamos, então, no que é que o exercício dos
economistas nos poderia valer. Não é frequente, se é que alguma vez já o foi,
os responsáveis políticos solicitarem aos técnicos das várias áreas a
elaboração de um exercício rigoroso, capaz de projetar cenários dos resultados
de modificações nos valores da algumas das variáveis consideradas
instrumentais. Esse exercício ainda tem acontecido menos em matéria económica. De
alguma maneira aconteceu desta vez!
A questão que
importa ser colocada deverá ser a de saber quanto vale o exercício, não através
dos “pressupostos” políticos, ou outros, de quem faz o exercício, mas através
da coerência das diferentes variáveis tidas em consideração e da forma como
interagem entre si.
Tenho visto
em algumas sessões públicas e comentários escritos fazer-se a distinção entre o
que seria uma abordagem técnica e uma abordagem política. Normalmente o que o
comentador acrescenta é qualquer coisa do género: “não me vou deter sobre os
aspetos técnicos do exercício e concentrar-me-ei sobre a sua relevância
política”. Grande tirada! Mas então é possível falar das consequências
políticas ignorando os seus fundamentos técnicos e inversamente? Claro que não,
mas a ignorância ajuda a explicar mas, também, a esconder muita coisa.
E o exercício
dos economistas ajuda-nos muito a ter uma compreensão rigorosa do que está em
jogo? Nem por isso, pelo menos através do que está explicitado. O que seria
necessário para que tal acontecesse?
Em qualquer
exercício de modelação existem sempre inputs
(entradas) que, através dos procedimentos internos do modelo (caixa negra) vão
ser transformados em resultados (outputs)
que permitem desenhar cenários. O que é que nos interessa conhecer acerca das
componentes deste exercício? É o que vamos ver a seguir.
Em primeiro
lugar os inputs. Porque é que foram
escolhidos aqueles e não outros? Alguém dirá que foi por causa das exigências
do modelo. Só que os modelos são construídos de acordo com determinados
pressupostos e conceções acerca do modo como funciona a economia.
Um modelo
tecnicamente perfeito é o que é compatível com aqueles pressupostos e o modo como
se desenha o funcionamento da economia (dimensões políticas). Claro que há
aspetos técnicos, mas os pressupostos e o modo de funcionamento da economia que
são escolhidos, pelos técnicos ou pelos políticos que lhes encomendam o
trabalho, introduzem-nos no que melhor há da política. Por isso, separar a
política dos seus fundamentos técnicos e inversamente é uma profunda aberração.
E, então, em
que ficamos? A exigência que deveríamos ter é a de que sejam explicitados os
pressupostos políticos do exercício de modelação e, simultaneamente, seja
permitido abrir a caixa negra para que possamos ver como se faz o “cozinhado”.
O bom cozinheiro, que apresenta na mesa pratos opíparos não tem qualquer
receio, antes pelo contrário, até tem prazer, em convidar os clientes para irem à
cozinha a fim de lhes mostrar um pouco dos segredos da confeção.
Ora isto, que
é o mais importante num exercício de avaliação, não foi fornecido pelos
“apóstolos” e muito menos foi pedido por ninguém. Vimos sim aparecer sugestões
de fazer apreciar os resultados do modelo por órgãos associados ao trabalho
parlamentar, mas isso é substituir o trabalho que deveria ser feito pelas
diferentes forças políticas por uma tutela de uma espécie de anjo da guarda
parlamentar.
Os
comentários que ficam para trás também têm relevância a propósito de certos
comentadores que nos aparecem nas televisões e outros órgãos de comunicação
reivindicando a mais-valia das opiniões expressas dizendo coisas do género: segundo os meus cálculos; de acordo com uns
gráficos que eu preparei, etc, etc. O recurso a tais cálculos ou gráficos
pretende ter o efeito de argumento de autoridade, esquecendo-se, quem assim o
faz, que os argumentos são de nenhuma valia quando, simultaneamente, não são
indicadas as fontes e as metodologias adotadas.
Fica um
desejo: o de que de futuro as projeções e propostas políticas possam ser
técnica e politicamente fundamentadas e sejam disponibilizadas com os elementos
necessários aos exercícios de audição a realizar por outras forças políticas, universidades,
gabinetes de projetos, etc. É o que se faz nos outros países europeus que
colocam a discussão das grandes opções de política num patamar que não é o
opinativo ou do discurso redondo, que tanto diz uma coisa como o seu contrário.
De outro modo, as reflexões continuarão a começar por: na minha opinião . . .
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