Com o fim do programa de intervenção da
troika, enganadoramente aclamado como uma “saída limpa”, ouvimos agora, com
insistência, a necessidade de proceder à reforma do Estado, sem que, simultâneamente,
se clarifique o que se pretende com ela alcançar.
Para alguns, o principal objectivo a
prosseguir deveria ser o da melhoria da qualidade e da equidade na prestação de
bens e serviços essenciais que os poderes públicos prestam á comunidade, sem
descurar o controlo dos custos. Neste sentido, a criteriosa formação e a selecção dos mais competentes e idóneos para
os lugares – chave, aos diferentes
níveis da Administração, seriam aspectos
que, só por si, configurariam uma verdadeira reforma.
Mas no discurso oficial o que aparece com
mais frequência é a ideia de que deve prosseguir uma redução da presença do Estado
na economia, privatizando a toda a velocidade empresas, ainda que estratégicas,
em que a manutenção do centro de decisão nacional faria todo o sentido. O caso
da P.T. e a forma displicente como se avaliam os desenvolvimentos recentes, é
apenas um exemplo de como nada mais parece contar para além do efeito imediato
do encaixe financeiro com as privatizações.
Paralelamente, vai sendo propagada a falsa
ideia da superioridade da gestão privada, como argumento para reduzir o papel
do Estado como prestador de serviços no domínio social e que por ele devem ser
garantidos, como imperativo constitucional. A ideia de rever a Constituição é,
por alguns, apresentada como necessária para que as reformas permitam alcançar aquele objectivo, enquanto
outros seguirão o caminho de a tentar interpretar de forma conveniente aos seus
interesses.
Um argumento utilizado por estes últimos é o
de que basta o poder de regulação que o Estado exerce para que possa ser
entregue a privados (sector lucrativo ou sector social) a prestação daqueles
serviços, mas sem esquecer de lhes facultar os meios financeiros para que
cumpram obrigações de serviço público...
A fragilidade destes argumentos não resiste à
observação de indicadores de ineficiência de sistemas assentes em prestações
privadas.
Por exemplo, os serviços de saúde num sistema
privado como é o dos EUA, são incomparavelmente mais caros do que os que seguem
modelos europeus e as supostas maiores eficiências privadas nos cuidados de
saúde em Portugal comparam, de forma abusiva, custos de prestações muito
desiguais, por ignorarem as obrigações de serviço público do SNS.
O sistema de pensões é outro alvo dos que
defendem a redução do papel do Estado e apresentam para tal cenários
financeiros calamitosos. Ora as experiências de privatização da segurança
social, iniciadas no Chile e depois difundidas por outros países, falharam em
toda a linha .
Ainda que a questão da eficiência não
estivesse em causa, o fundamental é que entidades privadas não têm legitimidade
para arbitrar quando se trata de assegurar direitos sociais, a forma e a
intensidade como são prestados a diferentes grupos sociais, o equilíbrio intergeracional
e intertemporal.
Se alguma complementaridade com prestadores
privados pode ser benéfica em certos domínios específicos, importa que o poder
regulatório público não se deixe capturar por interesses alheios, sendo certo
que, para tal, uma salvaguarda recomendável é a manutenção do predomínio da
prestação pública, eficiente e com qualidade, dos bens ou serviços que concorrem para o bem -
estar social.
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