A caótica intervenção do Estado
no processo educativo atingiu níveis insuspeitados de incompetência e
improviso, num total desrespeito pelos cidadãos – alunos, professores, pais,
funcionários – e, vamos lá, pela própria República. Em democracia, nunca o
Estado se aviltou tanto nem os governantes conseguiram desprezar a tal ponto a “coisa
pública” como agora sucede, desde logo na Educação. A recusa sistemática em
assumir as últimas consequências, a persistência na leviandade e incompetência
da gestão, mesmo por parte de quem desde sempre se afirmou – correctamente - arauto
do rigor e combatente do facilitismo, sem que entretanto nada de consistente e
estruturado tenha conseguido contrapor-lhe … nenhum desses comportamentos
constitui já surpresa.
O estado de coisas não podia
ainda piorar, pensava-se… mas piorou. Confrontado
com um corte de 700 milhões previsto no próximo Orçamento de Estado para a
Educação, o Sr. Ministro desfez-se em contas para concluir que o corte seria (apenas)
de 200 milhões: confundiu, por exemplo, despesas correntes com investimento, ao
referir que “as rescisões [de docentes] significaram um investimento em termos
financeiros (…) investimento muito grande que este ano não se vai realizar”… “este
ano o que vai suceder é que aqueles professores (…) deixarão de ser um custo
para a tutela”. E ainda : “Ou seja, as poupanças desse trabalho de 2014 vão
manifestar-se em 2015: entramos em 2015 (com menos essas escolas muito
pequenas), com escolas mais eficientes, e todo esse trabalho de eficiência que
nós estimamos que possa ir até cerca de 200 milhões”(*). Perguntamos então: em
que ano? Como se realiza o valor dos 200 milhões de tamanha eficiência?
Eficiência, portanto. E quanto a
ganhos de eficácia social, inclusão, igualdade de oportunidades…, entre outros
grandes desígnios que a Constituição democrática atribui à educação,
especialmente a pública? Pois, aqui o Sr. Ministro apraz-se em identificar vários “motivos
de orgulho do seu Ministério” (*), de entre os quais a redução das taxas de
abandono escolar. Considerando aqui apenas o conceito estatístico de abandono escolar – “População entre
os 18 e os 24 anos que atingiu no máximo o ensino secundário inferior (ISCED-2,
i.e., 9º ano em Portugal) e que não está inscrita em qualquer programa de
educação ou formação” (EUROSTAT, in www.pordata.pt)
– o Sr. Ministro pode, de facto, orgulhar-se: em 2013, no conjunto da União
Europeia a 28, ainda tínhamos, com efeito, atrás de nós a Espanha, Malta e a Islândia… Mas deveria acrescentar que a pretensa evolução positiva não é
generalizada, de facto: embora limitadamente, aquela taxa de abandono aumentou
mesmo entre a população estudantil feminina, entre 2012 e 2013 (www.pordata.pt).
Quanto ao abandono e desistência do
Ensino Superior (ES), nem uma palavra. Com efeito, não pode o Sr. Ministro
orgulhar-se de taxas de conclusão inferiores a 70% neste ciclo de estudos.
Atendendo a que a nossa percentagem de diplomados pelo 1º ciclo do ES, entre os
jovens de 20 a 24 anos, ainda era, em 2013, cerca de 2p.p. inferior à média
correspondente para a União Europeia a 28 (www.pordata.pt)
e que, por outro lado, é ainda grande o esforço que de nós se espera para
cumprir em 5 anos as metas do Horizonte 2020, que subscrevemos, seria de
esperar que este domínio constituísse uma prioridade para o Ministério da
Educação. Como analisa um importante documento do Conselho de Reitores (www.crup.pt), a significativa taxa de não
conclusão –resultando em importantíssimo
custo individual e social – encontra, desde a crise, razões fundamentais na
crescente dificuldade económica de estudantes e famílias para financiarem estudos
superiores, num momento em que o Estado se
vem retraindo significativamente nesta sua obrigação: assim, e por exemplo, a
percentagem de bolseiros, no ES público, em relação ao total de alunos
matriculados, vem recuando sistematicamente desde 2009 e situa-se agora em níveis
próximos dos de há dez anos…
Conviria então perguntar: onde e
à custa de que mais custos sociais, espera o Sr. Ministro conseguir ganhos de
eficiência susceptíveis de compensar um tão mau desempenho? Ou, ainda: aqueles 700
(200 ?) milhões não dariam jeito neste domínio?
(*)Excertos das edições on line
do Público, de 20 e 21 de Outubro de 2014.
Margarida Chagas Lopes
Acabo de saber que, hoje, numa escola do Porto, mais uma professora foi agredida na sua sala de aula por pais de alunos. Isto pelo que resumidamente se refere.
ResponderEliminarEm dia de test um dos alunos (11-12 anos), já na sala de aula, usou um telemóvel (com infracção do Regulamento interno, diga-se!) para pedir ajuda aos pais com o pretexto de que "havia ébola" na escola e queixando-se de que a professora lhe tirara o telemóvel.
Os pais acorrem à sala de aula e maltratam a professora diante de toda a turma. Só a intervenção da polícia conseguiu dominar a situação criada pela "criatividade" de uma criança mal intencionada (fugir ao test...).
Situações como esta obrigam a múltplas interrogações:
Que pensar do relacionamento de certos pais com professores e educadores? Que educação dão aos seus filhos? Que valor e grau de confiança atribuem à escola?
Até quando situações como estas ficam impunes?
Até quando o silêncio do MEC, das organizações profissionais, dos directores de agrupamentos, da comunicação social?.
Até quando se continua a consentir no desrespeitto pela pessoa do professor e a sua desprotecção e na desvalorização social desta profissão - pedra angular da construção do futuro de uma sociedade?
Tudo isto vem a propósito de anunciados mais cortes de uns milhões (quantos?) no orçamento da educação para 2015, mas também tem a ver com desemprego, baixos salários, precariedade laboral, falta de apoios à integração social, anomia social...
Agradeço à Professora Margarida Chagas Lopes o pretexto que o seu post me deu para exprimir a minha perplexidade e indignação.
A escola deixou de ser ponto de educação e agora são mentiras do ministro e do ministério e o deixa andar.
ResponderEliminarQuem apanha dos alunos e dos seus pais são os prof's que lutam desesperadamente pelo pão de cada dia.