12 novembro 2013

Notações ideológicas

O anúncio da descida de um nível na notação atribuida à França pela Standard & Poor’s, veio, mais uma vez, desmascarar a falta de fundamento com que as agências de notação se permitem pronunciar acerca da saúde económica dos países e do seu grau de solvabilidade.

De facto, os indicadores disponíveis sobre a economia francesa, atestam um desempenho melhor do que o de muitos outros membros da União Europeia, com o PIB a recuperar sensivelmente o nível anterior à crise, o deficit orçamental é pequeno, e não é preocupante a perspectiva da dívida a médio prazo. É também interessante constatar que, graças a uma maior taxa de natalidade, em parte por causa das políticas de apoio à maternidade e medidas que facilitam a vida a mães que trabalham, o orçamento francês apresenta projecções melhores que as dos seus vizinhos.

Porquê então uma descida de notação de crédito da França, de AA+ para AA , o que, de resto, não impressionou os mercados de forma significativa?

As opções de política económica em França, ainda que em clima de austeridade, foram as razões invocadas por S&P: alegadamente, uma taxa de desemprego elevada não criou uma opinião pública favorável a reformas estruturais e sectoriais, prejudicando as perspectivas de crescimento a longo prazo.

Mas que reformas?

Para Paul Krugman, o argumento das” reformas estruturais” não tem a vêr propriamente com o crescimento, mas sim, principalmente, com o intuito de forçar cortes na despesa em vez de tributar fortemente os mais ricos. O que se pretende, de facto, é penalizar o insuficiente empenhamento francês nas reformas para desmantelar o Estado social.

Acresce que, afirma Krugman, se desconhece o impacto real que têm essas reformas no crescimento económico, ou seja, o que a S&P avaliou não foi o risco de incumprimento!

Em consequência do seu “pecado” veio o castigo aplicado à França pela S&P, de resto precedido das declarações do sempre zeloso
comissário europeu Ollin Rehn, que afirmou que aqueles aumentos de impostos, em vez de cortes na despesa, iriam “destruir o crescimento e prejudicar a criação de empregos”.

As nossas perspectivas económicas são, infelizmente, bem menos tranquilizadoras do que as da França, mas não é por isso que deixam de ser válidas as considerações acima feitas e o real motivo que levou a S&P a atacar aquele país com um “rating ideológico”( Ideological Ratings- Paul Krugman, Blog, November 8, 2013) bem se pode aplicar a outros casos.

Também em Portugal nos foi receitado que a consolidação orçamental se fizesse sobretudo pelo lado da despesa, apesar de ser maior o potencial impacto negativo desta opção.

A maior equidade que uma correcta fiscalidade poderia assegurar na distribuição dos sacrifícios provocados pela consolidação orçamental, é assim prejudicada por uma opção ideológica que nos é imposta.

Sem dúvida, o alvo da famosa reforma do Estado é o conjunto das funções sociais que ele assegura, a desregulação levada ao extremo, a privatização de tudo o que é apetecivel ao sector privado.

O que está em causa é demasiado importante para o nosso futuro colectivo pelo que se impõe a exigência de um debate alargado que permita escolhas esclarecidas e denuncie o preconceito ideológico que não se cansa de repetir a inexistência de alternativas à redução do papel do Estado na garantia de direitos sociais básicos.



1 comentário:

  1. Este texto da Isabel , quando tem por pano de fundo a sentença da Standard & Poor's sobre a "pecadora" França tem toda a oportunidade. Ele permite recordar o que insistentemente, desde há muito, vimos escrevendo neste blog: o programa anticrise tem uma orientação liberal que visa permitir que os possidentes recuperem o que julgam ter perdido com a generalização da aplicação dos princípios do Estado Social. Mais uma vez o Capital procura esmagar o Trabalho.
    Vale a pena, a este propósito, recordar o que Paul Growe veio dizer, ontem, em Lisboa (http://expresso.sapo.pt/cavaco-esta-a-fechar-os-olhos-a-realidade-sobre-a-divida=f840289).

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