15 abril 2011

E agora José ? (II)

Antes de continuar leia este .

E quanto a nós o que se segue? Dizem-nos que chegaram os negociadores. Vai-se a ver e, afinal, só chegaram uns Srs. que vêm fazer o levantamento da situação, i.e., o diagnóstico. Os negociadores vêm a seguir, mas mesmo em relação a esses é legítima a interrogação sobre se vêm negociar alguma coisa. Duvido muito, mas é questão a que voltarei mais abaixo.

Independentemente da interpretação do diagnóstico que cada um possa fazer sobre a situação da economia portuguesa (e certamente, que dela muitos desenhos poderiam ser feitos) ninguém poderá argumentar que não existiam outros cenários a merecer discussão e ponderação. Não deixo de reconhecer, no entanto, que esses cenários sendo sempre gravosos para os portugueses podem sê-lo mais para uns do que para outros. Não o poderei fazer, aqui, agora, mas poderão, pelo menos, ser enunciados.

1. Modificação das regras de funcionamento do euro.

O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC, que não os PEC de que tanto se tem falado entre nós e que são apenas as propostas de cada pais para que o PEC seja respeitado) O PEC tem normativos que garantem o crescimento dos países de economia mais robusta, mas não o das economias mais frágeis, como a de Portugal, Espanha, Grécia, etc. A questão é a de saber se nos queremos pôr em bicos de pés para estar no euro e para isso até estamos disponíveis para adoptar medidas que nos prejudicam, ou se o interesse de estarmos no euro é, também, dos países do “centro” e, portanto, se eles têm interesse nisso, então terão que estar disponíveis para que, em relação aos ditos países da periferia, possam ser adoptadas regras adaptadas às suas circunstâncias. Já alguém pensou no que seria se, quando existia o escudo como moeda portuguesa, o Governo abdicasse do Baixo Alentejo com o argumento de que aí a produtividade dos factores é menor do que no resto do país?

2. Saída do Euro (União Monetária)

Do meu ponto de vista, esta alternativa só se deveria colocar se a alternativa acima não fosse aceitável pelos nossos “parceiros”. Certamente que isso teria consequências. Se saímos de uma moeda forte para adoptar uma que será, necessariamente, mais fraca, isso significa desvalorização dos nossos recursos e inflação. Mas já alguém fez as contas do que é que se perde com a manutenção da situação actual? O resgate que, agora, está em curso não nos vai trazer nenhuma desvalorização de recursos?

3. A reestruturação da dívida

O que é que isto significa? Significa que em determinado momento um país declara aos seus credores que não está disponível para fazer o reembolso da dívida e dos seus encargos, nas mesmas condições que anteriormente (vide caso da Islândia). A consequência é que se iniciariam negociações para determinar as novas condições de reembolso. Dir-se-á que quem pretende tomar este comportamento não é sério, porque não sabe honrar os seus compromissos e, além do mais, não está a ter em conta a reacção que os mercados financeiros vão ter face a necessidade que o país vai continuar a ter, de financiamento externo.

Este é um ponto de vista. E porque é que não se pode argumentar que pouco sério foi quem nos andou a aguilhoar durante todo o processo de constituição da dívida?

Quanto à reacção dos mercados financeiros ela é, apenas uma ameaça: eles têm receio é de que o mesmo comportamento possa vir a ser adoptado por outros países. Para além disso, a abundância de liquidez não vai desaparecer de um momento para o outro, e os investidores não deixarão de preferir emprestar em condições diferentes das anteriores (taxas mais baixas, por ex.) do que verem reduzido o seu mercado de aplicações.

4. O resgate

Uma consideração final relativa ao resgate. Ninguém tenha dúvidas de que o resultado final das negociações se vai traduzir por: desvalorização dos recursos nacionais, flexibilização do mercado do trabalho, despedimentos, baixa de salários e pensões, diminuição da capacidade de investimento, diminuição dos preços das exportações, diminuição da nossa capacidade produtiva, etc. Apenas, vai prevalecer a preocupação de que o país assegurará, sem a mínima hesitação, os seus compromissos com a dívida, a anterior e a do “grande empréstimo”.

Face a isto a que é fica reduzida a negociação? À apresentação, pela parte portuguesa, das alternativas que do seu ponto de vista podem garantir, com segurança, o reembolso. Do outro lado, apenas, haverá que escolher qual a opção que consideram mais adequada, ou exigir outra.

Neste quadro, é patético ver como alguns agentes políticos se agitam a propósito de uma pretensa intervenção na forma como devem ser assumidos os compromissos. Se alguma margem de opção poderá existir, ela só acontecerá no pós-eleições, por ex., quando se tiver de aumentar a taxa do IVA e se tiver que escolher em diferenciar taxas sobre produtos de primeira necessidade e outros produtos. Aí se verá quem é que cada uma das forças políticas considera que deve pagar a crise.

4 comentários:

  1. Deixo um cumprimento especial ao autor pelos capítulos que vem publicando nesta "estória do Zé".

    Depois de ler também um artigo em que o economista Nouriel Roubini afirma que Portugal poderá vir a reestruturar a dívida soberana.

    http://aeiou.expresso.pt/roubini-portugal-pode-vir-a-reestruturar-divida=f643876

    Fico a pensar se não seria bom fazer um referendo nos países preconceituosamente chamados "pigs", sobre o que preferimos que aconteça ao nosso futuro.

    Eu votaria a favor da reestruturação da dívida de todos!

    Talvez os "não-pigs" começassem a sentir formigueiros... Talvez desatassem a tomar alguma decisão nas altas esferas por onde circulam, como nos "G20" ou assim...

    Isso, ou a revolução dos miseráveis. A escolha não é muito variada.

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  2. Agradeço os cumprimentos.
    Os pensamentos que vêm do(a) Céu têm, certamente, credibilidade. E porque não considerar que a "reestruturação" não é lixo para deitar para debaixo do tapete? Não digo que se avance a correr para um referendo, mas que a questão enunciada, bem como as outras que referi no post, merecem que toda a gente as comece a discutir, não tenho dúvidas.
    Quando todos começarem a dizer que, afinal, o Rei vai nu, a Corte vai ser invadida por muitos formigueiros dos que ferram a valer

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  3. Para tanta gente com responsabilidade e, supostamente com credibilidade, andar a dizer não, nem pensar em "reestruturação" e, por outro lado, para tanta outra gente com credibilidade andar a dizer que sim que vale a pena a "reestruturação", é porque alguém anda com medo que a coisa se concretize.
    Parece-me que é mesmo preciso, debater, clarificar e pesar os prós e contras desta possibilidade.

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  4. A coisa de facto não é fácil. Mais difícil será se as pessoas com "credibilidade" produzirem sentenças sem as fundamentar nos seus pressupostos e nas suas consequências.

    Não há, por isso, outro caminho que não seja o do debate e do esclarecimento serenos.

    Com ele, também, construímos uma cidadania mais activa, mais responsável e mais capaz de ser parte do seu próprio futuro.

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