26 março 2011

A história do agricultor que comia as sementes (I)


Era uma vez um agricultor que, tendo chegado a época das sementeiras, se confrontou com uma sucessão de dias de mau tempo que não lhe permitiam sair para o campo lavrar a terra. Como era muito penoso trabalhar a terra nessas condições, entendeu que o melhor era não fazer a sementeira nesse ano já que, mesmo que não viesse a colher no Verão seguinte, teria sementes suficientes: para semear no próximo ano, para fazer farinha e coser o pão até à próxima colheita.

Teve um fim de inverno e uma primavera regalados: não trabalhou para investir e mesmo assim não passou fome. Pareceu-lhe que tinha encontrado uma boa solução para o resto da vida. Entretanto, chegou a primavera do ano seguinte e como já não tinha sementes, em quantidade suficiente, foi junto de um vizinho de confiança pedir-lhe se lhe emprestava alguns alqueires de semente para poder lançar à terra. O vizinho franziu o sobrolho, mas lá lhe emprestou a semente pedida, ficando combinado que no Verão ele lhe restituiria a semente emprestada com um acréscimo de 10%.

Só que, tendo-se habituado à “boa vida”, o nosso agricultor achou que poderia continuar a comer as sementes que lhe tinham sido emprestadas e não fez a sementeira. Os vizinhos estavam estupefactos. Como poderia ele vir a pagar as sementes e os juros, se não semeava?

O nosso amigo agricultor pensou que poderia, apesar de tudo, continuar assim por mais uns tempos. Se assim pensou, melhor o fez. Só que, para cada novo empréstimo que ele solicitava , maiores eram os juros que lhe pediam, até porque já estava com dificuldades de honrar os compromissos com os empréstimos anteriores. Quem lhe concedia o crédito de sementes tinha cada vez maiores dúvidas acerca da sua capacidade para realizar os reembolsos, uma vez que ele não cultivava as terras. O que veio a acontecer nos anos seguintes não é bem conhecido.

Esta história é suficientemente ilustrativa da situação económica e financeira de Portugal dos últimos tempos.

As sementes iniciais são o equivalente das nossas poupanças. Em determinado momento, em vez de as aplicarmos em investimento produtivo (semearmos) resolvemos dar-lhes outras aplicações: comer e vestir bem, importar bens e serviços que podíamos produzir internamente, fazer auto-estradas e outros investimentos que já nem servem para "inglês ver?", realizar aplicações financeiras especulativas, etc. Resultado: deixamos de semear, isto é, de investir em crescimento e desenvolvimento e, agora, estamos quase de calças na mão.

Mas há uma circunstância que não é comparável à do agricultor. Este comia as sementes mas, ao que se sabe, repartia o pão, de forma equitativa, com a mulher e os filhos. Não tem vindo a acontecer, assim, em Portugal. Entre nós houve uns (poucos) que encheram a barriga à grande e à francesa e houve outros (a grande maioria) que tiveram que apertar o cinto até ao ponto em que já não se sabe se é o cinto que não tem mais furos ou se foi a barriga que desapareceu.

E agora?

Bem, agora, é o que veremos no próximo episódio.

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