01 junho 2017

Mas qual é a surpresa com a venda de armas à Arábia Saudita?

 
Na semana passada, antes de chegar à Europa para fazer a pregação que ouvimos, o Presidente Trump deambulou pelo Médio Oriente e, em particular, fez uma visita ao seu tradicional aliado, a Arábia Saudita. Aí, alto e bom som, foi solenemente anunciada a compra, pela Arábia Saudita aos EUA, de material militar no valor de cerca de 110 mil milhões dólares, ou seja, mais de metade do PIB português.
Sabe-se que, na região, a Arábia Saudita, é um aliado forte e tradicional dos EUA, mas desde há muito, que muitos têm vindo colocar interrogações sobre a razoabilidade desta aliança, dadas as características feudais do regime que o governa e a circunstância de a religião e correspondente projeção na gestão dos negócios públicos ser a de dominante sunita, inimiga da variante xiita seguida pelos aliados mais importantes do mundo ocidental. É, igualmente, conhecido que os principais movimentos sustentáculo do terrorismo internacional têm base sunita .
Uma das interrogações sobre a razoabilidade da aliança tem a ver com o fato de ser largamente assumido que a Arábia Saudita apoia, de forma direta ou indireta, aqueles movimentos. Mas se assim é, tem algum sentido estarem os EUA a fornecer armas a um país que apoia o terrorismo internacional, do ISIS, do Estado Islâmico, etc (há, mesmo, quem diga que parte das armas poderá ser transferida para aqueles movimentos)?
Creio que, do ponto de vista da atual administração, fará todo o sentido. Não é difícil de explicar. Para mostrar que a explicação é simples, terei de fazer uma pequena incursão sobre a questão do designado complexo militar industrial dos EUA. Tem-se vindo a escrever que o comportamento errático do presidente Trump faz dele uma espécie de pateta desorientado no circo dos grandes lóbis, que influenciam e atuam na economia dos EUA. Mais do que pateta, creio que a sua função tem vindo a afirmar-se, sobretudo, como marioneta nas mãos dos interesses presentes nesses lóbis.
Se há uma linha de união entre os interesses desses lóbis, ela é a de que as decisões tomadas e os compromissos assumidos pelas várias administrações, federais, ou não, apenas podem comprometer, o crescimento, o desenvolvimento, o progresso da economia dos EUA e dos americanos, a menos que sejam tomadas em seu benefício dos lóbis, ou por sua “encomenda”. Disso também está convencido o presidente, que tudo faz e fará para ajudar a desconstruir o que anteriores administrações, republicanas ou democratas, andaram a fazer ao longo de décadas, em prol do bem comum. É assim em relação a toda a regulação da indústria automóvel, da indústria do carvão, das emissões de carbono (Acordo de Paris), dos compromissos com a NATO, etc. A exigência de Trump de que todos os países da NATO contribuam anualmente com 2% do seu PIB para o orçamento da Organização (no caso português cerca de 3,7 mil milhões de euros), pode ser um financiamento relevante para a compra de armas aos EUA. E o que é que isto tem a ver com o negócio das armas?
Tem tudo. Um dos grandes lóbis presentes no funcionamento da sociedade americana é o do complexo militar e industrial (são conhecidos os alertas que sobre a sua existência maléfica fez o Presidente Eisenhower, um general prestigiado, que sabia do que falava). Este lóbi não tem como objetivo eliminar a administração, mas sim coloca-la ao seu serviço. Quanto mais armas vender e quanto maiores forem os progressos tecnológicos na indústria de armamento, maiores serão os lucros dos seus acionistas, mas também, dado o seu poder de arraste sobre o resto da economia, maiores serão os benefícios para a economia e cidadãos americanos (não esqueço que complexos militar industriais, embora de menor dimensão, também, existem no Reino Unido, em França, na Alemanha, na Itália, na Suécia, na Rússia, etc.).
É verdade que o verdadeiro teste da eficácia das armas se faz no campo de batalha e isso pode ser feito em todo o lado menos, evidentemente, nos EUA. Não surpreende, por isso, que os negociantes de armas sejam peritos em, aproveitando circunstancialismos locais, fazer aparecer combates, batalhas e guerras por esse mundo fora. Estas guerras servem, para escoar os stocks de armas acumuladas, testar novas armas e justificar que a indústria de armamento continue a crescer.
Quando tudo já está destruído, pode-se ir fazer nascer guerras em outros locais. Para além disso, nos territórios já destruídos, há toda uma economia e infraestruturas a construir e os que antes trouxeram armas, descarregam, agora, buldózer, construtores civis, equipamentos, etc, etc. Uma única condição: a de que o território destruído seja suficientemente rico em recursos (petróleo, minério, água) que possam pagar a reconstrução ou, então, que a comunidade internacional se mobilize para encontrar as fontes de financiamento necessárias para esse efeito.
Voltemos ao nosso, anterior, tem tudo. É que se o que é preciso é vender armas, então não existe qualquer impedimento que elas sejam vendidas, simultaneamente, aos "nossos" aliados e aos seus inimigos. Acontece que os seus inimigos também são nossos aliados, i. e. dos EUA (vide os casos dos governos xiitas, da Líbia e do Iraque).
Quanto mais guerras, mais armas são vendidas e quanto mais armas vendidas maior riqueza e maior o orgulho para o Sr. Trump e para todos os que o utilizam como marionete.
Gostaria que o relato que acabo de fazer fosse apenas o de um pesadelo de uma noite mal dormida! Tenho dúvidas!

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