06 abril 2011

. . . e, mesmo assim, o menino não adormeceu!

Era uma vez um menino chamado Zézinho a quem toda agente atribuía extraordinários dotes de inteligência e que a todos maravilhava, quando com ele privavam. Nem mesmo o pai (Vítor) compreendia de onde lhe vinha tanta esperteza.

Como todos os outros meninos, gostava que o pai, ou a mãe, lhe fossem contar uma história antes de adormecer. Houve um dia que calhou a vez ao Vítor. Este tinha menos jeito que a mãe para contar histórias e como não quis estar sempre a repetir as que já tinha contado, inspirou-se naquilo que lhe davam a conhecer da vida do seu país, para contar a história com que o Zézinho haveria de adormecer. A história e a conversa, do papá com o seu filhote, foi mais ou menos, como se relata abaixo.

Começa o pai: era uma vez um país muito bonito, de belas paisagens e gente trabalhadora, em que todos queriam ser felizes. Nesse país existia um grupo de pessoas muito importantes, chamados banqueiros, que eram quem guardava o dinheiro que sobrava a uns para o poderem emprestar a outros, que dele necessitavam. Estes banqueiros tinham um chefe que tinha como missão obrigá-los a comportar-se, de modo a que o seu trabalho pudesse beneficiar toda a comunidade.

Em determinada altura, por razões que nem toda a gente percebeu muito bem, a situação económica do país começou a ficar feia. Ouvia-se dizer que o Estado não tinha dinheiro e até se começou a falar que os banqueiros, também não. Um dia os banqueiros resolveram ir falar com o chefe para lhe dizer que o melhor era Estado pedir, no estrangeiro, uma grande quantidade dinheiro, o suficiente para que os habitantes desse país deixassem de ter problemas e que, por isso, o chefe deveria exercer toda a sua influência, junto do Estado, para que isso acontecesse o mais depressa possível. Anunciaram, também que, a partir desse momento, deixariam de comprar dívida pública do Estado.

Até aí, o Zézinho tinha estado a ouvir toda a história com muita atenção, mas resolveu interromper o pai e disse: oh papá, esses senhores a que tu chamaste banqueiros, não são aqueles que têm ido buscar dinheiro ao Banco Central Europeu, a taxas pouco superiores a 1,5%, porque já não conseguiam financiar-se no mercado corrente?

O Vítor arregalou os olhos e perguntou ao filho: oh Zézinho, mas onde é que tu aprendeste isso?

O Zé, respondeu: oh papá, observando o que se vai dizendo e, depois, pensando.

O pai disse, deixa lá continuar a história: os banqueiros acabaram a reunião com o seu chefe e, à saída, tinham os jornais e as televisões à sua espera e começaram a dizer-lhes que a situação do país era muito grave e que o Estado não podia continuar a endividar-se nas condições em que o estava a fazer.

O menino voltou a interromper o pai e disse: olha, pai, eles podem ter dito isso, mas eu acho que não é por causa da situação do país que eles dizem que o Estado deve pedir, de uma só vez, muito dinheiro emprestado.

Perguntou o pai: mas porque é que tu pensas isso? O Zézinho respondeu: olha pai, não é muito difícil perceber. Eu ouvi dizer várias coisas: em primeiro lugar, que os banqueiros iam buscar dinheiro ao Banco Central Europeu (BCE) a taxas à volta de 1,5%, mas que com esse dinheiro compravam dívida pública do Estado a taxas superiores a 7 e 8%; ganhavam bem com isso e o povo era quem pagava esse ganho. Ouvi, também dizer que, agora, o BCE começou a desconfiar que os banqueiros iam ter dificuldade em reembolsar o dinheiro e que, por isso, iam deixar de lhes conceder empréstimos. Disse, ainda, que se os banqueiros não iam emprestar mais ao Estado, não era tanto porque o Estado deixasse de ter reputação, mas porque eles tinham deixado, ou iam deixar de ter, dinheiro para lhe emprestar.

O pai retorquiu; oh meu filho, estás a ter muita imaginação; então tu ainda agora disseste que eles ganhavam muito com o negócio de pedir dinheiro a 1,5% e de o emprestar a 7 ou 8%; se é assim, não há razão para que o BCE não continue a emprestar-lhes dinheiro.

Respondeu o filho: não pai, o que eles ganham com essa diferença tem servido mas é para aplicações financeiras e para aumentar a taxa de cobertura dos seus depósitos em relação aos empréstimos e é, por isso que, como todos sabem, não tem havido dinheiro para financiar a actividade produtiva; agora, eles encontram-se numa situação muito difícil e querem que o Estado faça um grande empréstimo, porque estão certos que uma parte do dinheiro que entrar lhes pode ir parar às mãos. É, também, por isso, que o BCE não quer continuar a ajudar à festa.

O Vítor estava espantado com a conversa do filho e começou a ficar meio baralhado da cabeça. Pensou que tinha que pensar melhor a história que estava a contar, mas já não tinha mais paciência para o fazer naquele momento.

Disse, então, ao Zézinho: oh meu filho, o melhor é agora ires dormir, porque amanhã tens que te levantar cedo para ir para a Escola.

O filho condescendeu e disse: está bem! . . . Mas não adormeceu logo, e continuou a pensar no assunto e, sobretudo, na circunstância de que os mesmos factos, podem dar origem a história completamente diferentes, conforme os interesses, o ponto de vista ou a informação, de quem a está a contar.

O pai, também, se rebolou bastante, em cima da cama, antes de adormecer.

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